O deputado Oscar Dias Corrêa (1921-2005) tocou vários instrumentos na vida. Foi magistrado, ensaísta, romancista. E mais, ministro da Justiça e do Supremo Tribunal. E um erudito e poliglota, que aprendeu a falar um italiano para ler no original A Divina Comédia , de Dante Alighieri, que sabia quase todo de cor.
Um excelente deputado federal pela UDN mineira, dos mais moços da brilhante bancada integrada por Milton Campos, Afonso Arinos, Alberto Deodato, Bilac Pinto, da Câmara dos Deputados nos tempos da capital no Rio, antes da mudança para Brasília, em 21 de abril de 1960. Uma seleção dos seus trabalhos foi editada pelo Senado Federal (volume 117), e eu recebi um exemplar do seu filho Oscar, que li de um fôlego, com os olhos míopes da saudade.
Na página 353, no artigo que traça o perfil do deputado Odilon Braga, garimpei a pepita de um dos melhores resumos de evocação da fase de ouro da eloquência, da modéstia e da compostura da antiga Câmara, que ofereço aos senadores e deputados do pior Congresso de todos os tempos.
Jovem, “de todos os privilégios que a vida me concedeu, de um, pelo menos, não me esquecerei nunca, pelo significado moral e intelectual da realização pessoal, de consciência do dever cumprido para com a nação: o de ter ingressado na vida pública na época em que floresceu uma das mais nobres, altivas, competentes e dignas gerações de homens públicos do país, que no Parlamento encontrei, com quem aprendi, no exemplo e no convívio, a amar, ainda mais, o Brasil”.
“Àquela época, no Rio tranquilo dos meados do século, ia para a Câmara de ônibus, que a família crescia e os subsídios de deputado não autorizavam exageros. Não tinha automóvel e, na volta, quase sempre, Odilon Braga, morando na Rua Joaquim Nabuco e eu na Figueiredo Magalhães, vizinho de Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos, Adauto Cardoso, Guilherme Machado e Rondon Pacheco – me convidava para o retorno no seu Pachkard já bem usado, mas em bom estado de conservação”.
“Vivíamos todos modestamente numa Câmara que funcionava com todas as comissões instaladas, sessões todos os dias, quorum folgado de presença maciça, salvo quando, no uso do direito sagrado de obstrução das minorias, em defesa do país, estávamos na Câmara, mas negávamos número, forçando a maioria a reexaminar as teses que nos pareciam contrárias aos superiores interesses do país; não tínhamos gabinetes nem assessores, mas os pareceres e votos saíam a tempo e a hora, e ainda tínhamos tempo, e ainda encontrávamos vagar para os estudos e a publicação dos ensaios, como os de Odilon sobre O Estado no direito constitucional moderno, Teoria da composição do Poder Legislativo ; e A opinião pública no momento atual”.
Cita o trecho da análise de Odilon Braga, sobre os problemas produzidos pela 2ª Grande Guerra, em face da democracia, tema difícil àquela hora, em face do governo autoritário que imperava: “Se o Brasil está de armas em punho, ombro a ombro com os cruzados da democracia, prestemos sem subsídios, sem privilégios, sem publicidade, sem condições, aos que arcam com os agora severos e inquietantes encargos dos seus postos de governo e de administração, o apoio e os serviços que lhes prestaríamos”.
Voltamos ao texto e às saudades de Oscar Dias Corrêa: “Tempo de modéstia, trabalho permanente, sacrifício abençoado, pelo bem do povo, nossa única preocupação, nossa ânsia permanente, no qual floresceram estadistas que honram nossa História pelo zelo cívico, pela lealdade democrática, pelo fulgor intelectual, pelo amor ao Brasil”.
Muitas páginas adiante, no perfil do mineiro Milton Campos, que foi deputado federal pela UDN, governador de Minas, candidato a vice-presidente, traído pela manobra do Jan-Jan do conchavo de Jânio Quadros com Jango Goulart, Oscar Dias Corrêa invoca o depoimento de Carlos Drummond de Andrade: “Ele foi o homem que a gente gostaria de ser” e lembra que Carlos Castelo Branco, que o viu de perto desde os tempos em que, estudando em nossa Faculdade de Direito, o seguiu e admirou, afirma que ele foi “a maior figura de homem público e de cidadão que conheci”.
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