sexta-feira, 7 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alcolumbre eleva preço do Congresso para contribuinte

O Globo

Benesses concedidas por presidente do Senado aumentam custo de um dos legislativos mais caros do mundo

Na sexta-feira anterior ao carnaval, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), apresentou um pacote repleto de benefícios para os funcionários da Casa. Os cargos mais graduados do Senado passaram a ter direito a um dia de folga para cada três trabalhados, até o limite de dez dias por mês. O vale-refeição dos servidores foi reajustado em 22,2%, para R$ 1.784,42. Também foi aumentado o número de servidores com direito a 100% de um bônus de gratificação. Para completar, Alcolumbre aumentou a cota parlamentar à disposição dos gabinetes dos senadores.

Logo surgiram pressões para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), equiparasse os benefícios de lá aos pagos no edifício vizinho. O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis) trabalha para obter as mesmas benesses, a começar pelo aumento do vale-refeição, hoje de R$ 1.393,11 por mês (a equiparação equivaleria a um reajuste de 28%).

O dia de folga é um tipo de privilégio comum no Judiciário. Na prática, folgar um dia a cada três equivale a receber um aumento salarial de 33%, pois o valor acaba incorporado como “indenização” em dinheiro para quem não usufrui o descanso. No Senado, o benefício foi concedido a servidores em “função relevante singular”, “em virtude dos ônus e responsabilidades”. A classificação é arbitrária. Na prática, levaram o aumento os funcionários alocados na diretoria-geral, na secretaria geral da Mesa, na advocacia, no gabinete da presidência, na auditoria, nas consultorias legislativa e orçamentária e na secretaria de comunicação.

O reajuste das verbas de gabinete foi dado em percentuais diferentes para cada senador, pois envolve passagens aéreas com trajetos distintos. No caso dos três senadores do Amapá, entre eles Alcolumbre, a verba mensal aumentou 19,4%, de R$ 42,8 mil para R$ 51,1 mil. Para parlamentares do Acre, foi de R$ 38,8 mil para R$ 50,4 mil (reajuste de 29,9%). Mesmo sem precisar se deslocar, os senadores de Brasília passaram a ter verba de gabinete de R$ 36 mil. Os do Amazonas têm agora direito a R$ 52 mil mensais.

De acordo com os últimos dados da União Interparlamentar (UIP), relativos a 2023, o Congresso brasileiro só não custa mais caro que o americano. O gasto total somou US$ 5,9 bilhões por ano nos Estados Unidos — ou US$ 11 milhões por parlamentar — e US$ 5,3 bilhões no Brasil — ou US$ 8,9 milhões por parlamentar. Como a população americana supera a brasileira em mais de 50%, o preço per capita pago pelo cidadão aqui acaba sendo bem superior.

Considerando a diferença de estágio de desenvolvimento entre os dois países, o custo do Congresso brasileiro deveria ser ainda menor. Há muita irracionalidade nas despesas, e seria possível promover um ajuste sem comprometer as atividades essenciais do Legislativo. Países com parlamentos bem maiores têm custo muito menor. Um parlamentar no Reino Unido representa um gasto para o Erário de US$ 561 mil anuais, 15 vezes menos que o brasileiro. A sociedade precisa sustentar as instituições democráticas. Mas com racionalidade e dentro de suas possibilidades. Seria fundamental que Alcolumbre e Motta tivessem consciência disso ao distribuir suas bondades.

Diante de Trump, Europa não tem outra alternativa a não ser armar-se

O Globo

Abalo na aliança transatlântica leva líderes europeus a investir na própria defesa para conter ameaça da Rússia

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, classificou o atual momento como “decisivo para a Europa”, enquanto se encaminhava ao encontro de emergência convocado com os 27 chefes de governo do bloco. Diante do estremecimento das relações com os Estados Unidos sob Donald Trump, da ameaça de Vladimir Putin e da necessidade de apoiar a Ucrânia na guerra contra os russos, o desafio lógico dos europeus é como fortalecer seu setor de defesa. Desde o fim da Segunda Guerra, eles contaram com a proteção dos americanos, sob o guarda-chuva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Com a volta de Trump e o abalo na aliança transatlântica, a urgência é o rearmamento. O primeiro passo foi criar um fundo de financiamento.

A primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, foi precisa ao declarar: “Gastar, gastar, gastar em defesa e dissuasão. Essa é a mensagem mais importante e, ao mesmo tempo, claro, continuar a apoiar a Ucrânia, porque queremos paz na Europa”. Antes de se dirigir a Bruxelas, o presidente francês, Emmanuel Macron, fez pronunciamento em rede nacional. Não economizou palavras ao descrever a Rússia como “ameaça” à França e à Europa: “viola nossas fronteiras para assassinar opositores, manipula as eleições na Romênia e Moldávia”, “organiza ataques digitais contra nossos hospitais” e “tenta manipular nossas opiniões com mentiras difundidas nas redes sociais”.

Respondendo a chamado de Friedrich Merz, vencedor das eleições que negocia a formação do novo governo alemão, Macron reafirmou a intenção de usar o arsenal nuclear francês para proteger os aliados europeus. Merz disse que a Alemanha “fará o que for preciso” para defender a paz e a segurança na Europa. Ele pretende mudar o atual teto de gastos para aumentar as despesas com defesa. A proposta deverá ser votada no Parlamento alemão nos próximos dias. Se aprovada, dará novo impulso à maior economia da Europa. Empresas alemãs já se preparam para ampliar a produção e a venda de armas.

O debate sobre a segurança europeia vem fermentando desde o primeiro mandato de Trump. Ele sempre insistiu para que os integrantes da Otan gastassem mais com a própria defesa. Desde sua volta ao poder, porém, o embate ganhou outra dimensão. Trump abriu negociações com a Rússia para pôr fim à guerra, sem a participação de europeus nem de ucranianos. Depois da altercação com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Casa Branca, cortou ajuda militar ao país.

É evidente que Trump tem agido de acordo com os interesses russos. Sua intenção de anexar a Groenlândia e taxar importações europeias completa o quadro de animosidade. Putin, fortalecido, é uma ameaça óbvia à paz não apenas na Ucrânia, mas em toda a Europa. Macron resumiu o sentimento predominante ao dizer: “Quero acreditar que os Estados Unidos ficarão ao nosso lado, mas temos de estar prontos para que isso não aconteça”. O novo armamentismo traz riscos de que o conflito se amplie, mas para a Europa não há outra alternativa.

Propag e novos fundos criam conta pesada para União

Valor Econômico

Para equacionar R$ 447,5 bilhões dos quatro Estados que não estão honrando suas dívidas, a União abrirá mão de receitas que são o dobro, na estimativa otimista, ou o triplo disso, na pessimista

A décima segunda renegociação das dívidas de Estados, concluída recentemente com a aprovação do Propag, foi a mais generosa delas, e trará um enorme peso para as finanças públicas e para os contribuintes que foi ignorado pelo governo e por parlamentares. A conta do programa gestado pelo então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ungido como candidato de Lula ao governo de Minas, só agora foi detalhada pelo Tesouro: até 2047, na melhor das hipóteses, a União deixará de arrecadar R$ 797 bilhões e, na pior, até 2048, R$ 1,28 trilhão (Folha de S. Paulo, ontem).

Os dados foram obtidos com o uso da Lei de Acesso à informação pelo jornal. Quando da discussão do programa, o Tesouro chegou a calcular que, entre 2025 e 2029, na hipótese de que os Estados amortizassem 20% de seus débitos com a entrega de ativos e os juros caíssem para zero - uma das quatro opções do programa -, a União lucraria até R$ 5,5 bilhões. Na opção de nenhuma amortização e queda de juros a 2%, a União perderia nesse período R$ 105,9 bilhões. A correção das dívidas estaduais hoje é feita pelo IPCA mais juros de 4%.

O Propag prolongou o pagamento das obrigações por mais 30 anos. Como a primeira renegociação após o Plano Real foi feita em 1997, o período para quitação se estenderá por meio século sem que os débitos tenham sido de fato equacionados. Eles somam hoje R$ 765 bilhões, e apenas cinco Estados devem 90% do total: São Paulo (R$ 287,5 bilhões em 2024), Rio (R$ 171,8 bilhões), Minas Gerais (R$ 157,7 bilhões), Rio Grande do Sul (R$ 99,6 bilhões) e Goiás (R$ 18,4 bilhões). São Paulo paga seus compromissos em dia e um dos problemas da renegociação intempestiva com o Propag é que se criaram condições gerais adversas para os cofres da União para tentar resolver problemas crônicos de apenas quatro Estados.

De posse dos números completos do Tesouro, a que pelo menos o Ministério do Planejamento teve acesso, a ponto de ter sugerido seu veto integral, é possível vislumbrar o absoluto desequilíbrio do Propag, a favor dos Estados. Para equacionar R$ 447,5 bilhões dos quatro Estados que não estão honrando suas dívidas, a União abrirá mão de receitas que são o dobro, na estimativa otimista, ou o triplo disso, na pessimista. Ademais, abriu-se a porta da renegociação para todas as unidades da Federação, em um esquema que permitirá uma redistribuição fiscal de recursos para os Estados mais pobres, segundo Manoel Pires, do Observatório Fiscal do FGV-Ibre. Entre os ricos, o maior beneficiado será São Paulo, governado por Tarcísio de Freitas.

O texto aprovado estava coalhado de armadilhas. Os juros serão reduzidos se os Estados aplicarem os recursos economizados com seu pagamento em setores prioritários. Os congressistas ampliaram o número desses setores a mais de 10 deles, ou seja, tornaram tudo prioritário. A lei estabelece assim que obterão abatimento dos encargos financeiros os Estados que simplesmente cumprirem a finalidade para o qual existem: propiciar segurança, educação, saúde, infraestrutura, transportes aos cidadãos. Nesse ponto, a vontade de arrumar recursos para gastar combinou com a ideia de um presidente que acha que a economia só atingirá o crescimento por meio dos gastos públicos. As despesas estaduais em alta ajudaram a puxar o PIB para cima, mesmo que com isso várias contas pesadas estejam sendo repassadas à União e que o custo para ela financiar seu endividamento crescente seja hoje escorchante, com a taxa Selic a 13,5%, com viés de alta.

Os gastos primários dos Estados ultrapassaram os da União no terceiro trimestre de 2024 (ver artigo abaixo) e eles serão alimentados ainda com mais recursos federais sem contrapartidas. O Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado pela reforma tributária e bancado pela União para quitar incentivos concedidos pelos Estados, terá R$ 160 bilhões de aportes entre 2025 e 2029. Muito mais dinheiro irá para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que contará com ingressos anuais que somarão R$ 570 bilhões de 2029 a 2042 e, a partir daí, com R$ 40 bilhões ao ano. Lobbies no Congresso durante a reforma criaram os Fundos de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas e outro semelhante, para os Estados de Amazônia e Amapá, com dotações iniciais de R$ 25 bilhões cada.

Os desembolsos para esses fundos não serão contabilizados para efeitos de apuração do resultado primário, mas inflarão uma dívida pública elevada de 76,1% do PIB e crescendo rapidamente, porque o governo mal consegue equilibrar suas contas, enquanto os gastos continuam a subir.

Apenas com a redução de receitas até 2048, pelos cálculos do Tesouro e desembolsos com os fundos para Estados, os cofres da União terão uma pressão de cerca de R$ 2,2 trilhões, ou 18,8% do PIB a preços de hoje. A União empilhou obrigações, ciente de que está ameaçada de, já em 2027, não ter recursos para pagar todas as despesas obrigatórias, com risco de paralisia da máquina pública. O legado que um governo que não acredita na necessidade de equilíbrio fiscal deixará é péssimo, e exige uma carga fiscal impossível de ser obtida.

Custo de novo socorro a estados fica mais claro

Folha de S. Paulo

Estimativas apontam impacto para o Tesouro que pode chegar a R$ 1,3 trilhão; sociedade paga a conta com inflação e juros

A recente sanção do projeto de lei complementar que institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), enésima iniciativa do gênero no país, constitui mais um incentivo à má gestão do Orçamento público.

Sob o pretexto de aliviar o endividamento estadual, a medida não induz ajustes fiscais —enquanto prejudica a saúde financeira da União em nome de um populismo federativo que nada resolve e muito custa.

O Propag permite que estados renegociem suas dívidas com o Tesouro Nacional em até 360 parcelas, com encargos reduzidos e a possibilidade de quitar débitos com ativos como bens e participações societárias. Os juros podem cair dos atuais 4% (mais a inflação) para 2% ou zero, a depender de contrapartidas na forma de investimentos em áreas como educação e infraestrutura.

Do passivo total, em torno de R$ 765 bilhões, cerca de 90% vêm de só quatro devedores —Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Estimativas do Tesouro, reveladas pela Folha, apontam que a União pode abrir mão de quase R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras até 2048, na hipótese de todos os estados aderirem à opção de juros nulos. O cenário alternativo, com menor concessão, custaria R$ 794 bilhões no período.

Impressiona que apenas depois de aprovado o projeto tais projeções tenham vindo a público. Durante a tramitação, divulgou-se somente o impacto nos primeiros cinco anos, que ficaria em R$ 157 bilhões no pior cenário —mas com ganhos de valor similar devido à apropriação de ativos estaduais, causando a ilusão de custo quase zero.

O que se escancara agora, tardiamente, é que eventuais receitas estarão muito longe de cobrir as perdas dos cofres federais.

Longe de ser o "maior problema federativo do Brasil", como quer o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor do projeto, o que ocorre na história é um ataque repetido ao bolso do contribuinte nacional.

Para isso contribuem a força dos governadores no Congresso Nacional, a fragilidade política do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a disposição perene do Supremo Tribunal Federal (STF) em socorrer os estados, não raro ignorando os contratos assinados com a União.

Em vez de exigir contrapartidas robustas que promovam disciplina orçamentária, a lei impõe condições genéricas, como investimentos em áreas sociais sem mecanismos claros de fiscalização nem punição efetiva em caso de descumprimento.

É fácil imaginar o que vem pela frente. Estados mal geridos continuarão assim, agora com mais espaço para gastar. Enquanto o Tesouro, com menos receitas, amargará crescimento de sua dívida, já em trajetória alarmante.

A irresponsabilidade orçamentária se alastra por todos os níveis da Federação, e o preço é pago pela sociedade, especialmente os pobres, na forma de mais inflação e juros do Banco Central.

Mais diplomas de ensino superior não bastam

Folha de S. Paulo

Quantidade deve ser acompanhada por qualidade acadêmica e inserção da mão de obra no mercado para gerar desenvolvimento

Dados recentes do IBGE ratificam a já conhecida situação precária da educação brasileira, apesar de revelarem alguns avanços importantes.

A taxa de pessoas acima dos 25 anos que concluíram o ensino superior triplicou entre 2000 e 2022, de 6,8% para 18,4%. Evolução bem-vinda que se junta à redução, de 63,2% para 35,2%, do estrato de brasileiros na mesma faixa etária sem instrução ou com ensino fundamental incompleto.

Mas é penoso constatar que quase metade da população nessa idade (49,2%) nem chega a concluir o ensino médio. Ademais, o avanço no ensino superior é baixo, quando comparado ao de outros países, e deve ser analisado a partir das distorções locais.

Na média dos membros da OCDE, o percentual de indivíduos entre 25 e 34 anos com diploma universitário em 2022 foi de 47,2% Nesse contingente, de acordo com o Censo, a taxa do Brasil é de só 22,4%, abaixo dos vizinhos Chile (40,5%) e Colômbia (34,1%).

Também não basta só elevar quantidade. É preciso que o ensino seja de qualidade e que essa mão de obra integre o mercado de trabalho para incrementar produtividade, inovação tecnológica e geração de renda.

Um país com crescimento econômico pífio nos últimos anos, porém, não consegue cumprir essa tarefa, empurrando diplomados para empregos de baixa qualidade, que pagam pouco, ou mesmo para a informalidade.

Pesquisa da Fundação Getulio Vargas mostra que, entre 2012 2023, o rendimento médio do trabalho dos brasileiros que estudaram 16 anos ou mais foi o que apresentou maior queda (16,7%), seguido por aqueles que estudaram entre 12 e 15 anos (11,2%), enquanto estratos que passaram menos de 1 ano ou de 1 a 4 anos nas escolas conseguiram altas de 27,5% e 5%, respectivamente.

Segundo o IBGE, 2,1% dos brasileiros de 18 a 65 anos que disseram ter recebido auxílio do Bolsa Família em 2022 (256 mil pessoas) completaram um curso superior, ante 0,9% (84 mil) em 2016.

A formação acadêmica também preocupa, com a explosão do ensino a distância em faculdades particulares. O poder público precisa contribuir para que a alta de diplomados seja acompanhada por ensino de qualidade.

A política econômica deve ser orientada sem vieses ideológicos, para facilitar o ambiente de negócios e ampliar a absorção dessa força de trabalho especializada pelo mercado, com ganhos que façam jus aos anos de estudos.

Sem isso, o Brasil continuará num círculo vicioso de baixo crescimento, dificultando a diminuição das desigualdades sociais.

A solidão de Haddad

O Estado de S. Paulo

Tarefa do ministro da Fazenda em defesa da política fiscal ficará mais difícil com a chegada de Gleisi, que desde sempre trabalhou para prejudicar os poucos esforços de contenção de gastos

A turma do deixa-disso bem que tentou apaziguar os ânimos, mas não há como não vincular a chegada da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) à Secretaria de Relações Institucionais ao ocaso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A nomeação da presidente do PT ao cargo não deixa dúvidas sobre o caminho que o governo Lula da Silva seguirá na segunda metade de seu mandato. Nele, o espaço de Haddad tende a ser ainda mais restrito do que já é.

O ministro da Fazenda já viveu dias bem melhores no governo. Se no início foi visto como o nome capaz de garantir a credibilidade da política econômica de Lula da Silva, hoje o ministro parece atuar, e mal, apenas para reduzir danos e impedir um desastre. Ninguém, nem no governo nem fora dele, acredita que Haddad será capaz de convencer o presidente a promover as mudanças de que o País tanto precisa.

Seu pacote fiscal, prometido entre o primeiro e o segundo turno das eleições municipais, foi abertamente criticado por colegas da Esplanada dos Ministérios, como Luiz Marinho (Trabalho) e Carlos Lupi (Previdência), e internamente boicotado por Rui Costa (Casa Civil). Pior: como que a enquadrá-lo, o governo deu a Haddad a inglória missão de anunciar o plano em cadeia nacional de rádio e TV, em uma versão não apenas esvaziada como associada a uma promessa populista de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais.

Era algo previsível. Antes mesmo de assumir a Presidência, Lula já havia limitado sobremaneira o arsenal de medidas de controle de gastos à disposição de Haddad, ao apadrinhar uma emenda constitucional que permitia impulsionar os gastos muito além da justa recomposição das políticas públicas destruídas pelo bolsonarismo. À época, foi justamente Gleisi Hoffmann quem defendeu a estratégia que, para ela, era a única forma de cumprir as promessas de campanha.

Com a emenda promulgada, Haddad tomou para si a tarefa de criar um mecanismo de contenção fiscal para substituir o desmoralizado teto de gastos. Assim o fez, e rapidamente conseguiu apoio para votá-lo na Câmara e no Senado. Na contramão de Haddad, Gleisi Hoffmann trabalhou para restabelecer os pisos constitucionais de saúde e educação e impedir que as regras do novo arcabouço incidissem sobre eles, em oposição à proposta da equipe econômica.

Mal conseguiu aprovar o arcabouço fiscal na Câmara, Haddad engoliu outro sapo já no dia seguinte ao feito. Sob a liderança dos deputados do PT, que só votaram a favor da proposta porque Lula mandou, o Legislativo aprovou a política de valorização do salário mínimo e garantiu ao piso ganho real equivalente à variação da inflação e ao avanço do Produto Interno Bruto (PIB) registrado dois anos antes – mais uma medida com regra de reajuste próprio, a ignorar o limite de despesas do arcabouço fiscal recém-aprovado.

Como esperado, os pisos de saúde e educação e o salário mínimo rapidamente comprimiram o espaço dos investimentos e das emendas parlamentares no Orçamento. E Gleisi não hesitou. Se no fim do ano anterior havia criticado o que considerava ser um “austericídio fiscal” defendido por Haddad, no ano seguinte, vaticinou: “Entre mexer na vinculação do salário mínimo e mudar o arcabouço, tem de mudar o arcabouço. Simples assim”. E assim, contrariado, Haddad mudou as metas fiscais de 2025 e 2026 que havia anunciado um ano antes.

Bem se sabe que o trabalho do ministro da Fazenda não é trivial. Cabe a ele dizer “não” quando o restante do governo busca o “sim”. Mas tudo fica ainda mais difícil quando quem diverge é Gleisi Hoffmann, que, para minar os poucos esforços do governo na contenção de gastos, trabalha com mais afinco do que muitos parlamentares da oposição.

Em entrevista ao G1 na última quarta-feira, Gleisi disse que fará “tudo o que for possível para garantir 2026”, ou seja, a reeleição de Lula. Pela forma como atuou nos dois primeiros anos do mandato do petista, não é exagero algum afirmar que a deputada e futura ministra vê na política econômica defendida por Haddad o maior obstáculo à reeleição do presidente. Logo, não poupará esforços para debilitá-la ainda mais. A diferença é que, a partir de agora, o fará não mais nas reuniões internas do partido ou da tribuna da Câmara, mas de um assento dentro do Palácio do Planalto.

A política pública além do bolso

O Estado de S. Paulo

Políticas públicas são eficazes quando não recorrem a balas de prata. É dessa forma que atrativos financeiros não prescindem de outras iniciativas – o avesso do que Lula da Silva prega

Reportagem recente deste jornal mostrou as lições deixadas por um programa do governo do Chile destinado a estimular a entrada de jovens talentos na carreira docente, com moldes similares ao Pé-de-Meia Licenciaturas – iniciativa lançada pelo Ministério da Educação (MEC), que pagará uma bolsa para os estudantes que escolherem cursos que formam professores.

A intenção do ministro Camilo Santana é louvável: integrar o incentivo a ações que possam tornar a profissão docente mais atrativa e, assim, melhorar a qualidade da aprendizagem. Mas a experiência chilena – a Beca Vocación de Profesor, que começou em 2011 como um benefício para financiar a graduação de estudantes em Pedagogia e a continuação dos estudos de alunos de licenciaturas – pode servir de alerta para a equipe do MEC escapar de uma tentação comum imposta pelos vícios do lulopetismo: resumir boas políticas públicas à mera concessão de bolsas de incentivo. Cuidado que não se resume, ou pelo menos não deveria se resumir, à educação.

O evangelho do presidente Lula da Silva sugere que, se a fé move montanhas, obras e dinheiro movem popularidade perdida. Ante um presidente hoje inquieto pela desaprovação da maioria do País, ansioso por resultados imediatos e pressionado pelo tempo que lhe resta de mandato, a cartilha de Lula se torna ainda mais perigosa. Converte-se em atalho fácil para simplificações e soluções marqueteiras, como se viu no recente pronunciamento em que, embora sem novidades, colocou o Pé-de-Meia como uma “ação extraordinária” que “está ajudando 4 milhões de jovens a permanecerem na escola” e, ora vejam, “melhorando a qualidade do ensino”.

De fato, o Pé-de-Meia é uma boa iniciativa para evitar a evasão de jovens, mas não se pode esperar do programa algo que não tem condições de cumprir. Apesar da fantasia difundida pelo presidente, contudo, incentivar com dinheiro a permanência de jovens na escola não garante, por si, um melhor ensino médio. Mesma regra elementar valerá para a variação do programa, o Pé-de-Meia Licenciaturas, como informa a experiência chilena. É necessário, por exemplo, preocupar-se com a formação inicial de professores, aperfeiçoar a qualidade de cursos e coordenar ações para o fortalecimento da docência.

Políticas públicas são eficazes quando não recorrem a balas de prata. É dessa forma que atrativos financeiros não prescindem, nesse caso, de outras iniciativas, como melhores condições de trabalho, infraestrutura das escolas, projetos pedagógicos aperfeiçoados, aceitação e prestígio social, preservação da integridade física em áreas vulneráveis e outros muitos fatores que demandam escala e tempo – o avesso do que o ansioso Lula da Silva costuma sugerir. Sem falar na capacidade de colocar em prática múltiplas ações, com metas, indicadores, cronogramas, orçamentos e responsabilidades, além da disposição para ajustá-las ou encerrá-las conforme o impacto das medidas implementadas.

Tudo isso, para Lula, costuma ser palavrão e sinônimo de demora – e ele invariavelmente recorre ao seu vasto arsenal de ilusões e anúncios eloquentes e populistas. Em dezembro, ele manifestou indignação ao descobrir que milhões de brasileiros não têm banheiros em suas casas e informou ter mandado construí-los. Ainda que seja uma boa medida humanitária, ela não resolve o problema: a crônica falta de saneamento básico, fruto de décadas de incompetência das estatais do setor. Se quase metade da população não tem saneamento, a construção de banheiros sem interligação com a rede de esgoto é inócua. Como será inócua a construção de centenas de unidades de institutos federais de educação, ciência e tecnologia, como Lula anunciou, difundindo cifras bilionárias do Programa de Aceleração do Crescimento sem o governo repensar o modelo do ensino técnico e profissionalizante de que o País dispõe. É como querer resolver o problema da alfabetização apenas instalando bibliotecas nas escolas públicas.

Governos gostam de conceber planos, mas governos realmente responsáveis têm como meta não só colocar planos em prática como desenhar e implementar políticas públicas bem-sucedidas, de longo prazo e independentes dos interesses eleitorais imediatos – uma empreitada difícil que costuma separar governantes e estadistas.

Os riscos da obesidade

O Estado de S. Paulo

‘Atlas Mundial da Obesidade’ traz diagnóstico desafiador para superação da doença que cresce no Brasil

O Atlas Mundial da Obesidade 2025 traz um diagnóstico pouco alentador para o Brasil. Segundo o documento da Federação Mundial da Obesidade (WOF, na sigla em inglês), três em cada dez brasileiros vivem com obesidade, e sete em cada dez têm sobrepeso. Nada menos do que 12,9% das crianças entre 5 e 9 anos de idade estão acima do peso.

A obesidade, para piorar, esconde outros riscos para a saúde, como diabetes, acidente vascular cerebral (AVC) e enfarte. São as chamadas doenças crônicas não transmissíveis e que poderiam ser evitadas com mudanças de hábitos.

Porém, como bem pontuou Bruno Halpern, vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e presidente eleito da WOF para o período 2026-2027, não basta força de vontade. Com tantos obesos no País, “não dá mais para falarmos que cada um tem que mudar sozinho, que a mudança é individual”.

Por isso, a WOF apresenta uma série de recomendações, como a promoção da atividade física, de políticas de rotulagem de alimentos e de tributação diferenciada. São propostas meritórias, haja vista que a atividade física, se estimulada como uma política pública, pode reduzir o índice de obesidade; a rotulagem dos alimentos, que hoje já indica os riscos para a saúde do consumo de determinados produtos, pode ser aprimorada; e o aumento de impostos sobre os ultraprocessados ou as bebidas açucaradas pode até inibir o consumo.

Mas uma realidade difícil se impõe para boa parte das famílias brasileiras. Em que pese a epidemia da obesidade, é preciso cautela com propostas que simplesmente visam a aumentar a taxação sobre ultraprocessados, dado que esse tipo de alimento, embora esteja longe de ser a melhor opção, é bastante consumido pela população mais vulnerável em razão do baixo custo e da praticidade.

É óbvio que o ideal seria que todos os brasileiros pudessem ter acesso a alimentos saudáveis, mas isso hoje é economicamente impossível. Como mostrou pesquisa publicada na revista científica Cadernos de Saúde Pública, apenas 22,5% dos brasileiros consomem a quantidade ideal de frutas e hortaliças em razão da crise econômica e dos preços.

Sem ação, a obesidade no País aumentará. Segundo as projeções dos pesquisadores, serão 55,8 milhões de homens e 63,3 milhões de mulheres com IMC alto em 2030, ante 32,6 milhões de homens e 34,4 milhões de mulheres nessas condições em 2010. Para que esse quadro de enfermidade mude e também para evitar seu aprofundamento, são necessários esforços amplos de toda a sociedade, das esferas de governo e dos setores produtivos.

Essa transformação exigirá políticas públicas de estímulo à produção de alimentos saudáveis em larga escala, mais informações à população sobre as vantagens da alimentação saudável e da atividade física, e uma nova atitude frente aos alimentos em casa, sob responsabilidade das famílias, e nas escolas, com a redução de ultraprocessados na merenda pública e nos lanches das cantinas dos colégios particulares. Só assim as futuras gerações não estarão condenadas a um futuro de restrições e sofrimento.

Mobilização contra uma doença silenciosa

Correio Braziliense

No Brasil, 66.517 adultos estão na lista de espera por um transplante de órgão. Desse total, os de rim lideram o ranking, com mais da metade das solicitações

"Seus rins estão ok? Faça exame de creatinina para saber." Esse é o slogan da campanha promovida pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) para o Dia Mundial do Rim, na próxima quinta-feira, 13 de março. Este ano, a SBN vai divulgar cerca de 900 atividades que incentivam as pessoas a recorrerem ao exame de creatinina, um dos melhores indicadores da saúde dos rins, porque avalia a capacidade do órgão de filtrar resíduos do sangue. Os níveis elevados de creatinina podem indicar doenças como insuficiência renal crônica, uma condição crescente no Brasil.

Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), dados de setembro de 2024 mostram que, no Brasil, 66.517 adultos estão na lista de espera por um transplante de órgão. Desse total, os transplantes de rim lideram o ranking, com mais da metade das solicitações (36.642), seguidos por córnea (27.645), fígado (1.384), coração (361), pâncreas/rim (283) e pulmão (190). Entre os estados, São Paulo ocupa a primeira posição na busca por um órgão (24.572). Na sequência, Minas Gerais (7.084), Rio de Janeiro (6.273), Bahia (3.736), Paraná (3.371) e Pernambuco (3.139). 

Com relação à mortalidade, de 11.328 adultos e 2.916 crianças que ingressaram na lista de espera entre janeiro e setembro de 2024, morreram, respectivamente, 238 e 12 pacientes, o que comprova a importância de cuidar dos rins durante toda a vida. Sobretudo porque os sintomas de complicações renais são perceptíveis — como cansaço excessivo, aumento do volume de urina, inchaço e dor na região lombar —, mas os primeiros indícios da doença renal crônica são silenciosos, como dificuldade de concentração e perda de apetite. A enfermidade costuma ser descoberta em fases mais avançadas, quando são considerados tratamentos desgastantes, como a hemodiálise ou a diálise peritoneal. 

Outro desafio é que o rim transplantado não dura para sempre. Em média, um órgão sadio pode funcionar por 10 anos ou mais, mas aspectos como transplantes anteriores, intercorrências ocorridas no momento do procedimento cirúrgico, o número de transfusões de sangue recebido pelo paciente e a própria qualidade do órgão doado podem interferir na duração de seu funcionamento.

Portanto, no checape anual ou nos exames de rotina, seja com um clínico geral, seja com um urologista, é fundamental que o médico solicite o teste da creatinina no sangue, além de tantos outros, como o hemograma, glicemia de jejum, triglicérides e colesterol. Se não o fizerem, que os pacientes os lembrem da necessidade de incluir a saúde renal.

Prevenção nunca é demais. E as medidas de educação em saúde, também. Entidades de saúde públicas e privadas, juntamente com autoridades, precisam se mobilizar para escancarar ao público a necessidade dos cuidados e, obviamente, a importância da doação de órgãos. O Dia Mundial do Rim, na semana que vem, é uma boa oportunidade para isso.

 

 

Nenhum comentário: