segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

São Paulo: grandeza e humildade

Alberto Goldman
Vice-governador do estado de São Paulo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Qual a razão da pujança do Estado de São Paulo? Bem, isso faz parte de trabalhos bastante conhecidos sobre a formação econômica do Brasil. Lá aprendemos que a cultura do café, face à existência de boas terras em São Paulo e de uma demanda mundial crescente, tornando-se o principal produto de exportação do país, atraiu para o Estado a mão-de-obra necessária para o cultivo do produto. Assim, entre as diversas razões do desenvolvimento de São Paulo, talvez a mais significativa tenha sido o conjunto de imigrações e migrações que povoaram o estado.

Depois da abolição da escravatura, em 1888, a opção foi a imigração em massa para substituir o trabalho escravo. Embarcados na terceira classe dos navios, em precárias condições, vieram os italianos que fugiam da pobreza em seu país, em busca de um chão de terra para produzir ou de um emprego modesto na nascente indústria. Vieram os japoneses, atraídos pelo enorme espaço para ser plantado e colhido. Vieram árabes e judeus, em busca da América, o novo mundo. Vieram portugueses e espanhóis, deixando seus países em busca de melhores oportunidades.

Assim, São Paulo, capital do estado, tornou-se a terceira maior cidade italiana do mundo, a maior cidade japonesa fora do Japão, a maior cidade libanesa fora do Líbano, a maior cidade portuguesa fora de Portugal e a maior cidade espanhola fora da Espanha. A partir de 1887, só pela Hospedaria do Imigrante — conjunto de alojamentos em São Paulo — passaram perto de 3 milhões de pessoas. Qual era o diferencial desses imigrantes? Era que, apesar de pobres, carregavam culturas milenares que lhes possibilitaram trabalhar e crescer socialmente. E, finalmente, vieram os migrantes nordestinos, castigados pelo clima e pelos coronéis, que encontraram em São Paulo o seu ganha-pão. Tudo isso, mesclado às populações indígenas nativas e aos escravos africanos, formou uma população mestiça que se chama hoje de paulista, ou melhor, o brasileiro de São Paulo. Meu pai, judeu imigrante da Polônia, sempre abençoava o país que lhe permitiu construir uma vida decente e uma família feliz. Mas nunca se referia a São Paulo, sempre ao Brasil.

A mistura de raças, etnias e culturas é a razão do dinamismo de São Paulo e marcou profundamente a vida econômica, social e cultural do estado. Suas terras férteis, suas indústrias de alto desenvolvimento tecnológico, seu porto marítimo, os investimentos estrangeiros e, posteriormente, estatais, em ferrovias e energia elétrica, seus hospitais de referência e suas consagradas universidades, sustentados pelo orçamento do estado e abertos a todos, transformaram São Paulo nesse pedaço vibrante do Brasil. O brasileiro que mora lá só é paulista por determinação geográfica. Por isso, em São Paulo, não existe o bairrismo. E talvez por isso mesmo, quando nós, os paulistas, nos atiramos na vida política, vemos mais o Brasil em toda sua dimensão do que os limites de uma província, por mais importante que seja e por mais que a amemos.

São Paulo sempre teve forte presença nacional em virtude do seu potencial econômico. Nada mais natural. Mas desde 1930, após o paulista Julio Prestes, nunca houve um paulista na Presidência da República. Foram cariocas, gaúchos, mineiros, nordestinos. Jânio Quadros, Fernando Henrique Cardoso e Lula, ainda que tenham feito carreira política em São Paulo, nasceram em outros estados. Tão avessos os políticos paulistas são ao provincianismo e ao racismo que a cidade de São Paulo elegeu como seu prefeito Celso Pitta, negro e carioca.

Um fato recente ilustra essa conduta dos paulistas. Quando, em 1986, ao fim da ditadura, procurava-se o melhor nome das forças democráticas para enfrentar o paulista Paulo Maluf, a escolha foi coordenada por dois homens que eram os maiores símbolos da luta democrática: Ulisses Guimarães, o comandante da oposição ao regime militar, e Franco Montoro, o governador de São Paulo, que tinha, sabidamente, o maior apoio popular. Mas, com a visão de estadista, no interesse do Brasil e da transição democrática, Montoro articulou a escolha do mineiro Tancredo Neves que, com total apoio dos paulistas, venceu o pleito. São Paulo é assim: grandeza e humildade.

A origem geográfica do brasileiro que deve presidir o Brasil não tem qualquer importância. Importância, sim, tem sua história, seu espírito público e sua capacidade de dirigir o país.

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