terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Carlos Andreazza - Um problema a menos

O Globo

A autonomia do BC consiste em solução que diminui o espaço para transtornos provocados por escolhas ou pressão política

Fulanizarei: a autonomia do Banco Central existe para que Roberto Campos Neto não seja integralmente Roberto Campos Neto. Desenvolvendo: a autonomia do BC — autonomia, não independência — existe para que Roberto Campos Neto, presidente do BC, seja menos Roberto Campos Neto, o bolsonarista.

Fulanizei, mas a questão é impessoal. A autonomia do Banco Central serve para que o bolsonarismo de Sicrano, ou o petismo de Beltrano, seja esvaziado — minimizado — e tenha, pois, carga reduzida sobre a gestão da autoridade monetária.

A autonomia do BC consiste em solução que diminui o espaço para lambanças derivadas de escolhas, de pressões políticas. Atenção: não exclui a dimensão — os efeitos — da incompetência de seus dirigentes. Encurta a superfície em que paixões partidárias — e as influências, interferências, de líderes políticos — condicionam as tomadas de decisão.

A autonomia do Banco Central não é — nunca será — a panaceia da estabilidade e do poder de compra da moeda nacional, garantindo per se a fortaleza do sistema financeiro. É — e assim deveria ser entendida — instrumento, a ser constantemente aperfeiçoado, que compõe o esforço em defesa da impessoalidade na avaliação e no enfrentamento de riscos econômicos para o país. Apesar de Roberto Campos Neto.

Ou não terá o Banco Central, sob o bolsonarista Campos Neto, elevado rapidamente a taxa de juros, até a altitude corrente, como resposta ao vale-tudo fiscal inaugurado pela PEC dos Precatórios e escancarado com a PEC Kamikaze, por meio da qual o Estado, despejando bilhões na economia, financiaria — com aval do Parlamento — a tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro?

Campos Neto estava — e discursou — na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. A transcrição do que disse então faz ver a palavra de um ministro de Bolsonaro — e ali, no entanto, estava o presidente do Banco Central. Que, mesmo já com o BC formalmente autônomo, advento de fevereiro de 2021, não se constrangeria — o presidente do Banco Central! — em acompanhar Bolsonaro a encontro com empresários e banqueiros.

E, ainda assim, o BC, sob Campos Neto, trabalhou — na forma de juros crescentes, 2022 adentro — por frear o impacto do pacote eleitoreiro de Bolsonaro sobre a inflação, freando também, por consequência, o estímulo da derrama bilionária no humor dos eleitores.

Campos Neto fala demais e cometeu desvios de politização que justificam as desconfianças de Lula e dos petistas contra si. Mas — sejamos justos — a resposta do Banco Central autônomo, no momento dramático em que Bolsonaro avançava no regime de engorda da bomba fiscal pela reeleição, foi dura. Trouxe-nos, a jato, aos atuais juros de 13,75%.

Resposta dura, dada sob Bolsonaro, contra os interesses de Bolsonaro, que não invalida a discussão, esticada por Lula, sobre a taxa — se poderia estar menor agora. O BC é autônomo. Autonomia, aliás, que deixa à vontade o presidente — mínima a sua influência sobre o banco — para lhe criticar as decisões. Com o que, creio, pretenderia armar defesa preventiva, atribuindo-distribuindo responsabilidades, ante possível recessão; intenção que não excluirá da jogada pendor pelo investimento na cisão de vezo populista — a elite financeira contra o povo trabalhador.

Independentemente das motivações de Lula, o BC é autônomo. Protegido contra as maiores mordidas dos arroubos políticos. Não — repito — contra erros de seus dirigentes.

O Banco Central, sob Campos Neto, antes e depois da autonomia, errou muitas vezes. Baixou os juros até 2%; em dada altura desse mergulho tendo perdido os parâmetros, a referência para o que seria o limite mínimo, ignorando mesmo a realidade brasileira, ademais engrossada pela geração de instabilidades e conflitos própria a Bolsonaro. E, depois, diante da escalada inflacionária, que terá julgado circunstancial, demorou a responder com a elevação da taxa, subestimando a força de permanência da pandemia, avaliando mal o caráter enraizado da inflação entre nós — e então, no susto, a correria. Errou. Muito. Pode estar errando de novo. Por que não?

Não sei dizer se a taxa de juros está em lugar adequado. Percebo que a inflação está aí, disseminada, arredia, e que o carrego de gastos projetado adiante é pesado. Aprendi que incertezas contratam proteções — inflação e resposta de juros prolongadas, no caso. E que brigas, ainda que legítimas, podem ser contraproducentes — o brasileiro rejeitou, nas urnas, o “nós contra eles”. Lembro que o governo tem poder para alterar as metas da inflação, talvez conseguindo baixar juros de curto prazo; que talvez caíssem mais consistentemente se o presidente e seu ministro da Fazenda apresentassem logo a nova âncora fiscal — fundamentada em controle de gastos.

Sei que, nesse complexo todo, a autonomia do Banco Central representa um problema a menos.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Carlos Andreazza: faxineiro passador de pano pro Bob Fields Neto.
A famiglia não nega.

Anônimo disse...

Neto do Mário Andreazza, afirma nutrir grande admiração pelo avô. Aí complicou...