O Globo
A autonomia do BC consiste em solução que diminui o espaço para transtornos provocados por escolhas ou pressão política
Fulanizarei: a autonomia do Banco Central
existe para que Roberto Campos Neto não seja integralmente Roberto Campos Neto.
Desenvolvendo: a autonomia do BC — autonomia, não independência — existe para
que Roberto Campos Neto, presidente do BC, seja menos Roberto Campos Neto, o
bolsonarista.
Fulanizei, mas a questão é impessoal. A
autonomia do Banco Central serve para que o bolsonarismo de Sicrano, ou o
petismo de Beltrano, seja esvaziado — minimizado — e tenha, pois, carga
reduzida sobre a gestão da autoridade monetária.
A autonomia do BC consiste em solução que diminui o espaço para lambanças derivadas de escolhas, de pressões políticas. Atenção: não exclui a dimensão — os efeitos — da incompetência de seus dirigentes. Encurta a superfície em que paixões partidárias — e as influências, interferências, de líderes políticos — condicionam as tomadas de decisão.
A autonomia do Banco Central não é — nunca
será — a panaceia da estabilidade e do poder de compra da moeda nacional,
garantindo per se a fortaleza do sistema financeiro. É — e assim deveria ser
entendida — instrumento, a ser constantemente aperfeiçoado, que compõe o
esforço em defesa da impessoalidade na avaliação e no enfrentamento de riscos
econômicos para o país. Apesar de Roberto Campos Neto.
Ou não terá o Banco Central, sob o
bolsonarista Campos Neto, elevado rapidamente a taxa de juros, até a altitude
corrente, como resposta ao vale-tudo fiscal inaugurado pela PEC dos Precatórios
e escancarado com a PEC Kamikaze, por meio da qual o Estado, despejando bilhões
na economia, financiaria — com aval do Parlamento — a tentativa de reeleição de
Jair Bolsonaro?
Campos Neto estava — e discursou — na
famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. A transcrição do que disse
então faz ver a palavra de um ministro de Bolsonaro — e ali, no entanto, estava
o presidente do Banco Central. Que, mesmo já com o BC formalmente autônomo,
advento de fevereiro de 2021, não se constrangeria — o presidente do Banco
Central! — em acompanhar Bolsonaro a encontro com empresários e banqueiros.
E, ainda assim, o BC, sob Campos Neto,
trabalhou — na forma de juros crescentes, 2022 adentro — por frear o impacto do
pacote eleitoreiro de Bolsonaro sobre a inflação, freando também, por
consequência, o estímulo da derrama bilionária no humor dos eleitores.
Campos Neto fala demais e cometeu desvios
de politização que justificam as desconfianças de Lula e dos petistas contra
si. Mas — sejamos justos — a resposta do Banco Central autônomo, no momento
dramático em que Bolsonaro avançava no regime de engorda da bomba fiscal pela
reeleição, foi dura. Trouxe-nos, a jato, aos atuais juros de 13,75%.
Resposta dura, dada sob Bolsonaro, contra
os interesses de Bolsonaro, que não invalida a discussão, esticada por Lula,
sobre a taxa — se poderia estar menor agora. O BC é autônomo. Autonomia, aliás,
que deixa à vontade o presidente — mínima a sua influência sobre o banco — para
lhe criticar as decisões. Com o que, creio, pretenderia armar defesa
preventiva, atribuindo-distribuindo responsabilidades, ante possível recessão;
intenção que não excluirá da jogada pendor pelo investimento na cisão de vezo
populista — a elite financeira contra o povo trabalhador.
Independentemente das motivações de Lula, o
BC é autônomo. Protegido contra as maiores mordidas dos arroubos políticos. Não
— repito — contra erros de seus dirigentes.
O Banco Central, sob Campos Neto, antes e
depois da autonomia, errou muitas vezes. Baixou os juros até 2%; em dada altura
desse mergulho tendo perdido os parâmetros, a referência para o que seria o
limite mínimo, ignorando mesmo a realidade brasileira, ademais engrossada pela
geração de instabilidades e conflitos própria a Bolsonaro. E, depois, diante da
escalada inflacionária, que terá julgado circunstancial, demorou a responder
com a elevação da taxa, subestimando a força de permanência da pandemia,
avaliando mal o caráter enraizado da inflação entre nós — e então, no susto, a
correria. Errou. Muito. Pode estar errando de novo. Por que não?
Não sei dizer se a taxa de juros está em
lugar adequado. Percebo que a inflação está aí, disseminada, arredia, e que o
carrego de gastos projetado adiante é pesado. Aprendi que incertezas contratam
proteções — inflação e resposta de juros prolongadas, no caso. E que brigas,
ainda que legítimas, podem ser contraproducentes — o brasileiro rejeitou, nas
urnas, o “nós contra eles”. Lembro que o governo tem poder para alterar as
metas da inflação, talvez conseguindo baixar juros de curto prazo; que talvez
caíssem mais consistentemente se o presidente e seu ministro da Fazenda
apresentassem logo a nova âncora fiscal — fundamentada em controle de gastos.
Sei que, nesse complexo todo, a autonomia
do Banco Central representa um problema a menos.
2 comentários:
Carlos Andreazza: faxineiro passador de pano pro Bob Fields Neto.
A famiglia não nega.
Neto do Mário Andreazza, afirma nutrir grande admiração pelo avô. Aí complicou...
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