Pesquisador aponta que jovens oficiais que queriam reformar a República passaram mais tarde ao campo conservador e apoiaram golpes em 45, 54 e 64
Por Wilson Tosta / O Estado de S. Paulo
RIO – O tempo e os expurgos domaram o
ímpeto reformista dos tenentes dos anos 1920 e os levaram ao campo conservador,
aponta o historiador José Murilo de Carvalho, no aniversário de cem
anos do dramático massacre dos 18 do Forte, marco inicial do tenentismo.
Adesões à esquerda e à direita e expulsões causadas por mais de 80 revoltas
afastaram muitos jovens oficiais da corrente reformadora, aponta. Quem daquela
corrente ficou na vida militar ativa aderiu ao projeto do general Pedro Aurélio de Góes Monteiro – repressor dos
oficiais reformistas em 1924 e chefe da Revolução de 1930 – de fazer
do Exército um ator político.
“A
maioria dos tenentes enquadrou-se e passou a fazer parte do establishment
militar”, explica. Segundo ele, muitos desses oficiais “foram escalando a
hierarquia militar” e passaram a atuar no campo conservador. “Vários deles
estiveram presentes nos golpes de 1945, 1954, 1961, 1964.”
José Murilo lembra que o presidente Arthur da Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar e um ex-tenente dos anos 20, ligava explicitamente o golpe de 1964 a 1922. Expoente da “linha dura”, Costa e Silva foi contra devolver o poder aos civis após a derrubada do presidente João Goulart – em 1968, assinou o Ato Institucional Número 5. Como ele, outros ex-tenentes apoiaram o movimento civil-militar que destruiu a República populista e implodiu o regime democrático pós-1945 no Brasil.
“O tenentismo fez um logo percurso cujo ponto final foi o “generalismo” dos anos 60, incluindo o golpe de 1964 que teve o apoio de vários deles”, diz ele.
A seguir, a entrevista de José Murilo ao Estadão.
Os oficiais que lideraram o tenentismo eram
um grupo relativamente pequeno de jovens militares, que se voltaram contra o
sistema político dominante há um século. O que explica que tenham tido tanta
influência no Brasil, nos anos seguintes à Revolta de 22?
Como reconheceu Góes Monteiro, os
“tenentes” da década de 1920 incluíam capitães para baixo. Foram derrotados em
1922 e em 1924. Centenas foram expulsos da corporação, mas pegaram carona na
revolta de 1930, cujo chefe militar era o próprio Góes que os combatera em
1924. Muitos voltaram à corporação, onde de início eram chamados de melancias,
verdes por fora, vermelhos por dentro. Permaneceram atuantes até o golpe de
1964 que apoiaram.
O que diferenciava aquele grupo de tenentes
e capitães que participaram da Revolta de 1922 de seus antecedentes que
derrubaram o Império, mais de 30 anos antes?
Os “tenentes” de 1889 formavam um grupo de
sonhadores enfeitiçados pela doutrina positivista que lhes era ensinada
pelo tenente-coronel Benjamin Constant. Passadas as turbulências da
década de 1890, causadas pela Revolta da Armada, pela Revolta Federalista e
pela guerra de Canudos, um delírio do fanatismo dos tenentes
endossado por Floriano Peixoto. Campos Sales organizou as oligarquias estaduais
e restabeleceu a hegemonia civil num pacto que durou três décadas.
Qual foi a relação, se é que existiu, entre
o movimento militar que derrubou o Império, a República da Espada, com Deodoro
e Floriano, o militarismo político de Hermes da Fonseca e o tenentismo dos anos
20 e 30?
A única relação era familiar: Hermes era sobrinho de Deodoro. Ele não era militarista,
como Rui Barbosa tentou pintá-lo – fake-news... Em política, era pau mandado de
Pinheiro Machado. Mas, no que se refere ao Exército, adotou política de
modernização e profissionalização da corporação mandando oficiais estagiarem no
Exército alemão.
Em quais aspectos desses eventos podemos
identificar uma continuidade, se é que ela existiu?
O tenentismo fez um logo percurso cujo
ponto final foi o “generalismo” dos anos 1960, incluindo o golpe de 1964 que
teve o apoio de vários deles. Entre as lideranças golpistas estavam Juarez
Távora, Eduardo Gomes, Cordeiro de Farias, Juraci Magalhães, Nelson de Melo, os
dois Etchegoyen, João Alberto, para citar alguns. Sobretudo, estava Costa e
Silva, líder da linha dura, que se opôs a devolver o governo aos civis após a
derrubada de Goulart. Ele chegou a ligar explicitamente 1964 a 1922. Os
tenentes, então generais, opunham-se ao trabalhismo de Vargas e tinham aderido
ao anticomunismo
incentivado pela Guerra Fria.
Há quem identifique a ascensão dos tenentes
com a emergência das classes médias urbanas no Brasil. O senhor concorda?
As revoltas tenentistas dos anos 1920 foram
exclusivamente militares. O que se pode alegar é que o arranjo oligárquico
estava fazendo água, sobretudo nas cidades. Arthur Bernardes, eleito em 1922,
teve que tomar posse com apoio da Polícia Militar de Minas e governou boa parte
do tempo sob estado de sítio. Em termos de imagem pública, havia admiração pela
coragem dos jovens que lutaram até a morte na areia de Copacabana e dos que
compuseram a Coluna Miguel Costa-Prestes que girou pelo País sem ser derrotada.
Relatos sobre a Revolta de 22 transcrevem
declarações que mostram um certo messianismo dos oficiais que participaram do
levante. Enquanto iam para o confronto suicida com as tropas do governo, em
Copacabana, os militares diziam que se dirigiam para a morte, que precisavam
resgatar a honra da farda etc. O que explica essa disposição?
Não diria messianismo. Boa parte da reação
dos tenentes teve a ver com a ideia de honra – dizia-se pundonor – que faz
parte do ethos militar de qualquer exército. No exército alemão, resolviam-se
questões de honra pelo duelo. Morria tanto oficial que tiveram que proibir a
prática. Em 1922, houve enorme agitação entre jovens oficiais contra uma carta atribuída falsamente a Artur Bernardes na qual o
autor se referia ao marechal Hermes como um “sargentão sem compostura” e
mandava comprá-lo com todos os seus galões. O reformismo pregado por Juarez
Távora misturou-se ao revanchismo contra Artur Bernardes, representante da
república oligárquica.
Esse messianismo continuou com os militares
ao longo da República?
O ímpeto dos tenentes de reformar a República
oligárquica continuou por um tempo em união com civis no Clube e 3 de Outubro.
Mas o Clube logo perdeu força, muitos tenentes foram sendo promovidos, uns
aderiram à Ação Integralista Brasileira, outros à Aliança Nacional Libertadora.
Os que ficaram foram aderindo ao projeto de Góes Monteiro de fazer do Exército
um ator político relevante, se não hegemônico, e foram escalando a hierarquia
militar passando a atuar no campo conservador. Vários deles estiveram presentes
nos golpes de 1945, 1954, 1961, 1964.
Em quais outros episódios esse messianismo
ou sentido de missão se manifestou, na atuação dos tenentes? Esse sentimento
ainda está presente nos militares brasileiros de hoje?
Entre 1930 e 1939, houve 88 manifestações
de militares, incluindo generais, tenentes e praças. Os sargentos lideraram
várias delas. Como consequência, houve grandes expurgos de alto a baixo da
hierarquia, facilitando a tarefa reformista de Góis. A maioria dos tenentes
enquadrou-se e passou a fazer parte do establishment militar. Uns poucos
mantiveram a postura reformista, se não revolucionária, nas revoltas de 1935,
de cunho comunista, da Aliança Nacional Libertadora, ANL, e de 1938, fascista,
Ação Integralista Brasileira. Foram derrotados. Não vejo messianismo no
comportamento dos tenentes. Há hoje no Exército um senso de tutela sobre a
República que proclamou no golpe de 1889, sem participação popular e contra a
posição da Armada.
Quais foram as consequências políticas da
Revolta de 1922?
Foi indício e fator de agravamento da crise
da Primeira República, dominada pelas oligarquias estaduais. A década
apresentou vários outros sintomas de malaise, como a Semana de Arte
Moderna, a fundação do Partido Comunista, ambos em 1922, o uso do Estado de
Sitio. O arranjo oligárquico fazia água. O movimento de 1930 foi liderado por
dois estados importantes que venceram usando suas polícias militares. A
República era um fruto maduro, como o era o Império em 1889.
Há quem diga que o Império só foi encerrado
pela eclosão do tenentismo, que atingiu em cheio a política da Primeira
República, que guardaria elementos oligárquicos remanescentes do regime
imperial. O senhor concorda?
Não concordo. O Império caiu por
esgotamento do sistema do Poder Moderador que não servia mais às oligarquias
agrárias. Se a República não fosse proclamada por golpe militar, ela o seria
por uma Constituinte, como queriam os republicanos civis. O golpe adiou por
alguns anos (até Campos Sales) a consolidação do novo regime. O Exército,
avesso aos políticos, não tinha força para sustentar um governo só com base
militar.
Podemos dizer que a República brasileira
nasceu tardiamente, em 1922, em Copacabana?
A República brasileira ainda está por nascer, se vai nascer algum dia.
3 comentários:
"A república brasileira ainda está por nascer"! O pesquisador tem grande razão: com todos os lamentáveis governos que tivemos (apesar de alguns avanços trazidos por FHC e Lula) nas últimas décadas, e com o péssimo nível dos congressistas, o setor público do Brasil ainda não se estruturou adequadamente desde a proclamação da República! E Bolsonaro contribuiu como ninguém antes pra enterrar as instituições e políticas públicas!
A evolução da república brasileira continua, em que pede a ação nefasta da esquerda que quer arrastar o Brasil para o socialismo, como tentaram o FHC e o condenado Lula.
Vários erros deste historiador
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