sábado, 6 de agosto de 2011

A CPI da faxina :: Guilherme Fiuza

A presidente Dilma declarou que o combate à corrupção não será pautado pela mídia. Fez eco ao ex-presidente Lula, que dissera pouco antes que a imprensa prefere as notícias ruins. De fato, se não fosse essa impertinência da imprensa, as notícias sobre o governo seriam muito melhores: o Ministério dos Transportes seria um mar de rosas, a consultoria de Palocci seria problema dele, e até Erenice Guerra estaria despachando normalmente com seus parentes e amigos no Palácio.

Bem que a presidente tem feito a sua parte para não deixar a imprensa contaminar o país com notícias ruins. Depois das primeiras manchetes sobre o escândalo do Dnit, Dilma elogiou publicamente o então ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Fizera exatamente o mesmo com Palocci (e com Erenice, quando ainda era candidata). Mas a mídia continuou espalhando sujeira a respeito desses personagens, e a presidente teve que empunhar a vassoura e o pano de chão.

A tarefa de limpar manchetes não é fácil. No caso Palocci, foi testada uma química interessante: entregar um ministério importante a uma ministra desimportante. Deu certo - a Casa Civil sumiu do noticiário. Depois da habitual espuma feminista, Gleisi Hoffmann só reapareceu nas páginas graças ao ministro Nelson Jobim, que, já não sabendo mais o que fazer para ser demitido, declarou que ela "não conhece nada de Brasília". Fora isso, limpeza total.

A faxina no noticiário sobre os Transportes se revelou um pouco mais complicada. O detergente das demissões em série produziu lá o seu brilho, mas a sujeira teimava em reaparecer. Numa das passagens mais aflitivas, quando foi nomeado o novo coordenador-geral de Operações Rodoviárias do Dnit, a imprensa lambuzou tudo outra vez.

O GLOBO revelou que o escolhido para a limpeza era acusado de favorecimento a empreiteiras, representadas por sua própria esposa. O escândalo do escândalo foi para as manchetes com o nome de "Casal Dnit", mostrando que Lula tem toda razão: a mídia negativista não poupa nem a vida conjugal dos companheiros.

Apesar dessa impertinência, Dilma pode ficar tranquila: a imprensa não vai mesmo pautar o combate à corrupção - pelo menos enquanto jornalistas não tiverem poder de polícia. O máximo que a mídia pode fazer é passar adiante as "notícias ruins" que saem das tripas do governo popular. Mas nem o mais implacável bombardeio de manchetes será capaz de desfazer o método petista de ocupação do Estado, pelo menos não retroativamente. Nem tampouco mudar o DNA da privatização partidária do poder.

Essa seria a verdadeira faxina. O resto é maquiagem para distrair a opinião pública.

E ela se distrai facilmente. A novela da CPI do Dnit é a melhor prova. Mais do que investigar a corrupção, essa CPI poria na berlinda o mito da grande gestora que virou presidente. Como supervisora de todos os projetos do governo, mãe do PAC e outros apelidos, Dilma conviveu com a montagem da farra orçamentária do Dnit, e seus aditivos intermináveis. Ralos de dinheiro público se abriram sob seus pés, configurando, no mínimo, um desastre administrativo. E o Brasil continua achando que elegeu uma gerente.

O problema é que a mídia tem outras notícias ruins para dar. As bolsas despencam ao redor do mundo, o ministro da Defesa resolve despencar também, e lá se vai a CPI do Dnit para o pé de página. Aí o povo esquece, os senadores murcham e a casa fica um brinco.

Enquanto algumas meias dúzias de despachantes do PR são postas na rua, motivando brados ufanistas contra 500 anos de corrupção (a generalização é a maior amiga do corrupto), o governo segue tranquilo em seu desgoverno. A dispensa de projetos executivos para as obras viárias, por exemplo, que facilitou o escândalo do Dnit, é aprovada por Dilma para "acelerar" as obras da Copa do Mundo. E a arquibancada assiste.

Assim vão sendo montados os desastres administrativos, que alimentarão as manchetes "negativistas" do futuro.

E o que faz o governo Dilma, além de abastecer esse noticiário que depois terá de varrer? Faz coisas como a recém-anunciada "política industrial", um moderno instrumento de três décadas atrás, que consiste em derramar bilhões de reais em isenções fiscais para alguns setores eleitos para "puxar a nossa economia". O ministro da Fazenda ainda declara: "O mercado deve ser usufruído pela indústria brasileira."

À parte as considerações sobre o nacionalismo importado do século passado, uma coisa é certa: no caixa dois ou no caixa um, aí está um governo generoso com o chapéu do contribuinte.

Mas não tem problema. O povo está animado com a moralização. Manchetes novas vão soterrando as antigas, delitos vão sendo corrigidos pela faxina do esquecimento. Flagrado há dois anos em nepotismo explícito no Senado, José Sarney comenta as denúncias envolvendo o irmão do líder do governo, Romero Jucá: "Parente no governo sempre cria problema."

O Brasil merece.

Guilherme Fiuza é jornalista.

FONTE: O GLOBO

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