New York Times /O Estado de S. Paulo
O MAGA é uma espécie de marxismo de direita,
que vê luta de classes como algo definidor da política
Em 2016, o movimento Faça a América Grande de
Novo (MAGA), de Donald Trump, era apenas um slogan – ou, na melhor das
hipóteses, um espasmo de ressentimentos e instintos sobre questões como a
imigração. Nos últimos oito anos, pesquisadores, ativistas e políticos
transformaram o MAGA em uma visão de mundo, uma visão de mundo que agora
transcende Donald Trump.
Em todo o mundo ocidental, os partidos de direita deixaram de ser partidos das elites empresariais e se tornaram partidos da classe trabalhadora. O MAGA é a visão de mundo que está de acordo com essa realidade em transformação. Ele tem suas raízes no populismo ao estilo de Andrew Jackson (sétimo presidente dos EUA, um dos fundadores do Partido Democrata, criticado pelo tratamento de indígenas e deslealdade política), mas atualizado e mais abrangente. É a visão de mundo que representa uma versão dos interesses da classe trabalhadora e oferece respeito a esses eleitores.
J.D. Vance é a personificação e um dos
desenvolvedores dessa visão de mundo – com sua suspeita em relação ao poder
corporativo, envolvimentos estrangeiros, livre comércio, elites culturais e
altas taxas de imigração. Em Milwaukee, na semana passada, com Vance como o
escolhido de Trump para vice-presidente, ficou claro como o MAGA substituiu o
reaganismo como o principal sistema operacional do Partido Republicano.
Se os democratas quiserem derrotar o MAGA,
não basta dizer: o homem laranja é ruim. Falar incessantemente sobre o dia 6 de
janeiro não adianta nada. Se esperam vencer, eles precisam levar a sério a
visão de mundo do MAGA e defender respeitosamente, especialmente para os
eleitores da classe trabalhadora, algo melhor.
DEFINIÇÃO. Na melhor das hipóteses, o que é o
MAGA, afinal? Bem, em qualquer sociedade, há uma tensão legítima entre
segurança e dinamismo. Em um mundo volátil, o MAGA oferece segurança às
pessoas. Ele promete fronteiras e bairros seguros, proteção contra a
globalização, contra a destruição criativa do capitalismo moderno, contra uma
classe instruída que o despreza e doutrina seus filhos na escola. Como o
senador Josh Hawley argumentou na revista Compact esta semana: “A diretoria há
muito tempo vendeu os EUA, fechando fábricas no país e eliminando empregos
americanos”.
Para aqueles que, com razão, se sentem
atingidos por forças vastas e desestabilizadoras, Trump surge como uma espécie
de personagem de Aaron Sorkin: “Vocês me querem naquele muro. Vocês precisam de
mim naquele muro”. Ele oferece segurança para as pessoas seguirem com suas
vidas.
Agora, o problema com o MAGA – e aqui reside
a oportunidade democrata – é que ele emerge de um modo de consciência que é
muito diferente da consciência americana tradicional.
A consciência americana tem sido uma
consciência de abundância. Ondas sucessivas de imigrantes encontraram um vasto
continente de campos férteis e cidades movimentadas. Em 1910, Henry van Dyke,
que mais tarde se tornou embaixador dos EUA na Holanda e em Luxemburgo,
escreveu o livro The Spirit of America, no qual observou que “o Espírito da
América é mais conhecido na Europa por uma de suas qualidades – a energia”. No
século 20, Luigi Barzini, um observador italiano, argumentou que os americanos
têm um zelo pelo autoaperfeiçoamento contínuo, uma “necessidade incansável de
consertar, melhorar tudo e todos, nunca deixar nada sozinho”.
Muitos observadores estrangeiros viam, e os
americanos não viam isso, essa nação como dinâmica por excelência. Os
americanos não tinham um passado comum, mas sonhavam com um futuro comum. O
senso de lar não estava enraizado no nacionalismo de sangue e solo. O lar era
algo que estavam construindo juntos. Durante a maior parte da história dos EUA,
os americanos não eram conhecidos por sua profundidade ou cultura, mas por
viver a todo vapor.
O MAGA, por outro lado, emerge de uma
consciência de escassez, de uma mentalidade de soma zero: se os EUA decidirem
deixar entrar toneladas de imigrantes, eles tomarão os empregos. Se os EUA
ficarem mais “marrons”, “eles” substituirão “nós”. O MAGA é baseado em uma
série de histórias de vítimas: as elites estão querendo nos ferrar. Nossos
aliados estão se aproveitando de nós. Os EUA de linha secular estão oprimindo
os EUA de raiz cristã.
INSPIRAÇÃO EUROPEIA. Visto a partir da
mentalidade tradicional de abundância americana, o MAGA se parece menos com um
tipo de conservadorismo americano e mais com um conservadorismo europeu. Ele se
assemelha às gerações de chauvinistas russos que argumentavam que as massas
russas incorporam tudo o que é bom, mas são ameaçadas por estrangeiros. O MAGA
se parece a uma espécie de marxismo de direita, que pressupõe que a luta de
classes é a característica permanente que define a política. O MAGA é uma mentalidade
de fortaleza, mas os EUA têm sido tradicionalmente definidos por uma
mentalidade pioneira.
Se os democratas quiserem prosperar, eles
precisam explorar as raízes culturais dinâmicas dos EUA e mostrar como elas
podem ser aplicadas ao século 21. Deve-se dizer que o dinamismo social é mais
complicado do que parece à primeira vista. Não se trata realmente de
individualismo robusto ou da versão libertária de liberdade como ausência de
restrições.
Minha definição favorita de dinamismo foi
adaptada do psicólogo John Bowlby: toda a vida é uma série de explorações
ousadas a partir de uma base segura. Se os democratas quiserem prosperar, eles
precisam oferecer às pessoas uma visão tanto da base segura quanto das
explorações ousadas.
Os americanos não podem estar seguros se o
mundo estiver em chamas. É por isso que os EUA precisam estar ativos no
exterior, em lugares como a Ucrânia, mantendo lobos como Vladimir Putin à
distância. Os americanos não podem estar seguros se a fronteira estiver um
caos. O apoio popular à imigração depende da sensação de que o governo tem tudo
sob controle. Os americanos não podem estar seguros se um único contratempo
levar as pessoas à pobreza esmagadora. É por isso que os programas de seguro
social que os democratas construíram são tão importantes. Mas o que os
democratas precisam fazer, na minha opinião, é oferecer às pessoas uma visão
das explorações ousadas que as aguardam. É nesse ponto que os republicanos
pessimistas pós-Reagan não podem competir.
Pessoalmente, gostaria que os democratas
defendessem a agenda de abundância sobre a qual pessoas como Derek Thompson e
meu colega Ezra Klein têm escrito. Precisamos construir coisas. Muitas casas
novas. Aviões supersônicos e trens de alta velocidade.
VIA DEMOCRATA. Os democratas precisam
enfrentar seus sindicatos de professores e se comprometer com o dinamismo na
educação. Eles precisam enfrentar o protecionismo. Aumentar as tarifas, como
Trump quer fazer, não só aumentaria os custos para os consumidores, mas geraria
preguiça e mediocridade nos setores protegidos da concorrência. Os democratas
precisam reduzir os órgãos reguladores que receberam tanta liberdade que
sufocaram a inovação.
Se os republicanos vão se dedicar mais uma
vez à retórica da guerra de classes, os democratas precisam sair disso. Eles
precisam se voltar para a aspiração americana mais tradicional: não estamos
condenados a um futuro permanente de luta de classes, mas podemos criar uma
sociedade fluida e móvel.
Em Milwaukee, ouvi muito patriotismo, mas era o patriotismo da nostalgia, não o patriotismo da esperança. Isso deixa uma abertura para as pessoas que se reunirão em Chicago no próximo mês para a convenção do Partido Democrata.
2 comentários:
Só dar um google ou ler as colunas de Paul Krugman para " ver " que a economia americana está indo bem obrigado. Há dinamismo e geração de empregos.
Hoje, porém, todos querem o paraíso e rios de leite margeando seus quintais. No contexto das atuais economias de mercado, especialmente as mais ricas, os ressentidos precisam de tudo e, como ressentidos, seus dedos apontam para os governos, imigrantes, valores que podem ser perdidos. Há pobreza e misérias naquele país? Óbvio. Mas, imagino, nada que lembre o cenário sombrio das Vinhas da Ira, de Steinbeck.
Há inúmeros problemas a enfrentar em todos os países, a depender dos contextos de cada um, mas, guardadas as devidas ressalvas, ainda fico com João Pereira Coutinho quando este afirma que estamos, de certa forma, mal acostumados. Nunca houve uma época de tanta abundância como a atual.
Quanto ao texto postado pelo blog, excelente. Bastante esclarecedor.
Muito bom!
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