Correio Braziliense
O Brasil possui um legado na diplomacia
reconhecido globalmente, mas precisa se reinventar para ampliar sua influência
e refletir na arena externa as demandas de uma sociedade plural
"Por que as nações fracassam?" — a
pergunta central de Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, vencedores
do Prêmio Nobel de Economia em 2024, ecoa como um alerta para países que
negligenciam o fortalecimento de suas instituições. Em tempos de crise global,
em que autoritarismos avançam e democracias vacilam, a resposta está na
construção de instituições inclusivas — aquelas que distribuem poder,
incentivam a participação e se renovam sem perder solidez. O Serviço Exterior
Brasileiro, diante dos desafios do século 21, encarna esse dilema: como
preservar sua tradição de excelência sem se tornar refém de estruturas
engessadas que, paralisadas pelo tempo, podem levar ao declínio?
A carreira diplomática sempre esteve em constante evolução. Se, por um lado, a tradição garante a solidez institucional e a continuidade de princípios fundamentais, por outro, a inovação é indispensável para que a diplomacia responda aos desafios de um mundo em transformação. O Brasil possui um legado reconhecido globalmente, mas precisa se reinventar para ampliar sua influência e refletir na arena externa as demandas de uma sociedade plural.
O fortalecimento institucional do Itamaraty
passa necessariamente pelo diálogo social e pela participação ativa de suas
servidoras e seus servidores. A negociação sindical, longe de ser um obstáculo,
é parte essencial do processo democrático de modernização. Quando as
instituições abrem espaço para a representação coletiva e incorporam as
demandas de seus profissionais, tornam-se mais legítimas e eficientes. Esse é o
cerne do que os economistas referidos chamam de "instituições
inclusivas": aquelas que criam mecanismos de participação e controle,
evitando a concentração de poder e o engessamento burocrático que caracterizam
Estados em declínio.
O Itamaraty, em seus 200 anos, construiu uma
tradição baseada na paz, no multilateralismo e na autodeterminação dos povos —
pilares que lhe conferem respeito internacional. No entanto, como lembram
Acemoglu, Johnson e Robinson, instituições só prosperam quando se adaptam.
Hoje, o ministério enfrenta o desafio duplo de modernizar-se e tornar-se mais
representativo: aumentar a presença de mulheres, negros, indígenas e pessoas
com deficiência não é apenas uma questão de justiça social, mas de eficiência
diplomática. Um corpo diplomático diverso é mais capaz de interpretar e
negociar em um mundo complexo.
A reforma do Regime Jurídico do Serviço
Exterior, em discussão desde 2024, é um passo crucial. A atual estrutura
piramidal de carreiras, aliada a promoções lentas, quando não paralisadas,
pautadas por mecanismos personalistas e pouco transparentes, precisa dar lugar
a um modelo de carreira ágil, que valorize mérito, capacitação e experiências
multidisciplinares e multiculturais. A proposta em negociação prevê carreiras
mais fluidas, progressão justa e capacitação continuada — elementos que
aproximam o Itamaraty das "instituições inclusivas" defendidas por
Acemoglu, Johnson e Robinson, onde oportunidades são abertas e o talento é
recompensado.
Manter-se fiel às tradições não significa
resistir à mudança. Pelo contrário, as nações bem-sucedidas são aquelas que
equilibram estabilidade institucional com adaptabilidade. A diplomacia
brasileira do futuro deve ser tão diversa quanto o país que representa, tão
ágil quanto os desafios globais exigem e tão sólida quanto sua história
demanda.
No Dia do Diplomata, celebramos não apenas o
passado, mas o futuro que está sendo construído. Como alerta a ciência mais
atualizada, o fracasso das nações começa quando elites se fecham em
instituições encasteladas, incapazes de renovação. O Brasil tem a chance de
evitar esse destino, modernizando seu Serviço Exterior sem renunciar a seus
princípios. O caminho já está sendo traçado: por uma diplomacia que seja, ao
mesmo tempo, espelho da sociedade brasileira e farol para um mundo em crise.
Porque nações só prosperam quando suas instituições são fortes, democráticas e
— acima de tudo — abertas ao futuro.
*Gustavo Buttes — presidente da
Associação e Sindicato dos Diplomatas do Brasil(ADB Sindical), diplomata de
carreira
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