O Globo
A ver ainda se André Mendonça terá mesmo
trazido pegada divergente à forma terrivelmente diastoffolica como o
Supremo tem tratado o conjunto de acordos de leniência firmados por empresas
que admitiram a constituição de uma máquina cartelizada para corromper agentes
do Estado em troca de contratos vantajosos.
Seu primeiro movimento mereceria mais
atenção. No âmbito de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
que questiona a voluntariedade desses acordos, ao autorizar que as companhias
não paguem as multas por 60 dias, o ministro riscou no chão limites não somente
temporais.
Dois meses no curso dos quais estarão habilitadas as partes, órgãos de controle entre elas, a discutir a possibilidade de renegociar os termos que resultaram na definição das multas e suas condições de pagamento. Prazo para que se tente — alcance estrito — encontrar um caminho para renegociação das bases. Sem entrar no mérito. Sem “revisionismos históricos”. A corrupção houve. Os acordos, voluntários, valem. Prazo ao fim do qual não será obrigatório haver entendimentos.
Repita-se: alcance estrito. Para limitar —
atenção — não apenas as pretensões das empresas.
Faço essa introdução porque li-ouvi que o ato
de Mendonça fortaleceria a posição de Dias Toffoli. É o contrário.
Mendonça enfraquece — talvez esvazie — o
colega, cujo castelo anulador-geral se ergue com a areia de que os acordos, daí
também as delações, seriam produtos de coação do Estado. Os empresários falando
e as empresas assinando acordos porque sob opressão. Esse exótico “estado de
coisas inconstitucional”, forjado pela transformação de tudo em Lava-Jato,
sendo o próprio guarda-chuva sob o qual o “Moro do bem” faz caber o que quiser.
Não à toa, no início da audiência de
conciliação, Mendonça perguntou aos representantes das companhias se haviam
firmado os acordos sob coação. As respostas variaram entre a negação — não
houve coerção — e o sambarilove das evasivas enroladoras. Afinal, ninguém se
apresentou como assinante de acordo de leniência sob pressão; senão a pressão
própria a quem, tendo delinquido, precisa arcar com suas responsabilidades e,
ainda podendo negociar, não terá as mesmas margens de empresas que trabalham
corretamente.
Não tendo havido coação, sobra nada do que
alicerçara as decisões de Dias Toffoli. Se não houve coação, cai-lhe a tese —
que tomou da J&F sem muitos filtros. Sem coação, vigentes os acordos,
murcha-se Dias Toffoli; e o que avança é a rediscussão, legítima, do valor das
multas e das modalidades de pagamento. (A ver também se a própria natureza da
ação relatada por Mendonça, uma ADPF, não terá o condão formal de atrair o que
vai sob o monocratismo, padrão xandônico, de Dias Toffoli.)
O andamento dado por Mendonça se dá no mundo
real; em que houve os esquemas de corrupção e em que, feitos os acordos,
admite-se renegociar multas. Dias Toffoli, operando o “fator coação”, transita
no mundo paralelo — e mui influente — da reescritura da História; do que a
suspensão (o enterro, já que sem prazos) das multas (bem-vindas pelas empresas)
será mera consequência. O centro de suas decisões estando na anulação — aberta,
arrombada, a porteira — de todas as provas produzidas como consequência do acordo
da Odebrecht, inclusive aquela em que é citado, o “amigo do amigo do meu pai”.
Dias Toffoli, sob a tese do lavajatismo
universal, constituiu-se em juiz onipresente para toda a causa empresarial
relativa a acordos de leniência, a seus cuidados até acordos firmados na
Greenfield, no Distrito Federal, nada tendo com os dallagnols de Curitiba. Não!
Tudo Lava-Jato — avoca-se. Tudo feito sob tortura. Tudo à margem do devido
processo legal. Tudo comigo. Tudo meu. Tudo para o lixo. Tudo a alimentar o
esforço para que a corrupção no período lulopetista tenha sido farsa criada por
conluio internacional contra a soberania do Brasil e o destino glorioso do
país.
Circunscrita ao campo das multas
renegociáveis, a abordagem de André Mendonça, pelo menos até aqui, levanta
algumas bordas para contenção. Válidos os acordos, feitos sem coação, e tendo
as empresas corrompido, sendo devedoras e com dificuldades para pagar, sentem
as companhias com os órgãos de controle — e argumentem pela revisão das
dívidas.
Atrapalhada a fixação da tese do “pau de
arara do século XXI” conforme fantasia desrespeitosa de Dias Toffoli, retardado
o contágio anulante-geral a partir da anulação das provas no caso Odebrecht, um
tiquinho mais exposta — não que alguém se constranja — a campanha pela
inexistência de corrupção durante os governos petistas.
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