Baixar juros, não fazer malabarismos fiscais e investir em infraestrutura são promessas não concretizadas na economia
Promessas não cumpridas
Com retomada da alta dos juros, economistas questionam qual será a marca do governo Dilma
Clarice Spitz, Roberta Scrivano
RIO E SÃO PAULO - Na véspera do dia 1º de maio de 2012, a presidente Dilma Rousseff foi à TV para anunciar a batalha contra os juros altos, na época em 9% ao ano. Usou palavras duras para criticar os bancos, e sua determinação foi motivo de elogios entre aliados. Pouco mais de um ano depois, o cenário mudou. A inflação disseminada e resistente - que já superou o teto da meta de 6,5% duas vezes neste ano - levou o Banco Central a iniciar um ciclo de alta dos juros com três aumentos seguidos na Selic. E a maioria do mercado já aposta que a taxa encerrará 2013 a 9,25% ao ano.
Economistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que a bandeira dos juros baixos não foi a única promessa a ficar para trás. Eleita com uma campanha focada no perfil de de gestora eficiente, a presidente se tornou alvo da cobrança por resultados. Os investimentos não deslancharam apesar dos incentivos tributários à indústria. A taxa de investimento considerada ótima pelo próprio governo, de 24% a 25% do PIB (Produto Interno Bruto, soma dos bens e serviços produzidos no país) não foi alcançada. No primeiro trimestre deste ano ficou em 18,4% do PIB. Métodos heterodoxos nas contas públicas - a contabilidade criativa - foram um dos principais fatores que levaram a agência de classificação de risco Standard & Poor"s a ameaçar rebaixar o rating do Brasil, com uma perspectiva negativa. O avanço da inflação, que nos 12 meses encerrados em junho chega a 6,7%, e a acomodação do mercado de trabalho têm feito a renda do trabalhador crescer cada vez menos.
Diagnóstico falho
Mesmo economistas que destacam a importância da queda dos juros promovida nos dois primeiros anos de governo afirmam que Dilma não foi capaz de impulsionar o investimento:
- Ela fez um grande esforço, mas não conseguiu reativar a taxa de investimento no Brasil - afirma o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES.
Para Felipe Salto, analista da Tendências Consultoria, faltou planejamento:
- O governo quis baixar os juros na marra, mas o problema era de confiança, ou seja, de incluir a iniciativa privada nas discussões de investimento.
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, tem avaliação similar e aponta o diagnóstico equivocado do governo quanto ao cenário macroeconômico como um dos principais responsáveis pelo pessimismo na economia. Analistas de mercado esperam que o país cresça apenas 2,34% este ano, e as previsões para o próximo ano já apontam uma expansão inferior a 3%.
- Ela conseguiu baixar os juros e subir com a inflação. Faltou um diagnóstico claro a respeito do cenário macroeconômico, que o limite de crescimento estava no lado da oferta.
Um dos efeitos indesejados da redução dos juros foi a volta da inflação a níveis que ultrapassam o teto da meta. No dia 8 de março deste ano, Dilma voltou à TV para anunciar a desoneração da cesta básica. A medida, de amplo apelo popular, não surtiu o efeito esperado. O governo dava como certo que a inflação de alimentos, que estava no patamar de dois dígitos, cairia imediatamente. Só começou a ceder em maio, depois de subir 13,99% até abril e consagrar o tomate como vilão da alta de preços.
Contabilidade criativa
Os problemas de gestão não se restringem aos índices de preços. Um dos pontos mais sensíveis na avaliação de especialistas é a gestão das contas públicas. Parte dos economistas afirma que o governo só será capaz de cumprir a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de 2,3% do PIB, com o auxílio de manobras contábeis.
- Com a contabilidade criativa, qualquer superávit primário pode ser alcançado. A imagem que esse governo tem deixado é justamente a da falta de gestão e da desestruturação do sistema tributário - explicou Fernando Zilveti, professor de direito tributário da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
Até mesmo a melhoria da infraestrutura, uma das principais promessas de Dilma, foi alvo de estratégias consideradas equivocadas pelos especialistas. Além de alterar alguns dos principais marcos regulatórios do país - o que tradicionalmente tem efeito negativo sobre os investidores - os projetos contam com atrasos significativos. Entre eles, a concessão de ferrovias, rodovias e energia elétrica.
Especialistas em infraestrutura têm dificuldade em apontar projetos prontos ao longo dos dois anos e meio do governo. Fernando Heil Martins, sócio da consultoria Bain&Company, lembra da concessão dos aeroportos de Viracopos (Campinas), Guarulhos (SP) e Brasília.
- Essas concessões foram feitas em tempo recorde. Isso foi bom, mas ocorreu também por conta de uma pressão de prazos por conta da Copa do Mundo. Vamos ver se as concessões de Galeão (RJ) e Confins (MG) sairão. Aí sim poderemos colocar isso como um feito do governo - pontuou.
As críticas incluem até mesmo o perfil de atuação da presidente, considerada excessivamente centralizadora. Além disso, a comunicação com o mercado também necessita de ajustes, segundo os analistas.
- O governo se comunica muito mal. Há excessos de interlocutores e não há uma mensagem clara. A falta de confiança dos empresários se deve a erros na condução da política fiscal e econômica, como as manobras contábeis para se alcançar o superávit fiscal - afirma Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP.
Redução da pobreza
O professor da FEA-USP Paulo Roberto Feldmann considera pouco moderno o modelo de administração do governo Dilma, com seus 39 ministérios:
- Falta nesse governo uma reforma administrativa para agilidade e eficiência. Enxugar os ministérios e as estatais indicaria que o governo está comprometido com a modernidade, com o combate à inflação e com as metas do primário - afirma.
O ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e presidente do Ipea, Marcelo Néri, defende que o governo Dilma seja lembrado pelos ganhos trabalhistas e pelo aumento de renda. Segundo ele, de 2003 a 2011 a pobreza caiu 57,8%, e a renda dos 10% mais pobres avançou 768% em termos reais per capita . O economista reconhece, no entanto, que a inflação e o pleno emprego têm afetado o ritmo de ganhos em 2013. Enquanto a renda média per capita real subiu 5,1% em 2012, em maio deste ano, avança 3,12%, nos últimos 12 meses.
- Ela mostrou foco e determinação no combate à pobreza. Hoje a economia está com nível próximo ao pleno emprego. Houve um repique da inflação e ela aumentar é um problema, mas os ganhos salariais superam o aumento do custo de vida - disse.
Fonte: O Globo
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