O Globo
O texto básico, já aprovado, é bastante bom.
Mas os detalhes podem pôr muito a perder
Há pelo menos duas décadas, a reforma
tributária está na pauta política e econômica. Pode-se entender isso como perda
de tempo, a versão pessimista. Faz sentido. Os temas se repetiram
demasiadamente. Parecia impossível chegar a uma decisão, a um projeto abrangente
de reforma. Até surgiram alguns, mas não pegaram embalo. Mas há também uma
versão mais esperançosa. Foi o tempo necessário para decantar as propostas e
chegar a um entendimento sobre as bases da reforma.
Fiquemos com essa última linha, pois o Congresso Nacional acaba de aprovar uma abrangente reforma dos impostos sobre o consumo. Caminhamos, portanto, para uma mudança por acumulação, não por ruptura. Mesmo porque, depois de tudo aprovado, será implantada ao longo de dez anos. Mais ainda: o texto básico é exatamente do que o Brasil precisa. Simplifica o sistema, facilitando a vida das empresas, torna-o mais eficiente e justo.
A carga tributária no Brasil tem ficado em
torno dos 33% do PIB.
É alta, sim. Muita gente, especialmente do governo, compara com os países da
União Europeia, onde os impostos arrecadados representam 41% do PIB. Mas eles
são ricos e há muitos anos constroem o regime do bem-estar, que, lá, funciona.
O Brasil deve ser comparado a países emergentes, com que compete por
investimentos e negócios. Nesses pares, a carga nem chega perto dos 30%.
Nossa reforma não diminuirá os impostos.
Todos os governantes sempre alegaram que não podem perder receitas, dados os
compromissos estruturais de gastos. Já estará bom se a reforma não aumentar a
carga — é o objetivo do texto básico aprovado no Congresso. A ver se não surge
uma mão de gato para arranjar mais impostos na votação e aplicação da
regulamentação.
O ganho da simplificação é inegável e, ao que
parece até aqui, definitivo. Reúne cinco impostos —três federais, um estadual e
um municipal — num Imposto de Valor Agregado, não cumulativo, cobrado em duas
instâncias. Teremos, com legislação nacional, uma só, a Contribuição sobre Bens
e Serviços, cuja arrecadação vai para o governo federal, e o Imposto de Bens e
Serviços, para estados e municípios.
Hoje, só para pagar o ICMS, estadual, as
empresas lidam com 27 códigos e regras diferentes para os 26 estados e o
Distrito Federal. E o ISS, municipal, pago em cada cidade? É possível que,
sobre um mesmo negócio, a empresa tenha de pagar cinco vezes, em cinco
documentos de arrecadação.
A mudança elimina um enorme obstáculo ao
desenvolvimento — o cipoal tributário que consome tempo, dinheiro e energia das
empresas aqui instaladas. Traz ganhos de produtividade. Não é pouca coisa.
Estudo recente do FMI afirma
que uma boa reforma tributária pode aumentar o PIB potencial do Brasil de 0,3 a
0,5 ponto percentual ao ano. Hoje esse potencial está em torno de 2,5%.
Reparem: sem mexer na carga tributária, sem
deixar mais recursos nas mãos das empresas, apenas simplificando o sistema, o
PIB brasileiro poderia crescer a 3% ao ano. Ainda será menor que a média dos
emergentes — em torno de 4% ao ano, segundo o FMI. Mais perto, entretanto, e
concorrendo melhor na América Latina.
Eis por que é preciso ficar de olho na
regulamentação da reforma em andamento. O texto básico, já aprovado, é bastante
bom. Mas os detalhes podem colocar muita coisa a perder. Neste momento, o
Congresso debate a legislação secundária que regulamenta a aplicação do novo
sistema.
Onde está o risco? Na criação de tantas
exceções que deixem o sistema complicado. No geral, ficará assim: há uma
alíquota base, talvez de 26,5%, mas alguns setores pagarão menos; outros, mais.
Se forem alguns, tudo bem. Se forem muitos, para cima ou para baixo, o regime
fica bem mais complicado.
Seria impossível ficar tão complicado quanto
o atual sistema, mas se perderia boa parte da virtude da simplificação. E,
pois, de PIB real.
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