Parlamentares usam emendas em favor de parentes candidatos
O Globo
Antecipação permitiu driblar regra em ano
eleitoral. Laço familiar é exaltado em palanques sem constrangimento
As eleições municipais têm funcionado como
estímulo para deputados destinarem emendas parlamentares a prefeituras de
parentes. Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou
inconstitucionais as emendas identificadas pela sigla RP9, ou “emendas do relator”,
os congressistas passaram a usar as RP8, ou “emendas de comissão”, para alocar
recursos a seus projetos particulares.
Até a semana passada, o governo federal programara pagar R$ 9,1 bilhões em emendas de comissão, garantindo o envio do dinheiro depois de esgotado o prazo determinado pela Justiça Eleitoral para essas transferências, o início de junho. Com a garantia dos recursos, as prefeituras e seus padrinhos poderão erguer palanques, anunciar e iniciar obras a tempo de conquistar votos para prefeito e vereador.
A maior parte dos recursos foi alocada em
fundos estaduais e municipais de saúde e para o custeio de hospitais, medidas
defensáveis. Mas ainda restou R$ 1,7 bilhão para obras, eventos e aquisição de
equipamentos de toda sorte. Famílias de deputados têm sido agraciadas com
emendas de parentes sem constrangimentos. O laço familiar é até exaltado nos
palanques.
A segunda
cidade mais beneficiada foi Patos, na Paraíba, que recebeu R$ 17,6 milhões para
ampliar o Terreiro do Forró, por meio de uma emenda aprovada na Comissão de
Turismo da Câmara. O prefeito Nabor Wanderley (Republicanos)
anunciou a verba com estardalhaço nos festejos de São-João. O projeto será
executado numa área de 100 mil m², onde também serão construídas quadras
esportivas, com aparelhos de ginástica e um “espaço pet”. O prefeito fez
questão de informar que o responsável por conseguir o financiamento público do
projeto foi seu filho, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB). O
parentesco e o apadrinhamento serão lembrados aos eleitores no momento devido.
Outra ação em família transferiu R$ 11
milhões à Prefeitura de Tauá, no interior do Ceará, graças ao deputado Domingos
Neto (PSD), filho da prefeita Patrícia Aguiar (também PSD). Desse total, R$ 3
milhões serão gastos no Festival dos Inhamuns, o Festberro, evento agropecuário
em que há exposição de animais, leilões de gado, vaquejada, shows musicais,
artesanato e gastronomia. Deve ser um acontecimento importante para a cidade e
a região de Inhamuns. A questão é sua capitalização por um grupo político e familiar,
financiada pelos cofres públicos. O dinheiro serve para fortalecer o controle
político de clãs em cidades no interior das regiões menos desenvolvidas.
Também no Ceará, a prefeita Giordanna Mano
(PL), de Nova Russas, na mesma região de Tauá, comemorou nas redes sociais os
R$ 3 milhões recebidos por emenda da Comissão de Turismo da Câmara, graças ao
deputado Júnior Mano (PL-CE), seu marido. Com os recursos, será executado o
projeto de reforma da Praça da Rodoviária, que prevê até a réplica de um avião.
Essas são amostras de um país com carências
urgentes em educação, saúde, saneamento básico ou infraestrutura, com um
Orçamento apertado e em crise fiscal aguda — mas que gasta milhões para atender
a interesses puramente paroquiais. No Brasil, a fatia orçamentária cujo destino
depende apenas da vontade dos parlamentares não encontra paralelo no mundo.
Passou da hora de um corte drástico nessas emendas, em benefício de políticas
públicas necessárias e consistentes.
Poluição nas praias reflete penúria do
saneamento básico no Brasil
O Globo
Com coleta e tratamento de esgoto
deficientes, 36% das praias estão impróprias para banho, revela estudo
Quase quatro anos depois da aprovação do
Marco do Saneamento Básico, os avanços ainda são insuficientes para atingir as
metas definidas para universalizar o acesso a água e esgoto no Brasil. De 2019
a 2022, a proporção do esgoto tratado no país passou de 49% para 52%, segundo o
Sistema Nacional de Informações de Saneamento do Ministério das Cidades. É um
índice ainda vergonhoso diante do objetivo de tratar 90% até 2033. Ao todo, 90
milhões de brasileiros não têm acesso a coleta de esgoto, e 32 milhões a água
potável.
Uma das consequências nefastas da evolução
lenta na coleta e no tratamento de esgoto é o estado lastimável das praias
brasileiras. Um
levantamento do GLOBO com base nos últimos dados disponíveis para dez
estados — Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina — constatou que 36%
dos 1.035 pontos analisados na costa estão impróprios para banho.
O levantamento mostra que mesmo em áreas
turísticas, em que se supõe haver a preocupação em manter o mar despoluído para
atrair mais visitantes, o saneamento não é prioritário. Fica evidente a falta
de visão de governadores e prefeitos que não acompanham o crescimento urbano
com a necessária expansão da infraestrutura. Se o país universalizasse coleta e
tratamento de esgoto até 2040, poderia atrair mais R$ 80 bilhões apenas com o
turismo, revela estudo do Instituto Trata Brasil.
Pernambuco, estado em pior situação no
levantamento, com 63% das praias poluídas, permitiu, nos anos 1970 e 1980, a
ocupação desordenada do Litoral Norte do estado, sem a expansão da estrutura de
saneamento. O risco é o próprio turismo se retrair se nada for feito para
resolver o problema. Em Santa Catarina, já existem regiões em colapso devido ao
crescimento da população sem a ampliação da estrutura de saneamento básico,
segundo o oceanógrafo Marcus Polette, da Universidade do Vale do Itajaí.
Balneário Camboriú, Itapema, Porto Belo e Navegantes também recebem a pressão
do fluxo de turistas.
Com o Marco do Saneamento, abriu-se um espaço
mais amplo à atuação de empresas privadas. De acordo com o Plano de Saneamento
Básico, é necessário um investimento mínimo de R$ 231 anuais por habitante para
universalizar coleta e tratamento de esgoto. Em 2022, a média foi de apenas R$
111. Há estados em situação calamitosa, como o Acre, com investimento de R$ 3
por habitante. É verdade que a melhora no saneamento exige tempo, mesmo assim a
principal razão para o Marco ainda não ter surtido efeitos na velocidade
desejada é a falta de investimento. Cabe aos gestores públicos criar condições
para atrair capital privado ao setor. As estatais de água e esgoto já provaram
que, sozinhas, não resolverão o problema.
Autonomia financeira do BC é passo à frente
Folha de S. Paulo
Proposta dá mais liberdade à autoridade
monetária em relação ao Executivo e para contratar profissionais qualificados
Os reiterados ataques políticos do presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) contra a condução da política monetária pelo Banco Central são
prova inequívoca de como foi acertada a decisão que
concedeu autonomia operacional ao órgão a partir de fevereiro
de 2021.
Afinal, sob a gestão de Roberto
Campos Neto, alvo preferencial das diatribes ditas por Lula, o BC
brasileiro foi um dos primeiros a elevar os juros para
debelar a inflação no
período pós-pandemia, enquanto vários países demoraram a agir e sofrem as
consequências até hoje.
Autônomo em relação ao Executivo, o órgão
começou a subir a Selic no
final de 2021 e a manteve em patamar elevado, em 13,75% ao ano, na campanha
eleitoral de 2022 —o que, em tese, poderia ser visto como prejudicial ao então
candidato à reeleição Jair
Bolsonaro (PL), que colocou Campos
Neto no cargo.
Agora, o Brasil tem a oportunidade de dar um
passo positivo à frente com a Proposta de Emenda à Constituição 65, em
discussão no Congresso. Ela propõe transformar o BC em uma instituição de
natureza especial com autonomia
técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira.
Isso significa que o BC teria a capacidade de
elaborar, aprovar e executar o próprio orçamento, de forma independente do
governo. Para isso, utilizaria receitas próprias, geradas a partir de seus
ativos, a fim de custear despesas com pessoal e eventuais investimentos.
A mudança do enquadramento jurídico afetaria
a relação de trabalho dos servidores. Eles deixariam de ser regidos pelas
normas do Regime Jurídico Único do funcionalismo e passariam a ser empregados
públicos regulamentados pela CLT. O texto da PEC também contém pontos para
preservar a estabilidade dos servidores.
Na prática, o BC teria independência para
buscar profissionais mais qualificados e remunerados no mercado, além de maior
liberdade para geri-los. Neste ponto, a proposta precisaria ser equilibrada,
para evitar exageros que possam levar o órgão a um comportamento corporativo.
Recente estudo do FMI envolvendo
87 dirigentes de bancos centrais mostrou que 74% deles consideram a autonomia
financeira o aspecto mais importante para medir a independência dessas
instituições.
Mas, como está redigida, a PEC não tem apoio
do governo, embora Fernando
Haddad (Fazenda) diga não ser
contra a autonomia financeira do BC, mas sim à sua transformação em
empresa pública.
Campos Neto, com mandato até 31 de dezembro,
diz que gostaria de deixar a mudança como legado. Se o governo não quer que a
medida seja mais um item na lista de seus acertos, que ajude a aprová-la assim
que indicar seu sucessor.
Violência sem estratégia
Folha de S. Paulo
Há melhorias em segurança, mas falta
integração e letalidade policial preocupa
Os dados do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública divulgados na quinta (18)
mostram que, nessa área, sobra truculência das polícias e falta inteligência em
investigação, o que denota a necessidade de uma política racional integrada
entre as três esferas de governo.
De 2022 a 2023, houve queda nas várias
modalidades de roubo, mas tal redução pode estar relacionada com o aumento de
8,2% dos casos de estelionato, com quase 2 milhões de golpes em
2023, sendo que 1 a cada 12 ocorreu por meio eletrônico —desde 2018, a alta foi
de 360%. É o crime mais registrado em 21 dos 26 estados do país.
Em relação à violência contra
a mulher, constatou-se alta em todos os tipos de crime sofridos por essa
população, como feminicídio (0,8%), violência
doméstica (9,8%) e estupro (6,5%).
Neste último, o aumento desde o início da série histórica, em 2011, foi de
91,5%.
O número de mortes violentas intencionais
(homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de óbito, e mortes
causadas por intervenções policiais) caiu 3,4%. Mas em seis estados houve alta.
Apesar da queda geral, os dados revelam uma
chaga na segurança pública do país. Das 46.328 mortes violentas intencionais no
ano passado, 6.393
foram causadas por policiais, o que representa 13,8%. Entre 2013 e
2023, a alta foi de 189%, o que faz com que a ínfima redução de 0,9% de 2022 a
2023 não constitua melhoria de fato no cenário.
Jequié, na Bahia, passou de cidade com o
maior número de mortes violentas intencionais por habitante em 2022 para a que
tem a polícia que
mais mata em 2023.
O município baiano encapsula o problema
brasileiro: usar a brutalidade policial para combater a criminalidade. Trata-se
de medida custosa, ineficiente e que atenta contra os direitos humanos.
O governo federal precisa desenvolver uma
política integrada com estados e municípios. Ela deve se basear em evidências,
para direcionar ações à proteção de estratos sociais mais fragilizados e alocar
recursos em inteligência, capacitação dos agentes e tecnologias que já
mostraram resultados na contenção da letalidade policial, como as
câmeras corporais.
Haddad ganha uma
O Estado de S. Paulo
Ao anunciar contenção de despesas de R$ 15
bi, governo deixa implícito que mira o limite inferior da meta fiscal. Por ora,
no entanto, o ministro respira aliviado, e o País pode comemorar
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
conseguiu uma vitória e tanto nesta semana. Na quinta-feira, quando o dólar
voltava a se apreciar em meio a incertezas sobre a política fiscal do governo e
a um cenário externo mais adverso, o ministro antecipou a informação que era
aguardada apenas para a próxima semana e anunciou um congelamento de despesas
da ordem de R$ 15 bilhões para tentar atingir a meta fiscal. “Estamos
antecipando justamente para evitar especulação”, disse o ministro.
Simbólico, o anúncio foi feito no Palácio do
Planalto, logo após uma reunião entre os ministros que compõem a Junta de
Execução Orçamentária (JEO) e o presidente Lula da Silva, numa clara tentativa
de mostrar que o presidente havia sido convencido da necessidade de conter
gastos. Ao menos, foi essa a mensagem que Haddad e a ministra do Planejamento,
Simone Tebet, tentaram transmitir em conjunto.
Desses R$ 15 bilhões, R$ 11,2 bilhões serão
bloqueados porque o crescimento dos gastos obrigatórios ultrapassou o limite
determinado pelo arcabouço, de 2,5% acima da inflação. Outros R$ 3,8 bilhões
serão contingenciados porque as receitas não têm tido o comportamento que o
governo esperava e podem comprometer o cumprimento da meta fiscal. Ambos os
valores podem vir a ser liberados se as estimativas melhorarem ao longo dos
próximos meses.
Como há pouquíssimo espaço para rever gastos
obrigatórios, tanto o bloqueio quanto o contingenciamento deverão ter forte
impacto nas despesas discricionárias, rubrica que inclui o custeio de
atividades administrativas dos ministérios, investimentos do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e emendas parlamentares.
As pastas que mais concentram gastos não
obrigatórios, além do Ministério dos Transportes, são as da Saúde e da
Educação, algumas das mais sensíveis aos olhos da base de apoio do governo.
Ademais, qualquer mexida nas emendas parlamentares sempre traz algum desgaste
nas relações com o Congresso.
O governo ainda precisará detalhar como essa
tesourada será materializada, mas, segundo Haddad, esses números não incluem o
resultado do pente-fino em programas sociais. A estratégia funcionou, ao menos
por enquanto, e trouxe alguma tranquilidade ao mercado. O congelamento foi
maior do que os R$ 12 bilhões que a maioria esperava, mas inferior aos R$ 26
bilhões necessários para cumprir a banda inferior da meta.
Ou seja, com o anúncio desta semana, o
governo deixou implícito que não almeja exatamente o centro da meta de déficit
zero, mas que trabalhará com a margem de tolerância de 0,25 ponto porcentual.
Isso permitiria um saldo negativo entre receitas e despesas de até R$ 28,8
bilhões neste ano.
Se assim for, o governo ainda terá de
anunciar mais uma contenção de despesas na próxima revisão bimestral do
Orçamento, em setembro. E, se tudo der certo, em novembro, poderá fazer uso do
tradicional empoçamento – diferença entre os pagamentos que foram autorizados e
os que efetivamente ocorreram – para remanejar recursos entre as áreas.
Até lá, há a dura realidade com a qual o
governo terá de lidar. Como tradicionalmente acontece, o Orçamento deste ano
conta com despesas que foram subestimadas, especialmente os benefícios
previdenciários e de assistência social, que avançam em ritmo superior à
inflação.
Na outra ponta, as receitas foram
superestimadas, entre elas a expectativa de arrecadação com a retomada do voto
de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Até agora,
dos R$ 56 bilhões inicialmente previstos, nada entrou. E ainda não houve acordo
com o Senado sobre as medidas arrecadatórias para compensar a renúncia de R$ 18
bilhões associada à desoneração da folha de pagamento de 17 setores e dos
municípios.
O problema de mirar o limite inferior, em vez
do centro da meta, é que o governo não terá qualquer margem de manobra caso
ocorra algum imprevisto. Mas, diante do cenário que se desenhava, alcançar um
déficit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) ainda é melhor que nada. Por
ora, Haddad venceu a batalha, mas a guerra ainda está longe de terminar.
Ultraje no mérito, e não no rito
O Estado de S. Paulo
Pacheco diz que não haverá ‘açodamento’ no
Senado ao tratar da infame PEC que livra partidos de multas, mas problema da
proposta não é a tramitação, e sim o conteúdo, que afronta País
Aprovada na Câmara dos Deputados, a infame
PEC da Anistia – Proposta de Emenda à Constituição que livra os partidos de
multas por violações a regras eleitorais – chegou ao Senado levando consigo a
natural indignação da sociedade, por inscrever na Constituição um acintoso
perdão autoconcedido por políticos de todas as colorações ideológicas.
Provavelmente ciente da profunda
impopularidade da medida, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já
afirmou que não haverá “açodamento” na análise do texto, isto é, a PEC será
debatida por comissões da Casa, para só então ser levada ao plenário. Ora, isso
não muda a essência da desfaçatez: o problema nunca foi do rito, e sim do
mérito. A PEC é uma afronta a todos os eleitores, sem exceção, e continuará
sendo mesmo que haja “debates” antes de sua eventual aprovação.
Pacheco parece encenar um distanciamento
dessa farra. Segundo o presidente do Senado, a PEC da Anistia, que deixou os
presidentes de partidos “muito entusiasmados”, partiu da Câmara. Essa euforia
mostra as agremiações totalmente desconectadas das reais aspirações dos
eleitores que elas deveriam representar.
Pelo texto aprovado com uma coesão invejável
na Câmara – capaz de unir os antípodas PT e PL –, a Constituição será
modificada para que os partidos possam refinanciar em até 15 anos os seus
débitos, sem cobrança de juros e multas; terão até cinco anos para quitar
obrigações previdenciárias; poderão usar verba pública dos fundos eleitoral e
partidário para pagar as multas, incluindo aquelas decorrentes do uso de
recursos de “origem não identificada” – o popular caixa dois; e, de bônus,
terão ampliada a imunidade tributária. Mas não é só isso.
As agremiações serão perdoadas pelo
descumprimento das cotas de candidaturas de negros e mulheres. Os valores não
aplicados em pleitos passados poderão ser compensados nas próximas quatro
eleições, mas há fundadas razões para crer que, nesse período, outra anistia
virá em socorro dos partidos que não cumprirem nem mesmo essa singela
obrigação.
As legendas destinarão, ainda, 30% dos
recursos do fundo eleitoral para candidaturas de negros, mas um único candidato
ou uma única região poderá concentrar o dinheiro. Hoje, por determinação do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), essa verba deve ser dividida entre os
postulantes de forma proporcional.
No mundo político, há pressa. Questionado
sobre por que a PEC tramita no Congresso neste momento, o relator do texto na
Câmara, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), afirmou que “qualquer hora é
hora”, deixando claro que se trata de projeto prioritário. A ideia é que as
mudanças já valham nas eleições deste ano.
Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), havia uma promessa feita a líderes e presidentes de partidos de que
Rodrigo Pacheco abraçaria essa causa. Lira, que colocou a PEC em votação no
plenário sem que o texto tivesse recebido aval em comissão especial, já
reconhece o incômodo da proposta. Em entrevista à CNN Brasil, o deputado
afirmou que nem ele nem ninguém “fica satisfeito em discutir uma matéria que
cause esse desconforto”. Se “desconforto” houve, contudo, não parecia:
registrou-se acachapante votação a favor da PEC, com as honrosas exceções do
PSOL e do Novo.
Agora, ao que tudo indica, há um clima de
constrangimento no Congresso. No Senado, uma espécie de operação-padrão já está
em curso. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa,
Davi Alcolumbre (União Brasil), empurrou a análise da proposta para agosto,
quando os parlamentares voltarão ao trabalho.
A questão é que, se agora provoca mal-estar
no meio político, é porque a natureza indecente da PEC da Anistia mal pode ser
escondida. É de Rodrigo Pacheco o poder sobre a pauta do Senado. Manda a
decência que a proposta seja engavetada ou desfigurada, para ao menos torná-la
menos obscena.
Uma empresa refém
O Estado de S. Paulo
Vale convive com pressões do governo no lento
processo sucessório de sua presidência
Refém do assédio do governo Lula da Silva, a
Vale prepara a sucessão na presidência executiva num processo lento – que se
arrasta desde o ano passado – e frequentemente estressado por rumores os mais
diversos, em evidentes sinais da batalha travada nos bastidores.
Ocasionalmente, informações oficiais escapam, dando conta da pressão que
extrapola os limites corporativos, mas são os boatos os principais motores da
especulação que cerca a empresa há meses.
Dado o porte e a importância da Vale, uma das
líderes mundiais na produção de minério de ferro e níquel e uma das principais
concessionárias de logística do País, é plausível ser identificada como empresa
estratégica, ainda mais por atuar no segmento extrativista. O interesse do
Estado brasileiro nos passos da Vale é óbvio e, por isso mesmo, foram criadas
as golden shares (ações de ouro, em tradução livre) na privatização,
assim como em outras estatais estratégicas que passaram à iniciativa privada,
como Embraer, IRB e Eletrobras.
O mecanismo de golden share dá ao
governo poder de veto em uma série de decisões que vão desde a mudança de sede,
para o caso de intenção de deixar o País, até a liquidação da empresa,
alienação ou encerramento de atividades do sistema integrado de exploração de
jazidas, minas, ferrovias, portos e terminais marítimos. Ou seja, o governo
manteve, mesmo após a decisão de privatizar a mineradora, a garantia de que o
interesse econômico estaria prioritariamente voltado ao País.
Mas, por óbvio, a União não detém poder de
gestão numa ex-estatal, como quer o governo Lula da Silva não apenas na Vale,
mas também na Eletrobras, como comprovaram inúmeras declarações do presidente.
Durante a posse de Magda Chambriard na Petrobras, Lula lamentou que a Vale
tenha sido “rifada por 899 mil pequenos fundos”. Referia-se ao processo que
tornou a Vale uma empresa de capital pulverizado, sem controlador. “Você não
tem um dono para conversar”, reclamou.
Alguém “para conversar” é o que Lula da Silva
vem buscando na Vale desde o início de sua terceira gestão, quando foi cogitado
o nome de seu ex-ministro e fiel escudeiro Guido Mantega para a presidência da
empresa. Agora, quando a consultoria Russel Reynolds, contratada para
assessorar o processo sucessório, listou 15 candidatos, nenhum deles do
governo, surgem rumores de que Dario Durigan, o número dois de Fernando Haddad
no Ministério da Fazenda, teria sido sondado para o cargo, mesmo sem nenhuma
experiência no setor de mineração.
Difícil imaginar que uma empresa como a Vale, dependente de tantas decisões governamentais, desde a autorização de lavra até multas operacionais, opte por uma blindagem total contra o governo, mesmo sabendo do interesse, declarado por Lula da Silva, de obrigar a mineradora a ter o “papel social” de “atendimento das necessidades soberanas do País”. Em outras palavras, trata-se de direcionar a gestão da empresa para o financiamento de projetos de interesse do governo, sem preocupação com gestão ou governança. Além de uma afronta à iniciativa privada, é uma temeridade.
A tragédia da violência sexual doméstica
Correio Braziliense
A cada seis minutos, ocorre um estupro no
Brasil. Trata-se de uma herança da relação casa grande e senzala, que replica e
agrava a cultura machista e misógina da formação do nosso patriarcado colonial
A cada seis minutos, ocorre um estupro no
Brasil. Os números traduzem uma das piores formas de iniquidade social:
mulheres (88%), principalmente negras (52%) e com menos de 13 anos (62%) são a
maioria das vítimas. Somente em 2023, foram 83,9 mil casos registrados, um
aumento de 6,5% em relação a 2022. Não devemos nos iludir: trata-se de uma
herança da relação casa grande e senzala, que replica e agrava a cultura
machista e misógina da formação do nosso patriarcado colonial, na qual se
destaca, ainda, o sequestro e a servidão de mulheres e jovens indígenas.
A cultura do estupro não é uma realidade
apenas brasileira, mas tem ingredientes estruturais da nossa história que
definem o perfil majoritário das vítimas. Outra realidade marcante no nosso
país é que a maioria dos algozes é conhecida, gente que deveria estar cuidando
das crianças e adolescentes. Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, divulgado nesta semana, além de 76% das vítimas de estrupo serem
vulneráveis (menores de 14 anos), nesses casos, 64% dos agressores são
familiares e 22%, conhecidos da família. Ou seja, o local de risco é a própria
casa (65%).
A maioria das vítimas tem entre 10 e 13 anos
(32%), seguida da faixa de 5 a 9 anos (18%) e da de 0 a 4 anos (11%). Entre os
bebês, foi registrada, em 2023, "a chocante" taxa de 68,7 casos por
100 mil habitantes, o dobro da média nacional: 41,4. De uma forma geral, entre
2011 e 2023, o número de estupros cresceu 91,5% no país — de 43,4 mil casos
para quase o dobro, 83,4 mil. Desde 2021, há uma tendência de crescimento, após
queda durante a pandemia da covid-19.
A notificação de violência doméstica também
não desacelera: foram 258.941 vítimas em 2023, 9,8% a mais do que no ano
anterior. O número de mulheres ameaçadas subiu 16,5%: 778.921 denunciaram essa
situação à polícia no ano passado. Além disso, houve aumento dos registros de
violência psicológica (33,8%,) e de stalking (perseguição), 34%.
A polarização e a desagregação sociopolítica
favorecem a cultura da violência de todas as formas. No caso da violência
sexual doméstica, há ainda a influência da opressão no âmbito familiar — muitas
vezes, a causa de sua desestruturação, ao contrário do que muitos imaginam. A
cultura que favorece a violência sexual doméstica foi naturalizada a partir de
um comportamento social que relativiza ou silencia as ocorrências para
"não envergonhar a família", por exemplo. São segredos perversos,
guardados a sete chaves, com a desculpa de que a "roupa suja se lava em
casa", erguendo uma muralha de medo, silêncio e intimidação na rotina
familiar.
Por isso, a necessidade de uma participação efetiva da sociedade para coibir a cultura da violência que massacra as mulheres brasileiras. Punições mais rígidas contra os criminosos não são suficientes em um país em que, além da cultura de silenciamento dentro das casas, tem a tendência, por exemplo, de culpar as vítimas pelo crime — seja pela roupa que usava, pelo local em que estava ou qualquer outro tipo de comportamento "provocante". Essa mudança de mentalidade porá fim ao machismo estrutural que sustenta as agressões cotidianas contra crianças, jovens e adultas no país. O caminho é longo, mas urgente.
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