Se depender de Jair Bolsonaro, o número de mortes pela Covid-19 passará em breve dos 300 mil brasileiros, sem que haja uma palavra de compaixão, reconhecimento da tragédia ou das múltiplas ações e omissões propositais que nos levaram a isso. O presidente não está nem aí, já se cansou de dizer.
Para
este homem, este presidente incidental e lamentável, pouco importa que as UTIs
colapsem com gente entubada em uma, duas, três ondas sucessivas e contínuas da
pandemia, desde que ele passe com sua boiada de desmonte das políticas
civilizatórias. Para isso, quanto menos gente estiver olhando, melhor.
Se
for na calada da noite de um não carnaval ermo, sombrio, melancólico, em que as
pessoas lamentam a alegria suprimida com as vidas das pessoas amadas, perfeito.
Para o presidente da República do Brasil, o “povo tá vibrando”. Bolsonaro conhece tanto de povo quanto de cloroquina: absolutamente nada. Sua noção de povo se limita a olhar gráficos de popularidade em pesquisas e, quando eles caem, se preocupar com o próprio pescoço.
É
quando isso acontece, que ele se lembra de chamar algum auxiliar e ordenar uma
medida que arrefeça a indisposição com seu governo, coalhado de ministros tão
ineptos quanto o chefe, que só por isso estão onde estão.
Quem
seria Gilson Machado em qualquer outra época que não fosse o governo Bolsonaro?
Nem para tocar sanfona como calouro num daqueles programas dos anos 1980
serviria. Seria gongado por Aracy de Almeida. Sem o escrutínio daquele baluarte
do bom gosto musical, somos obrigados a ouvi-lo não apenas tocar
desajeitadamente o instrumento, como fazer perorações absurdas acerca de um
suposto “castigo divino” que teria se abatido sobre nós pelos pecados do
carnaval e teria resultado nas mortes por Covid-19.
Tal
pessoa, saída de algum desvão da História onde deveria ter permanecido, é
ministro do Turismo! Motivo de um indisfarçado orgulho de um presidente que se
jacta de ser cercado de fracassados e ressentidos — com cada vez mais raras
exceções que, se não se tocarem de onde estão enfiadas, vão virar a regra.
Depois
de boicotar de todas as formas que conseguiu a vacinação dos brasileiros e
comprar, fabricar e enfiar goela abaixo de doentes incautos um medicamento
sabidamente ineficaz, Bolsonaro parece encantado com a possibilidade de a
Covid-19 sumir com um spray nasal.
A
droga, em fase inicial de testes, é desenvolvida por Israel, o que faz com que
o presidente a considere “ideologicamente correta”. Surtiu efeito em, vejam só,
29 pessoas! Uau!
Mas
onde estão as vacinas, presidente? Por que seu ministro-general da Saúde, que o
senhor disse ser especialista em logística quando demitiu dois médicos, não
consegue estruturar um plano de chegada de doses mínimas de imunizantes a
estados e municípios que terão de paralisar a vacinação?
Por
que, no lugar de editar de uma vez, na calada da noite, quatro decretos
inconstitucionais e imorais, que liberam geral não apenas a posse de armas, mas
de miras telescópicas e a fabricação de munição, e permitem transformar os
amigos caçadores, atiradores e colecionadores em Rambos armados até os dentes,
o senhor não estava cobrando de Pazuello que implemente um plano de vacinação
capaz de tirar o Brasil da UTI, onde permanece entubado graças à incompetência
do senhor e do seu estafe?
É inadmissível que assistamos anestesiados à completa inversão de prioridades numa crise sanitária. A vacina mingua no momento em que estamos no pico de casos e mortes, com a nova cepa do vírus se espalhando pelo país. O auxílio emergencial ainda está sendo estruturado, mas os decretos de armas estão aí, a desafiar o bom senso, o Supremo Tribunal Federal e um Congresso que é cúmplice da incitação à barbárie e à morte.
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