Mauro Zanatta
BRASÍLIA - Após um ano debaixo de fortes críticas de movimentos sociais do campo e de reprimendas públicas de organizações sindicais rurais, o governo Dilma Rousseff prepara uma ofensiva para driblar a má avaliação das ações para a agricultura familiar e a lentidão do processo de reforma agrária.
O governo já tem pronto para anunciar, no início de 2012, o que chama de "terceira geração de políticas públicas" com o objetivo de ampliar os benefícios da Lei da Agricultura Familiar para além dos tradicionais produtores familiares e assentados da reforma agrária. O desenho passa pela inclusão, no centro dessas iniciativas, de pequenos silvicultores, pescadores, aquicultores, extrativistas, povos indígenas e quilombolas.
É uma forma de agradar à base rural historicamente ligada ao PT. Mas uma troca no comando do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) segue no radar do Palácio do Planalto, onde é mal avaliada a gestão do atual titular, o deputado federal Afonso Florence (PT-BA). No início de dezembro, o governo criou o cargo de secretário-executivo-adjunto da Casa Civil para filtrar demandas e também acompanhar a gestão da reforma agrária. Apenas um decreto de desapropriação de terra foi assinado por Dilma em 2011 - e foi para uma área quilombola. Dos 150 processos já prontos desde janeiro, a Casa Civil escolheu 60, publicados somente na segunda-feira, dia 26, última semana do ano. Apenas 20 mil famílias haviam sido assentadas neste ano até então, informa o Incra - bem menos do que as 30 mil famílias do primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva no poder, em 2003. Dos R$ 400 milhões suplementares para pagar ações judiciais e desapropriações em 2011, nada foi liberado.
Para deixar o canto do ringue, a primeira nova ação do MDA, informou o ministro Afonso Florence ao Valor, será a segunda fase do programa Mais Alimentos. Criado durante o governo Lula para financiar, a juros baixos e prazos longos, máquinas e equipamentos aos agricultores familiares, o programa passará a incluir subsídios a todos os insumos e será estendido à cadeia produtiva. "Vamos passar a cobrir o acesso ao chamado pacote tecnológico", disse Florence.
Outra ação é o lançamento de uma plataforma eletrônica de negociações, no modelo "e-commerce", que prevê integração em rede, oferta de serviços, comercialização e logística para agricultura familiar e reforma agrária por meio de sindicatos e duas mil cooperativas e associações, atualmente habilitadas pelo MDA. "A ordem é integrar ações e compartilhar instrumentos", diz o ministro. Em resumo, um produtor do Rondônia, um extrativista do Amazonas e um pescador do Ceará terão um "portal" onde vão demandar e ofertar desde embalagens até serviços de transporte. E os Correios serão parte fundamental na logística.
A avaliação de paralisia na área, disseminada pelos movimentos do campo, é atribuída à pouca simpatia da presidente Dilma com o tema agrário. A prioridade total dela é o programa Brasil sem Miséria, onde o MDA é apenas coadjuvante, avaliou um ex-ministro ao Valor. "O foco de Dilma é economia, emprego e desenvolvimento", diz. E o MDA tem dificuldade de "encaixar" o agrário no desenvolvimento e tampouco conseguiu "disputar a agenda", como se diz no jargão do governo, como um tema econômico essencial ao país.
A lente usada por Dilma, até aqui, vê o rural como base exportadora, monitora o etanol, mas não entra em questões controversas, como a concentração da terra, índices de produtividade ou a monocultura. Parte disso é explicado pela ampla coalizão governista no Congresso, que inclui a poderosa bancada ruralista desde o governo Lula. A agricultura familiar de grande potencial, produtiva e cujo PIB é relevante, tem sido relegada ao segundo plano, avalia o ex-ministro. Crédito farto, rolagens e remissões de dívidas têm sido a política até aqui.
Membro do conselho político da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf Brasil), o deputado gaúcho Altemir Tortelli (PT), aponta falhas: "Falta assistência técnica, que tinha que ter investimento bilionário". E diz que as novas ações vão enfrentar problemas. "Tem muita gente no Mais Alimentos que não vai ter condição de pagar dívidas. E falta estruturar gestão das pequenas cooperativas e agroindústrias".
Mesmo com a tentativa de "virar a página" das críticas contundentes, o ministro Afonso Florence, já foi avisado por emissários do Palácio do Planalto que precisa "acelerar" e remediar o "tempo perdido" em 2011. Afilhado político do governador baiano Jaques Wagner (PT), o professor e historiador sofre críticas de todos os principais movimentos sociais influentes no campo. Diz que "política é dinâmica" e reconhece, em referência à aguardada reforma ministerial, que "em 2012, tem rearranjo, tem partido novo". Nos bastidores, já existe uma discreta disputa, inclusive de parlamentares do PT baiano, para ocupar o posto de Florence, militante da corrente petista Democracia Socialista.
O presidente da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, dá o toma das reclamações: "Precisamos que as políticas agrícolas cheguem no campo. A Dilma tem isso como questão importante, como o Brasil sem Miséria. Tem ações importantes, mas a crítica é o acesso à terra. É muito tímido", avalia.
A coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Débora Nunes, reclama da concentração da terra. "Nenhum decreto de desapropriação foi assinado neste governo. A concentração de terra continua e só desenvolver assentamentos não resolve". A presidente Fetraf Brasil, Elisângela Araújo, arremata: "O MDA perdeu um pouco o pique da equipe, isso é notável. Às vezes, tem capacidade muito grande, mas é em outra área, e isso dificulta."
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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