O Globo
Será quase impossível que os temas da vida
nacional não surjam em algum momento e azedem a ceia
Estamos politizados demais. Por muito
tempo, olhamos para nossos vizinhos argentinos e invejamos a sua politização,
que, vista à distância, parecia saudável e cívica. Agora que não há mais almoço
de família em que Lula e
Bolsonaro não sejam chamados para um duelo à mesa, não sei se mantemos o mesmo
apreço pela politização.
Claro, pode ser que tenhamos ficado
politizados de uma maneira ruim e que exista um outro modo, respeitoso e civil,
de valorizar o debate político. Mas, por lá, na Argentina, tudo anda parecido
demais com o Brasil — o antagonismo entre kirchneristas e antikirchneristas
também está destruindo vínculos de afeto entre parentes e amigos. Será que
existe uma maneira de um país ser politizado, sem ser polarizado?
Quando falamos de polarização política, enfatizamos o abismo que separa os dois lados. Mas a polarização também une. Ela aglomera e unifica o campo político. É esse sentimento de fazer parte de uma comunidade homogênea, com os mesmos valores fundamentais, que traz conforto. Se a polarização gera hostilidade contra o grupo adversário, entre os semelhantes ela produz coesão e comunidade, assentadas no sentimento de compartilhar valores elevados e de estar do lado certo da História.
Para combater a polarização, não basta
desmontar o ódio ao inimigo, é preciso também afrouxar os laços de coesão com
nosso próprio grupo. Não sei qual tarefa é mais desafiadora. A polarização é
essa complexa dinâmica de afeto com o semelhante e de hostilidade com o
dessemelhante.
Hoje à noite, na ceia de Natal, vamos mais
uma vez pôr à prova nossa capacidade de conviver. Para quem tem família com
gente dos dois lados do espectro político, será uma noite difícil. O clima
político está muito aquecido, e será quase impossível que os temas da vida
nacional não surjam em algum momento e azedem a ceia.
Mas existe momento mais oportuno para
enfrentar esse desafio do que o Natal? Afinal, esta é a noite em que celebramos
o nascimento de Jesus, que nos trouxe uma mensagem de amor e perdão, tão
claramente expressa no Sermão da Montanha.
O espírito natalino de convívio e
tolerância precisa de dois movimentos: um movimento no sentido de arrefecer a
hostilidade e um movimento simultâneo de afrouxar a coesão com nosso próprio
grupo político.
Um bom ponto de partida é reconhecer que, a
despeito das discordâncias, no lado de lá há gente agindo de boa-fé — gente
que, à sua maneira, também quer o bem do Brasil.
Sei que isso não é fácil porque os
progressistas estão convencidos de que do lado de lá estão fascistas que querem
oprimir gays, indígenas e mulheres, e os conservadores acreditam que do outro lado
estão comunistas que querem roubar o povo e suprimir liberdades. Mas a verdade
é que as coisas são mais nuançadas.
Uma maneira de descobrir isso é, com
generosidade cristã, reconhecer de antemão os problemas do próprio campo
político.
Os progressistas podem reconhecer que de
fato houve corrupção na Petrobras, que isso é um problema grave e que não
deveria voltar a acontecer. Podem também reconhecer que quaisquer que sejam os
méritos das políticas sociais, é condenável a restrição às liberdades políticas
e a perseguição à oposição em Cuba e na Venezuela.
Os conservadores podem reconhecer que as
declarações de Bolsonaro em defesa da ditadura militar e da tortura são
execráveis e que não devem ser endossadas. Podem também reconhecer que, por
mais que tenham críticas aos métodos de ação dos movimentos feminista e
LGBTQIA+, apoiam a igualdade entre homens e mulheres e respeitam a orientação
dos homossexuais.
Os exemplos não são por acaso. Pesquisas de
opinião mostram que essas são posições majoritárias nos dois grupos. Só que
cada lado acredita piamente que o adversário não as mantém. Se escutássemos
declarações assim, não teríamos maior disposição para o diálogo?
Estamos vivendo tempos difíceis, muito
difíceis. Desde os anos 1930 não vivemos tempos tão difíceis. Estamos muito
politizados e intolerantes com as posições de nossos adversários. Existem
grandes estruturas políticas e econômicas fomentando a nossa indignação e
lucrando com nosso ódio. Temos de abandoná-las.
Precisamos aprender a conviver, até porque
a alternativa, no limite, é a guerra civil. É isso o que queremos para nossos
filhos e netos?
Há uma outra saída para os nossos problemas, mas ela requer abertura, generosidade e tolerância. É Natal! Vamos dar o primeiro passo esta noite?
4 comentários:
Li. Reli. Pensei em dar o 1o passo. Não pude deixar de lembrar q tal passo seria dado em direção a minha "prima" Damares e seus bebês desdentados. Outro passo em direção ao meu "irmão" Salles, tentando me convencer a passar a boiada. Ou meu sogro bozo, reafirmando e me convencendo q deveríamos matar mais 30 mil.
Outro passo em direção ao sogro de um primo q avisou-o a não visitá-lo pois q irá "botar fogo nas estradas durante as festas" pois a eleição foi fraudada.
Depois destas lembranças, recuei. Percebi q essa gente é criminosa, da qual quero muuuuuuita distância.
Feliz Natal!
Esqueceu do Paulo Guedes o pior de todos.
Então é Natal,a festa cristã...
Os erros da esquerda são entendíveis,elogiar torturador é difícil entender.Mas devemos amar a todos sem distinção,eu tento fazendo oração,não desejando mal a ninguém já é um bom começo.
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