quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Míriam Leitão - Mercadante e o novo BNDES

O Globo

Mercadante quer que o BNDES lidere as agendas de inclusão, digitalização e meio ambiente, e nega volta de subsídios via TJLP

O BNDES vai ser “digital, verde e inclusivo”, afirma o economista Aloizio Mercadante, que em breve assumirá o comando do banco. “A Amazônia acende ou apaga (o Brasil) lá fora”, entende o novo presidente, e por isso “será colocada no topo das nossas preocupações”. Ele nega que o BNDES vá voltar à TJLP, a taxa subsidiada, mas diz que será proposta ao Congresso uma mudança na TLP para tornar a taxa mais estável. Nega que será retomada a política de campeões nacionais. “Isso é página virada”.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, virá ao Brasil no fim do mês, e também o ministro das Finanças. Na posse, vieram o presidente e a ministra do Meio Ambiente. O país faz parte do Fundo Amazônia, que terá a primeira reunião em fevereiro e do qual o BNDES é o gestor. São R$ 3,3 bilhões de dinheiro não reembolsável. É doação da Noruega e Alemanha para combater o desmatamento.

— Em um mês terão vindo mais autoridades do primeiro time da Alemanha ao Brasil do que em quatro anos do governo anterior —diz Mercadante, em entrevista exclusiva que me concedeu na Globonews.

O mercado recebeu sua indicação com temor de reprodução do passado, em que o banco foi financiado fortemente pelo Tesouro e financiou grandes empresas que deveriam liderar o capitalismo por aqui, “os campeões nacionais”. A política provocou uma sucessão de distorções no mercado de crédito com custo enorme para o Tesouro e muitos privilégios.

— As empresas que têm acesso ao mercado de capitais não precisam do BNDES. O banco pode apenas fazer parceria com o setor privado para o alongamento dos prazos nos projetos de infraestrutura. Isso já foi superado, é página virada —disse.

Sobre aquela transferência de recursos do Tesouro, ele disse que o banco recebeu R$ 420 bilhões e já devolveu R$ 540 bilhões:

— Falta uma parcela de R$ 24 bilhões e eu vou conversar com o TCU e a Fazenda para jogar isso para o segundo semestre porque precisamos tomar pé da situação. O ideal é uma relação de equilíbrio entre o banco e o Tesouro.

O funding virá, no projeto do BNDES, de recursos internacionais que estão voltados para financiar a economia verde, a transição ecológica e energética:

— O Brasil ser o G1 da biodiversidade no planeta é um ativo, é um instrumento para a gente ter acesso a recursos favorecidos, que pode compensar a restrição do Tesouro. Eu vi na transição que o Brasil está num apagão fiscal, como é que vai ter recursos para o BNDES? Não vai ter.

Haverá no banco uma comissão de estudos estratégicos com André Lara Resende, e José Roberto Afonso, que vai fazer sugestões sobre questões específicas:

— André Lara é um pensador com lastro macroeconômico muito forte, que traz uma agenda contemporânea e inovadora. Haddad já nos pediu alguns estudos. Estou trabalhando em sintonia com Haddad.

Um dos projetos do futuro presidente do BNDES é, com recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), acelerar a digitalização das escolas públicas:

— A pandemia escancarou o fosso digital no Brasil, e já estou em contato com o MEC para que o banco entre nesse processo de digitalização.

Ele garantiu que não voltará à TJLP e afirma que qualquer mudança na TLP terá que ser discutida com o Congresso, porque é lei, mas tem críticas à taxa de juros incluída no banco no governo Temer:

— É lei, o BNDES não pode alterar a TLP, vamos tirar esse fantasma. Mas ela tem um problema: a volatilidade. A inflação que entra no cálculo é a inflação do mês. Quando a inflação sobe num mês, a taxa sobe e arrebenta o pequeno empresário. Ela precisa ser mais estável com um cálculo de três meses. Além disso, os juros são os da NTNB de cinco anos. Ela tem estado acima da Selic. Não estou falando em subsídio, mas não faz sentido cobrar muito acima do custo do governo para se financiar. Não vou competir com o setor privado, mas quero trabalhar para permitir um crédito mais barato, em parceria com o setor privado.

Outra mudança que ele pretende fazer é a inclusão de negros. Na diretoria e no conselho que está nomeando não há negros, e no corpo de funcionários do banco há apenas 4% de pessoas negras. Ele promete uma ação de política afirmativa muito forte.

Mercadante assume o BNDES rejeitando a repetição de erros do passado e prometendo reposicionar o banco para uma atuação atualizada diante dos novos grandes temas.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria muito de acreditar que seja assim.
Mas tá difícil dizer amém.

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e aprendendo com Míriam Leitão.