O Estado de S. Paulo
O mundo democrático foi mais uma vez
surpreendido com a decisão de Trump de revogar a autorização da Universidade de
Harvard para matricular estudantes estrangeiros. A medida foi uma retaliação à
recusa da universidade em entregar documentos de seus alunos. Pouco depois, a
Justiça federal americana bloqueou a decisão, mas a incerteza permanece.
Adam Przeworski, um dos maiores estudiosos da
democracia, está pessimista. Para ele, “o governo Trump é um verdadeiro
tsunami. Inunda tudo indiscriminadamente (...). Pensávamos que o colapso da
democracia nos EUA era praticamente impossível, como evidências empíricas
indicavam”.
Até que ponto a democracia americana está sob risco?
Pesquisas já apontam a importância do legado
institucional — a força das instituições, como a independência do Judiciário, o
Estado de Direito, a competição política pluralista, eleições livres,
alternância no poder e uma imprensa independente — para conter os avanços de
governos autocráticos.
No entanto, há um segundo fator igualmente
decisivo: a capacidade de um governo eleito com tendências autocráticas de
galvanizar apoio majoritário robusto entre as forças políticas e cooptar elites
estratégicas para seu projeto.
Quando as instituições são débeis e o
autocrata não consegue formar uma maioria, a erosão democrática pode ocorrer,
como foi o caso da Argentina de Menem e do Equador de Gutiérrez. Mas, nesses
casos, a democracia tende a se restabelecer com maior facilidade.
Já a quebra completa da democracia ocorre
mais frequentemente quando há um legado institucional fraco e um governo
autocrático com amplo apoio político, como demonstra o caso da Venezuela sob
Chávez e Maduro.
Em contextos de instituições robustas e
governos autocráticos minoritários, a democracia tende a resistir a iniciativas
iliberais, como ocorreu no Brasil sob Bolsonaro ou na Colômbia sob Uribe.
O maior desafio surge quando um país com
instituições sólidas e tradições democráticas enfrenta um governo com
tendências autocráticas que consegue construir uma base majoritária ampla e
cooptar atores estratégicos — o cenário atual nos Estados Unidos de Trump. Essa
combinação cria incertezas profundas, pois até mesmo democracias consolidadas
podem sucumbir.
No fim das contas, o destino da democracia é
definido por essa interação entre a força das instituições e a capacidade de
autocratas de formar coalizões amplas. Democracias não resistem apenas pela
solidez de suas instituições — elas também dependem de uma sociedade
politicamente fragmentada, vigilante e capaz de evitar que governos iliberais
se consolidem no poder. •
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