Nossos políticos até hoje não se deram conta de que o atual modelo de financiamento da política está esgotado. Foi preciso o Supremo meter sua colher nessa panela para caírem na real
Como já aconteceu algumas vezes, os nossos políticos estão em pânico em razão de uma iminente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga ação impetrada pela OAB para que o financiamento de campanhas por empresas seja considerado ilegal. A medida praticamente desestrutura todo o atual sistema de doações, ao restringi-lo às pessoas físicas, o que significa não pôr quase nada no lugar para a maioria dos partidos. Como financiamento de campanha por empresas é considerado quase um sinônimo de superfaturamento de contratos de execução de obras, prestação de serviços e fornecimentos de insumos à administração pública, a decisão do Supremo tem certa simpatia de formadores de opinião e pode cair no gosto popular.
O julgamento foi suspenso quando estava 4 a 0, pelo ministro Teori Zavaski, que pediu vistas do processo. Se for retomado nesta semana, provavelmente será concluído com uma maioria a favor da proibição. A não ser que haja uma forte reação do Congresso, que mais uma vez teve suas atribuições “judicializadas” porque se omitiu da questão. Assim como o voto proporcional unipessoal, o atual sistema de votação, que é considerado “imexível” pela maioria dos deputados, o financiamento de campanha também é um tema tabu no Congresso Nacional. Mexer no atual sistema, somente se for de forma cosmética, como aconteceu até agora. Com licença de vegetarianos e outros defensores dos direitos dos animais, no Congresso, fazê-lo é mais ou menos a mesma coisa do que convidar o peru para a ceia de Natal.
Nossos políticos até hoje não se deram conta de que o modelo de financiamento da política está esgotado. Foi preciso o Supremo meter sua colher nessa panela para caírem na real. O fato é que o atual modelo de financiamento é a raiz de um fenômeno que começa a comprometer nosso sistema representativo, com a avassaladora vantagem adquirida pelo poder econômico em relação ao voto de opinião. Hoje, não existe campanha com chance de sucesso se não tiver “estrutura”, o que, no jargão dos políticos, significa dinheiro para contratar marqueteiros e uma militância quase toda ela profissionalizada, com honrosas exceções. Dirigentes sindicais, líderes comunitários, blogueiros, o que não falta é gente ansiosa pelo começo da campanha para ganhar uns trocados a mais. No caso de marqueteiros e outros profissionais especializados, o custo disso está na casa dos milhões.
De onde vem esse dinheiro? Ora, vem das empresas que prestam serviços ao governo ou têm algum outro interesse específico no Congresso Nacional. Como já comentei por aqui, numa ordem capitalista democrática, há dois tipos de políticos: os que defendem o bem comum e os que veem a política como negócio. Os primeiros dependem, teoricamente, do voto da opinião pública; os segundos, do poder econômico. Nos Estados Unidos, o lobby é legalizado para que o sistema funcione com transparência e o eleitor possa escolher com mais segurança que tipo de político o representa. No Brasil, todo político só defende o bem comum, nenhum assume a política como negócio, mas hoje é que mais têm no Congresso são os segundos. O mais curioso é o envolvimento das grandes empresas do país no financiamento da campanha, muitas vezes por meio de “caixa dois”. Se for feito um cruzamento de dados das “pessoas jurídicas” envolvidas nos escândalos, veremos que há muitas coincidências. Algumas grandes empreiteiras do país são arroz de festa nos casos de superfaturamento. Ou seja, o sistema está “bichado”.
Como financiar campanhas caríssimas? A saída pode ser um sistema híbrido, no qual cada um poderia escolher entre o financiamento público e as doações privadas, como nos lembrou ontem a nossa colega jornalista Tereza Cruvinel. Essa é a proposta apresentada pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), coordenador da comissão especial da reforma política da Câmara. A ideia, porém, nunca foi levada a sério pelos partidos, a começar pelo PT, que renega a proposta e está satisfeito com o rumo da votação no Supremo. Por que esse contentamento? Ora, porque numa situação de terra arrasada, o PT leva a vantagem de ser o partido com mais militantes e, simultaneamente, controlar as relações do governo com os maiores empresários do país.
Para encerrar o assunto, um breve comentário sobre o papel do iluminismo nas decisões do Supremo, que foi enaltecido pelo ministro Luiz Roberto Barroso. Não haveria o Estado moderno, democrático, sem o racionalismo e os iluministas, que apartaram as questões de Estado das religiões. Montesquieu, o pai do sistema de “trias política”, dizia que quando o Executivo e o Legislativo estão juntos, não pode haver liberdade. Por isso, caberia ao Judiciário interpretar as leis, e não aos demais poderes. A Constituição dos Estados Unidos e a Revolução Francesa universalizaram esse princípio do liberalismo, que agora está sendo exercido com pleno vigor pelo Supremo Tribunal Federal.
Fonte: Correio Braziliense
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