sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Igor Gielow: Ato extremo lança incertezas sobre radicalização do ambiente eleitoral

- Folha de S. Paulo

Atentado inédito pode causar refluxo ou aumentar extremismo, criando incertezas na campanha

O atentado contra Jair Bolsonaro, ato inédito em campanhas presidenciais desde a redemocratização, insere um elemento de imprevisibilidade na já turbulenta disputa pelo Palácio do Planalto.

O presidenciável, se sobreviver às sequelas do grave ataque, tende a ser beneficiado politicamente pelo episódio. No mínimo, ficará difícil para seus adversários manterem o ritmo diário de críticas contra ele.

Mas há alguns fatores concorrendo contra a expansão dessa simpatia para além de sua base de apoio, hoje cristalizada nos cerca de 15% do eleitorado que declaram voto nele espontaneamente.

O primeiro diz respeito à autoria do ataque. O suspeito de ter esfaqueado o deputado foi filiado ao PSOL e, segundo relatos disponíveis, parece desequilibrado.

Alguma conta política cairá para o partido de Guilherme Boulos. Não que isso vá piorar ou melhorar seu desempenho de nanico, mas poderá alimentar o impacto mais importante: na radicalização já em curso no país.

A primeira reação dos bolsonaristas foi previsivelmente exacerbada, reforçada pela associação à esquerda do agressor. Membros da cúpula militar, reunidos em Brasília, avaliavam conversar com o núcleo familiar da campanha para pedir moderação.

O atentado é o zênite do processo de polarização extrema que toma conta do país desde os protestos de junho de 2013.

Naquele momento, forças desorganizadas da sociedade explodiram em descontentamento com o rumo da gestão pública, e a franja à direita que desenvolveu-se a partir dali ganhou corpo com as manifestações de rua pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016.

Historicamente eleitora do PSDB, essa fatia da população passou a ser fomentadora da figura de Bolsonaro. Se aqueles processos não produziram cadáveres, o extremismo do processo político literalmente feriu o líder das pesquisas eleitorais.

Poderá isso gerar um refluxo, uma rejeição à defesa desses extremos associada ao processo de formação da candidatura de Bolsonaro?

Ele disputa surfando uma onda de indignação contra o sistema político, independentemente de ser parte dele.

Para complicar o cenário, a retórica bolsonarista invariavelmente apela a metáforas violentas. Compara o combate ao crime ideal a uma política de extermínio de bandidos.

Além de sempre associar-se ao simbolismo das armas, Bolsonaro até teve de se explicar à Procuradoria-Geral da República por ter dito que gostaria de “metralhar” petistas.

Nesse sentido, é inconveniente ironia que um candidato que defende armar a população para garantir a segurança pública ter sido alvejado de forma quase fatal por uma prosaica faca de cozinha.

Obviamente, isso não é justificativa para violência alguma, como muitos já insinuam em redes sociais. Mas é central para ajudar a entender o caldo cultural em que a campanha eleitoral se desenrola.

É possível especular se o ato extremo poderá levar a um desejo por apaziguamento de ânimos no país.

Mas o exato reverso também é uma possibilidade, talvez até maior. Ou seja, a agudização do ambiente de crise, com os clamores dos aliados de Bolsonaro, mas não só.

Na internet, por exemplo, já circulavam teorias conspiratórias sugerindo que o ataque poderia ser uma armação visando dar um empurrão eleitoral a Bolsonaro. O fato de o deputado quase ter morrido exangue, pelo relato médico disponível, é mero detalhe para quem propaga esse tipo de informação.

Esse cenário de aumento de agressividade só tem paralelo histórico recente com os enfrentamentos entre brizolistas e colloridos no primeiro turno de 1989.

O problema, aqui, é que o patamar da crise é infinitamente maior de saída. As investigações sobre o caso deverão ser fundamentais para aclarar o cenário e trazer algum grau de racionalidade.

País que teve seu primeiro presidente civil em 21 anos morto antes de tomar posse, o Brasil parece fadado a lances dramáticos. Em 2014, a morte de Eduardo Campos (PSB) em um acidente de avião quase catapultou sua então vice, Marina Silva, à Presidência.

Se analistas achavam difícil este 2018 ser superado em termos de nebulosidade eleitoral, o atentado apenas prova que no fundo de todo poço sempre reside um alçapão.

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