• Quebra do sigilo de e-mal de João Santana, alvo da Operação Acarajé, mostra que autoridades o procuram frequentemente para fazer contatos com a presidente e com o ex-presidente
Por Ricardo Brandt, Mateus Coutinho e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo
Relatório de análise de uma conta de e-mail do publicitário João Santana – cujo sigilo foi afastado por decisão judicial – revela, na avaliação da Polícia Federal, que o marqueteiro ‘possui relação de muita proximidade’ com a presidente Dilma Rousseff e “possui certa influência sobre as ações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
O documento, de 21 de janeiro, foi encartado pela Polícia Federal nos autos da Operação Acarajé, deflagrada nesta segunda-feira, 22, com ordem de prisão contra Santana, sua mulher, Monica Regina Cunha Moura, e outros investigados.
Santana foi o marqueteiro da campanha da reeleição de Lula à Presidência (2006) e das duas campanhas de Dilma, em 2010 e em 2014.
O relatório da PF não faz nenhuma acusação, nem levanta suspeitas sobre os interlocutores do marqueteiro. Apenas transcreve as mensagens contidas no e-mail para demonstrar ‘os vínculos pessoais dos investigados (Santana e a mulher) com membros do alto escalão do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores’.
O rastreamento pegou, por exemplo, diversas mensagens trocadas entre João Santana e Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro de Assuntos Estratégicos.
No dia 25 de outubro de 2015, Mangabeira mandou mensagem para Dilma, usando o endereço eletrônico do marqueteiro. “Senhora presidente. Renovo meu pedido de audiência – se for possível na segunda-feira, 9 de novembro, ou na terça-feira, 10 de novembro, quando estiver em Brasília desde as 7 da manhã daquela segunda-feira, vindo dos Estados Unidos. Ficarei, senhora presidente, triste e inconformado se não puder levar adiante a colaboração que a senhora me propôs. As dificuldades por que passam o país e o governo só reforçam o meu desejo de ajudá-la.”
O ex-ministro diz que tem uma sugestão para qualificação do ensino, “ao produtivismo includente e ao sistema de gestão e controle”.
Ele completou. “Estou à disposição, senhora presidente. Não desejo cargo nem remuneração. Desejo apenas tarefa.”
O delegado da PF Filipe Hille Pace, que subscreve o relatório, anotou. “A conclusão possível de ser tirada da simples leitura das mensagens trocadas é a de que Roberto Mangabeira Unger utiliza João Santana para repassar mensagens à Presidente da República. Além disso, pede, explicitamente, que o investigado (Santana) interceda junto à Presidente em seu favor, solicitando, inclusive, que João Santana empreenda esforços a fim de viabilizar um encontro pessoal entre Mangabeira e Dilma Rousseff.”
Em outro trecho, o relatório policial diz que “nas mensagens corrobora-se a conclusão já alcançada de que João Santana possui relação de muita proximidade com a Presidente da República, sendo indicado por ela, através de ministros e de assessores, para tratar de assuntos relevantes para o governo federal, dentre elas a CPMF e as Olimpíadas de 2016″.
“Edinho Silva, Ministro de Estado, é quem trata com maior frequência dos assuntos de interesse da Presidente Dilma Rousseff”, destaca o relatório da PF.
No dia 19 de novembro de 2015, Edinho escreveu para o marqueteiro. “Estou enviando uma proposta de peças para as Olimpíadas e um resumo da pesquisa em que os conceitos foram testados. A Presidente pediu que eu ouvisse sua opinião sobre o que seria uma campanha para as Olimpíadas (essa ideia ou outra). Tomei a liberdade de mandar o que já temos, mas podemos começar do zero. Aguardo sua opinião. Abraço, Edinho.”
“Além do evidente acesso que João Santana possui junto à Presidente da República, outra mensagem trocada com Roberto Mangabeira Unger demonstra que o investigado também tem acesso exclusivo ao ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva”, pontua o relatório da Acarajé.
No dia 15 de novembro, Mangabeira envia recado para Lula, via e-mail de João Santana.
O ex-ministro comenta sobre textos que publicou na imprensa e se queixa de não ter recebido atenção da presidente. “Presidente Lula, foi um enorme prazer vê-lo em São Paulo. O texto ‘produtivismo includente: empreendedorismo vanguardista’, que reúne propostas para libertar o impulso empreendedor no país. Entreguei-o à Presidente em julho. Não obtive dela qualquer reação. A maior parte destas propostas não custa um único centavo. São de mudanças de regras e de regime. Estas propostas foram discutidas com Deus e o mundo – inclusive amplamente com o empresariado. Só não foram discutidas com a Presidenta, que não demonstrou qualquer interesse por elas.”
“Observa-se, pelo início da mensagem de Mangabeira, que ele encontrou pessoalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, ao que parece, havia prometido que encaminharia alguns textos”, assinala a PF. “Curioso é que Mangabeira, para encaminhar os textos ao ex-presidente, enviou-os para o e-mail de João Santana. A conclusão lógica é que o investigado (Santana) também possui relação extremamente próxima com Luiz Inácio Lula da Silva até os dias atuais. O mesmo tipo de relação é partilhado com a atual Presidente da República.”
Em mensagem, de 29 de novembro de 2015, José Manuel De La Sota, ex-governador de Córdoba, na Argentina, solicita a João santana ‘reunião reservada’ com Lula. Segundo a PF, La Sota quer tratar da situação política da Argentina e da posição do presidente Maurício Macri na reunião do Mercosul que aconteceria em 21 de dezembro de 2015.
“José Manuel indaga ao investigado (Santana) se ele considerava que o encontro pretendido seria interessante”, diz o relatório da PF.
No dia seguinte, o marqueteiro apresentou sua posição a La Sota. “Pelo teor da resposta, verificamos que o investigado João Santana possui certa influência sobre as ações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que expõe ao ex-governador de Córdoba que, por mais que não considere bom o momento para a realização da reunião pretendida por ele – pois o “presidente Lula está sob uma carga muito forte da ação adversária (…)”, o avisará tão logo entenda que o momento venha a ser oportuno”, diz a Polícia Federal.
“O presente relatório foi produzido com o fim de subsidiar a investigação conduzida em face de João Santana e Monica Moura, notadamente para tentar comprovar a existência de ativos oriundos de corrupção mantidos ilicitamente no exterior, demonstrar o intenso fluxo migratório dos investigados, demonstrar os vínculos pessoais dos investigados com membros do alto escalão do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores e comprovar que os investigados estão cientes de que podem ser objeto de investigação por fatos apurados na Operação Lava Jato contratando profissionais para fornecimento de atualizações quanto a divulgação de tais fatos nos mais diversos veículos de comunicação e também por contatos mantidos com pessoas politicamente expostas.”
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