Barra do Choça, município de 35 mil habitantes no sul da Bahia (BA), entrou no radar das revoltas de junho. Rota alternativa aos protestos que bloquearam a BR 116, a cidade não escapou de seus próprios manifestantes que saíram às ruas com cartolinas pedindo tudo, até hospitais e escolas decentes.
Na semana passada, o prefeito da cidade, Oberdam Dias (PP), estava na plateia que ouviu Dilma encerrar a marcha da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em Brasília. Ao final do encontro, o prefeito pinçou, numa frase, o que muita tinta e papel não têm sido capazes de resumir: "A presidente tinha um presente e não soube entregar".
A marcha pedia o aumento no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em um ponto percentual. O fundo é formado por 23,5% de toda a receita de IR e IPI.
Cabos eleitorais de 2014, prefeitos aderem aos protestos
Ao discursar, Dilma anunciou seu pacote de bondades que, somadas, ultrapassam o valor demandado pelos prefeitos. A presidente ainda não tinha concluído sua fala quando ouviu um grito no fundo da plateia: "FPM". Continuou a falar e o prefeito do fundão, a gritar e ganhar adeptos.
Foi nessa hora que Dilma, com o cenho, além da cintura, imóvel, disse que não havia milagres na gestão pública. A vaia só aumentou.
O evento é um retrato do momento em que vive a presidente. Dilma passou os últimos meses anunciando agrados no varejo e não foi capaz de angariar simpatia entre os agraciados, do plantador de soja ao fabricante de tanquinhos. Pelas multidões que foram às ruas, tampouco conseguiu agradar quem teve o consumo barateado pelas medidas.
Em benefício de produtores e consumidores desonerou impostos que compõem os repasses municipais e enfureceu os prefeitos.
Agora a farra das desonerações parece ter chegado ao fim. Mas, ao concluir que não há mais como abrir mão de receita, é a outra ponta, dos que perderam com as desonerações, que custa a se satisfazer. Daí que tenha chegado a hora da política. O encontro dos prefeitos foi uma aula. Faltam 15 meses para os exames finais.
Tivesse cedido no ponto percentual a mais que a marcha pedia, Dilma precisaria mandar emenda constitucional. O dinheiro só pingaria no outro governo que, a esta altura, não se sabe se será dela.
Os R$ 3 bilhões que anunciou é dinheiro no caixa das prefeituras, sem as retenções que normalmente incidem sobre o FPM. Tivesse explicado tudo isso, talvez revertesse a plateia em seu favor. Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, tentou fazê-lo, mas, àquela altura, o ambiente já estava contaminado. Como quem dá bronca em filho, Dilma disse que gestor público não podia fazer milagres. Talvez tenha esquecido das atribuições de Arno Augustin no Tesouro.
Seu santo milagreiro das contas públicas tem atraído descrédito da gestão econômica no mercado sem o reconhecimento daqueles para quem a torneira está sendo aberta, como os prefeitos.
Na época do antecessor de Dilma, muitos que iam ao Planalto saíam de mãos abanando mas satisfeitos em terem sido enredados, pela proverbial lábia do anfitrião, na busca de uma solução para seus problema. Pois agora todos arrancam mundos e alguns fundos do orçamento e quase ninguém sai feliz com isso.
Guardadas as proporções, repete-se o cenário da redução da tarifa de energia. Demanda de 100% da indústria, Dilma arrumou briga em todos os quadrantes da federação com a medida mas custou a arrancar declarações públicas de apoio de Fiesp e congêneres.
No pacote de bondades municipais, que enfrentará 567 emendas com a MP no Congresso, tem mais dinheiro para a assistencia básica da saúde, para o programa da saúde da família e para equipamentos hospitalares.
No calor dos acontecimentos, depois de anúncios mais aquinhoados do que esperava, Ziulkoski chegou a chamar seus confederados de "manada irracional". Ex-prefeito de Mariana Pimentel, cidade de quatro mil habitantes na região metropolitana de Porto Alegre, às margens da mesma BR 116 que corta Barra do Choça, Ziulkoski é do PMDB de Pedro Simon há mais de quatro décadas.
Sempre leva sua manada a Brasília. De tanto incomodar, levou o governo petista a inflar uma entidade paralela, a Frente Nacional dos Prefeitos, que não faz sombra às marchas.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nunca pisou lá. Luiz Inácio Lula da Silva foi a todas, à exceção daquela feita no ano de sua reeleição. As duas já havidas desde a posse tiveram a presença de Dilma e, em ambas, a presidente foi vaiada.
Na primeira delas a reação presidencial, estampada em todos os jornais da época, foi de descer do palanque e reclamar, dedo em riste, com o presidente da CNM pela leviandade de seus meninos.
Desta vez, num sinal de que a vaia também pode ser pedagógica, Dilma mandou chamar o Ziulkoski no Planalto no dia seguinte. Na audiência o presidente da CNM defendeu que a renúncia fiscal de impostos federais não diminua os repasses a Estados e municípios. Mas as esperanças do presidente da CNM duraram pouco. Ontem Dilma vetou esta emenda e renovou os motivos à revolta dos prefeitos.
Ziulkoski tem o discurso que se espera de um presidente de entidade municipal. Prefeito não tem polícia, tribunal de contas nem judiciário. Por isso, ao contrário de outros governantes, é punido às pencas. Dos cargos executivos é o de mais baixa taxa de reeleição. Apenas metade dos que se recandidatam elegem-se.
No dia em que tentou salvar a presidente das vaias, foi menos corporativo. Disse que os prefeitos tinham que abrir as contas à população e dar 100% de transparência à sua gestão para conquistar o apoio das ruas.
Em Barra do Choça (BA), o prefeito é acossado pela falta de agilidade. As casas do Minha Casa Minha Vida que Oberdam Dias contratou em 2009 tiveram uma liberação tão morosa que apenas agora estão sendo concluídas.
Eleitor de Dilma em 2010, Oberdam diz que ainda não se definiu para 2014. É parte do time de 5.565 cabos eleitorais acirradamente disputados pelos candidatos a presidente. Pelo desempenho na marcha, a concorrer com a moçada, os prefeitos preferiram se unir aos protestos.
Fonte: Valor Econômico
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