O
Brasil estaria pior se ele não tivesse esquecido seu plano
Na virada de 2020 para 2021, daqui a duas semanas, Jair Bolsonaro completa dois anos na Presidência. A metade exata de seu mandato é uma ótima ocasião para um balanço de realizações e do andamento das promessas feitas em 2018.
À
primeira vista, um balanço assim parece exercício simples de ser feito. Com
meio mandato percorrido, seria razoável esperar que Bolsonaro estivesse com
algo próximo a 50% das promessas executadas. Ou que as metas estivessem 50%
implementadas - pouco mais ou pouco menos, considerando as dificuldades
inerentes e as variações de conjuntura.
Só que não.
A
primeira dificuldade é identificar o que Bolsonaro prometeu em 2018. A forma
mais óbvia, recorrer ao programa formal de governo, é também a mais inútil.
Toscamente organizado e pessimamente redigido, o documento “O Caminho da
Prosperidade”, protocolado no TSE, é uma peça imprestável com ponto de partida
para uma análise minimamente razoável.
Trata-se de uma apresentação de 81 páginas que amontoa colagens de fotos e gráficos despadronizados com slogans vazios (“faremos uma aliança da ordem com o progresso”), compromissos genéricos (“enfrentaremos os grupos de interesses escusos”), muito conspiracionismo (“enfrentaremos o viés totalitário do Foro de São Paulo”) e pitadas de autoajuda (“SOMOS MUITO MAIS FORTES que todos esses problemas”, assim mesmo, com maiúsculas). Áreas inteiras são ignoradas, como meio ambiente, e não há metas nem prazos fixados. Como medir o desempenho de um governo a partir de uma base assim? Não dá.
Outra
caminho é fazer um apanhado dos poucos compromissos objetivos do plano e juntar
o suco ralo com falas dispersas de Bolsonaro em entrevistas e propaganda. Com
ajuda dos jornais da época, é possível montar um conjunto mínimo de promessas
mensuráveis feitas pelo capitão reformado dois anos atrás, lista que, lida
hoje, longe do calor da campanha, talvez até surpreenda pelo radicalismo e pela
ambição. Eis a relação:
-
Eliminar o déficit público primário em um ano;
-
Reduzir a carga tributária, simplificar e unificar tributos;
-
Criar a carteira de trabalho verde e amarela, para que o jovem possa optar por
um regime desvinculado da CLT, e eliminar a unicidade sindical;
-
Criar isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 salários mínimos e
criar alíquota única de 20% no IR;
-
Promover uma reforma da Previdência que implique num modelo de capitalização
com contas individuais;
-
Criar um 13º pagamento permanente no Bolsa Família;
-
Liberar o porte de armas para toda a população, reduzir a maioridade penal,
acabar com a progressão de pena, a saída temporária de detentos e as audiência
de custódia;
-
Criar o chamado excludente de ilicitude, dispositivo que isenta policiais de
responder por mortes cometidas;
-
Ampliar o número de ministros do STF de 11 para 21;
-
Resgatar o projeto Dez Medidas Contra a Corrupção;
-
Implementar o projeto Escola Sem Partido, construir pelo menos um colégio
militar em cada capital e extinguir as cotas raciais nas universidades;
-
Extinguir o Ministério do Meio Ambiente (MMA);
-
Tipificar atos do MST e do MTST como ações terroristas;
-
Tirar o Brasil do Conselho de Direitos Humanos da ONU;
-
Acabar com a distribuição de cargos e liberação de emendas em troca de apoio no
Congresso.
Do
conjunto, é possível dizer que Bolsonaro se esforça para facilitar o acesso às
armas e que tentou extinguir o MMA e criar o tal excludente de ilicitude.
Fracassou nas duas tentativas. Em relação ao 13º do Bolsa Família, um abono foi
pago no fim de 2019, mas o mesmo não ocorrerá em 2020. Neste caso, ele pode se
defender citando o auxílio emergencial como substituto.
Em
todo o resto, o que há até agora é um rotundo calote.
Bolsonaro
mais atrapalhou do que ajudou na reforma da Previdência. E o que foi aprovado,
muito mais por mérito do Congresso, não guarda semelhança com o que ele dizia
em 2018.
Algumas
ideias foram esquecidas. É provável que ele ainda defenda, retoricamente, uma
ou outra coisa. Mas na maioria dos casos, sequer tentou encaminhar projeto.
Já
a rendição ao Centrão, em face da promessa de repúdio aos velhos métodos, soa
como o mais puro estelionato eleitoral.
Feitas
essas constatações, duas questão emergem para reflexão. Primeira: Seria
desejável que Bolsonaro cumprisse suas promessas? Segunda: Os eleitores e
admiradores do capitão tendem a abandoná-lo quando (ou se) se deram conta da
distância entre promessas e realidade?
As
respostas para as duas perguntas são não e não.
Embora,
por princípio, o que se espera de um governante é que ele cumpra com sua
palavra, parece não restar dúvida de que o Brasil estaria pior hoje (ou ainda
pior) se Bolsonaro levasse a cabo a maior parte do que anunciou em 2018.
Até
os mais fanáticos sabem que o projeto de elevar o número de ministros do STF
para 21 não era inspirado na necessidade de melhoria do Judiciário. No contexto
em que foi citado, era muito mais um desejo de captura o tribunal. O mesmo vale
para o Escola Sem Partido, com seu indisfarçável desejo de perseguição a
professores, e outras propostas meramente destrutivas relacionadas à segurança,
meio ambiente e direitos humanos.
Mas
e o eleitor bolsonarista? Alguém pode esperar queda de popularidade em razão do
abandono de promessas? A julgar pelas pesquisas, isso não ocorrerá. No Ibope,
Bolsonaro tem 35% de aprovação, exatamente o mesmo patamar de seu quarto mês de
mandato.
E
numa avaliação mais subjetiva, a manutenção de Bolsonaro na Presidência talvez
represente para uma parcela significativa de seus eleitores o atendimento de
dois anseios muito fortes de 2018.
Quem, revoltado com a política, votou em Bolsonaro pelo desejo vingativo de ver um personagem vulgar no topo do sistema, tem hoje o que queria. E quem votou pelo único desejo de ver o PT longe do poder, confirmou, nas eleições municipais, que a coisa parece estar funcionando.
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