Ele
e o vice ensaiam um novo número
Ganha
uma fritada de morcego quem souber o que é o “mercado”. Bolsonaro corre atrás
do novo auxílio emergencial que ampara sua popularidade, e pipocam ansiedades
desse ectoplasma. Outro dia ele ironizou: “Qualquer negocinho, qualquer boato
na imprensa, tá aí esse mercado nosso, irritadinho, né?”.
“Pessoal,
vocês sabem o que é passar fome?” No dia seguinte foi a vez do vice-presidente
Hamilton Mourão: “Minha gente, a gente não pode ser escravo do mercado. Nós
temos aí uns 40 milhões de brasileiros que estão numa situação difícil”.
Toda
vez que o capitão usa diminutivos (“gripezinha” no “finzinho”), algo de ruim
pode acontecer e, ao mencionar a neurastenia do ectoplasma, ele pode estar
indicando uma nova forma de demagogia. Para quem tem um pé no irracionalismo da
cloroquina e na eleição americana fraudada, é um prato cheio a ideia de um
descontrole fiscal em nome dos problemas sociais.
Lula cavalgou racionalmente sua plataforma social e teve em Bolsonaro um crítico. Isso para não falar no general Mourão, reclamando da existência do 13º salário. Opondo-se ao nervosismo da turma do papelório, Bolsonaro escolhe um adversário fácil para fazer não se sabe o quê.
Paul
Volcker, o grande presidente do Banco Central americano, em suas memórias
grafou “mercado” entre aspas. Conhecendo a espécie, sabia que nem nos Estados
Unidos o ectoplasma deveria ser levado a sério. No Brasil, a figura é risível.
Em geral, vocaliza as opiniões de consultores ou figuras do segundo escalão da
banca ou da indústria. Na hora do vamos ver, as guildas do andar de cima gostam
mesmo é de ir ao Planalto para bajular o poder. (Quando não se metem em lances
de privataria das vacinas.)
Em
tese, o “mercado” quer o equilíbrio das contas públicas. Na prática, seus
personagens carimbados querem crédito oficial subsidiado e desconto nos
impostos. Em tese, Bolsonaro e Paulo Guedes tinham um projeto liberal. Era uma
mistura de mamão com jararaca, mas vá lá que lhe dessem esse nome. Com a pandemia
e as dificuldades econômicas, o governo está sem rumo. A “gripezinha”
mostrou-se um “meteoro” (figura usada por Paulo Guedes), e a única coisa que
deu certo em dois anos foi a pronta distribuição do auxílio emergencial.
As
falas de Bolsonaro e Mourão indicam uma nova forma de demagogia. O
vice-presidente disse que o governo não pode ser escravo do mercado. A frase
não quer dizer nada, mas o pelotão palaciano, o general da Saúde e o almirante
da Anvisa resolveram peitar os fabricantes de vacinas. Bolsonaro reescreveu a
lei da oferta e da procura quando achou que seu governo tinha um braço forte
para negociar com os fabricantes. Deu no que deu, faltam imunizantes, e sobra
cloroquina.
Quando
Bolsonaro pergunta se “vocês sabem o que é passar fome?”, esquece que seu
governo tentou tungar o Benefício de Prestação Continuada, um alívio financeiro
para os miseráveis que passavam fome antes mesmo da pandemia.
Muitas coisas do governo de Bolsonaro nunca antes tinham sido vistas. Por exemplo: encrencar com os três maiores parceiros comerciais do Brasil (Estados Unidos, China e Argentina) sem motivo. Criar um Robin Hood sem propósito seria um novo capítulo de um mau espetáculo.
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