“Numa democracia não cabe às oposições, como ao povo em geral, senão aceitar o resultado das urnas. Mas nem por isso devemos calar sobre o como se conseguiu vencer, nem sobre o por que se perdeu. Os resultados eleitorais mostram que a aprovação ao atual governo apenas roçou um pouco acima da metade dos votos. Ainda que a vitória se desse por 80% ou 90% deles, embora o respeito à decisão devesse ser idêntico ao que se tem hoje com a escassa maioria obtida pelo lulopetismo, nem por isso os críticos deveriam calar-se.
É bom retomar logo a ofensiva na agenda e nos debates políticos. Para começar, não se pode aceitar passivamente que a "desconstrução" do adversário, a propaganda negativa à custa de calúnias e deturpações de fatos, seja instrumento da luta democrática. Foi o que aconteceu, primeiro, com Marina Silva e, em seguida, com Aécio Neves.
O vale-tudo na política não é compatível com a legitimidade democrática do voto. Marina, de lutadora popular e mulher de visão e princípios, foi transformada em porta-bandeira do capital financeiro, o que não é somente falso, mas inescrupuloso. Aécio, que milita há 30 anos na política, governou Minas Gerais duas vezes com excelente aprovação popular, presidiu a Câmara dos Deputados e é senador, foi reduzido a playboy, farrista contumaz e "candidato dos ricos".
Até eu, que nem candidato era, fui sistematicamente atacado pelo PT, como se tivesse "quebrado" o Brasil três vezes (quando, como ministro da Fazenda, ajudei o País a sair da moratória), como se tivesse deixado a Presidência da República com a economia corroída pela inflação (como se não fôssemos eu e minha equipe os autores do Plano Real, que a reduziu de 900% ao ano para um dígito), como se os 12% de inflação em 2002 fossem responsabilidade de meu governo (quando se deveram ao temor de eventuais desmandos de Lula e do PT).”
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República. No artigo ‘Diálogo ou novas imposturas’. O Estado de S. Paulo / O Globo, 2 de novembro de 2014.
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