Filme levanta questões e revela a intensidade de uma artista original
Luiz Zanin Oricchio
Em A Artista Está Presente, no MoMA, a sérvia Marina Abramovic fez uma retrospectiva de sua carreira. No meio desta, protagoniza uma performance marcante. Em 2010, de 14 de março a 31 de maio, seis dias por semana, num total de 736 horas, ela repetia a mesma postura. Sentada numa sala, recebia os visitantes, um a um, e trocava com cada um deles um longo olhar sem palavras. Ao redor, o público assistia a essas cenas recorrentes. O documentário Marina Abramovic - Artista Presente, de Matthew Akers, relata essa experiência. E mostra como, por trás desse ato em aparência simples, existe toda uma parafernália preparativa prévia.
Por exemplo, Marina leva para sua casa um grupo de jovens para serem sensibilizados para o papel que os aguarda no MoMA. O que deverão fazer? Todo candidato ao olhar de Marina, após pegar uma senha, deverá passar por um corredor estreito, e entre dois corpos nus, de um homem e uma mulher. Talvez uma sensibilização prévia. De qualquer forma, é o, digamos assim, aquecimento para a experiência subjetiva.
O documentário detém-se em Marina e no que ela diz a respeito de sua arte. Ouve também pessoas próximas a ela, inclusive o diretor do MoMA, que oferece as dependências do prestigioso museu de Nova York para a inusitada retrospectiva, mesmo se expondo a críticas do tipo "Mas isso é arte? E, no entanto, está no MoMA", como se vê em noticiários da TV, reproduzidos no filme.
De fato, o filme levanta, sem responder de maneira fechada, duas questões: o que é arte? De onde provém a estranha força do olhar?
Por extemporânea que possa parecer (um século depois de Duchamp!) a primeira discussão, ela acaba se infiltrando nas entrelinhas do documentário. E por vontade própria do diretor Akers, ao reproduzir o senso comum da repórter de TV, semidivertido, semiescandalizado com a acolhida de uma instituição "séria", como o MoMA, a esse tipo de atividade. Seria a performance arte? E, mais, uma arte plástica? Apenas por que o espaço onde se apresenta é um consagrado museu nova-iorquino? Se os encontros visuais de Marina e seu público fossem encenados em teatro, por exemplo, despertariam menos polêmica? São questões pendentes.
Uma dúvida subsidiária, porém interessante: como transformar tudo isso em bem negociável no mercado da arte, que precisa do suporte de um objeto? Problema de difícil resolução, pois, em tese, uma performance é irrepetível, como a dança ou a representação teatral. Mas se estas podem ser captadas, por exemplo, por câmeras e gravadores, também a performance pode render belas fotografias comercializáveis.
Resta o mistério maior. Em que medida estamos diante de um mero modismo ou de uma realização artística? Se é verdade que Marina, por seu carisma, se transforma em evento midiático, também é real o que intui da importância de um fato humano capital - a força do olhar. Cria um dispositivo para colocá-lo em cena. Duas cadeiras, duas pessoas, face a face; primeiro, separadas por uma mesa, depois por nada mais. Duas pessoas que se olham.
Existem regras. Não se pode tocar, não se pode falar. A palavra é suspensa. Se Marina sentir alguma insegurança ou medo, os seguranças intervêm.
Alguns tentam subverter e são contidos. Um deles trazia um espelho montado sobre a cabeça. Faria Marina ver-se a si mesma. É contido e retirado. Há olhares inexpressivos, outros tristes, ou sorridentes. Muita gente chora. E a própria Marina se desconcerta quando senta-se na cadeira oposta seu antigo parceiro e companheiro Ulay, com quem trabalhou e viveu entre 1976 e 1988. Nesse momento é a esfinge Marina Abramovic quem desaba. Revela-se humana, e como qualquer um de nossa espécie, sente-se despida e grata quando alguém nos olha com interesse, intensidade e empatia. Mesmo que tudo seja apenas efeito de um simples dispositivo - artístico, talvez?
Fonte: Caderno 2 / O Estado de S. Paulo
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