O Estado de S. Paulo
Quando formulou pedido de vista, o ministro Gilmar Mendes emitiu sinais nebulosos. Mas a maioria está definida
Passados 25 anos, o Supremo Tribunal
Federal (STF) estaria para concluir o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) n.º 1.625, ajuizada em 1997. O pomo da discórdia é
a Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em
22/6/1982 e ratificada 14 anos depois pelo governo brasileiro mediante o
Decreto n.º 1.855, de 10/4/1996, baixado pelo presidente Fernando Henrique
Cardoso.
Alguns meses depois, em 20/12/1996, o
presidente editou o Decreto n.º 2.100, para “tornar pública a denúncia, pelo
Brasil, da Convenção da OIT n.º 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho
por Iniciativa do Empregador”. Denúncia significa voltar atrás, deixar de
cumprir.
Inconformadas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) ajuizaram a ADI n.º 1.625, distribuída em 19/6/1997 ao falecido ministro Maurício Corrêa. Pelas anotações extraídas do portal eletrônico do Supremo, o primeiro julgamento ocorreu no dia 2/10/2003. Após ser afastada a CUT, os ministros Maurício Corrêa e Carlos Ayres Britto decidiram pelo provimento da ADI. Concluíram que o ato de denúncia dependia de referendo do Congresso Nacional.
Em seguida, votaria o ministro Nelson
Jobim. S. Exa. pediu vista. Carregou os autos para o gabinete e só os devolveu
em 29/3/2006, com decisão pela improcedência total. Em resumo, proferiram voto
os ministros Maurício Corrêa, falecido em 17/2/2012; Carlos Ayres Britto,
Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, aposentados; e a ministra
Rosa Weber, pela procedência da ação, no que foi seguida pelo ministro Ricardo
Lewandowski. O finado ministro Teori Zavascki acompanhou o ministro Nelson
Jobim, pela improcedência. O ministro Marco Aurélio Mello, também jubilado,
consignou voto na sessão de 2/10/2003, no sentido da legitimidade de parte da
CUT.
O ministro Dias Toffoli pediu vista em
14/9/2016. Passados mais de seis anos, devolveu o feito no dia 11 de outubro passado.
S. Exa. julgou improcedente o pedido da Contag, para considerar válido o
Decreto n.º 2.100/1996. Acrescentou à decisão proposta no sentido de que a
produção de efeitos da denúncia, pelo presidente da República, depende de
aprovação pelo Congresso Nacional. Ressalvou, no entanto, que esse entendimento
passará a valer a partir da publicação da ata do julgamento.
A Convenção n.º 158 nasceu da Recomendação
n.º 119, aprovada pela OIT em junho de 1963. Ambas resultam de tentativa
utópica de impor regras cogentes e uniformes a 185 países filiados. Alguns
desenvolvidos, outros em vias de desenvolvimento, muitos com elevada taxa de
desemprego. Pequenos e ricos como Cingapura e Luxemburgo, gigantescos como a
China, paupérrimos como a Somália, ditaduras como Nicarágua e Cuba,
democráticos como o Brasil e os Estados Unidos. Todos unidos pela desigualdade.
Entre os trabalhadores e as centrais
sindicais se registra expectativa otimista acerca da Convenção n.º 158. A
prevalecer a tese da inconstitucionalidade, passa a ser arriscado a qualquer
empregador encerrar o contrato de trabalho, salvo se houver causa relacionada à
capacidade ou ao comportamento do empregado, ou baseada nas necessidades
operacionais da empresa, estabelecimento ou serviço. Isso porque, incorporada à
legislação interna pela ratificação, como ordena a Constituição brasileira
(Art. 5.º, §§ 2.º e 3.º), o trabalhador poderá ajuizar na Justiça do Trabalho
dissídio individual com a pretensão de ser reintegrado.
A ratificação, promulgada de forma
precipitada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, anula os benefícios da
reforma trabalhista e defere estabilidade a partir da admissão no emprego. É
natural, portanto, a apreensão em torno da morosa decisão.
O julgamento, em qualquer sentido,
provocará reflexos nas relações individuais e coletivas de trabalho. Reduzir os
encargos da folha de pagamento muitas vezes é condição de sobrevivência. O
excedente populacional ultrapassa as possibilidades reais do mercado interno e
gera desemprego na esfera laboral, afetada pela informatização, automação,
robotização e inteligência artificial. Os pessimistas chegam a dizer que, com a
robotização, a classe trabalhadora se encontra em processo de extinção, além de
estarmos próximos do fim do emprego.
Os acréscimos do ministro Dias Toffoli
estarão isolados. Ademais, o Estatuto da OIT contém disposições imperativas
referentes à ratificação e denúncia, subscritas pelo Brasil quando, em 1919,
contribuiu para a fundação da organização supranacional.
Quando formulou pedido de vista, o ministro
Gilmar Mendes emitiu sinais nebulosos. Poderá reter o processo por alguns anos,
apesar da violação do Regimento Interno. A maioria está, entretanto, definida.
Não poderá ser reduzida. Votos já computados, proferidos por ministros
falecidos ou aposentados, são definitivos. O insanável erro foi cometido com a
imprudente ratificação.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e Presidente
do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e criou o Conselho Superior da Justiça
do Trabalho
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