quarta-feira, 15 de junho de 2016

Fim de linha - Merval Pereira

- O Globo

O que aconteceu ontem a Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara é exemplar de como funcionam as pressões da sociedade numa democracia representativa que, por mais precária que seja, por mais desmoralizada que se encontre, terá sempre a possibilidade de se recuperar, seguindo o sentimento prevalecente no conjunto dos cidadãos.

Ficou famosa a frase do então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, ao receber o pedido de impeachment contra o presidente Collor: “O que o povo quer, essa Casa acaba fazendo”. Tem sido sempre assim, e até mesmo no episódio das Diretas Já, quando o Congresso deixou de atender ao apelo das ruas por poucos votos, acabou encontrando um caminho alternativo para pôr fim à ditadura, elegendo Tancredo Neves em eleição indireta.


O reinado de Cunha na Câmara está nos finalmente, e só restará a ele agora a ameaça de denunciar companheiros de falcatruas, mas nem isso lhe salvará a pele. Diversas ações contra ele estão abertas ao mesmo tempo em Curitiba; ele já é réu no STF, e corre risco de se tornar réu pela 2ª vez na próxima semana, quando o STF analisar a acusação da PGR de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas devido a contas na Suíça com dinheiro desviado da Petrobras.

Afastado da presidência da Câmara e suspenso do mandato por Teori Zavascki, que teve apoio unânime do plenário do Supremo, Cunha tem ainda pedido de prisão contra ele feito por Janot. Teori negou ontem o pedido de prisão contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, o ex-presidente José Sarney e o senador Romero Jucá, mas pediu explicações a Cunha.

A esta altura, com a decisão do Conselho de Ética, o pedido, que visava puni-lo por continuar tentando influir nos trabalhos da Câmara, usando sua influência para garantir a impunidade, pode ter perdido o sentido. Mas também pode ser utilizado se ele insistir em tentar manipular os votos no plenário da Câmara, ou se postergar ilegalmente a tramitação do processo.

Toda a pressão de Cunha nos últimos dias era para ganhar no Conselho de Ética da Câmara, pois ele já dava como certo que perderia se o caso fosse ao plenário. Desde que a votação sobre cassação de mandatos passou a ser aberta, nenhum deputado safou-se no plenário, pois a opinião pública fica de olho na atuação de cada um dos deputados.

Não foi à toa que Tia Eron, após esconder-se no primeiro momento, ontem se apresentou com discurso muito bem articulado para votar contra Cunha, que a considerava voto de cabresto. A atuação conjunta de Justiça, MP, Receita e polícia não deixou margem a mais protelações por Cunha, que acabará processado e provavelmente condenado.

A saída mais provável para ele será a delação, que pode ser decisiva para confirmar a verdadeira revolução de costumes a que o mundo político está sendo obrigado a se curvar nos últimos tempos. Por isso mesmo, é pouco provável que o STF reformule a decisão tomada no início do ano de permitir a prisão de réu condenado na segunda instância.

Ainda mais agora que os processos do ex-presidente Lula estão novamente na 1º instância de Curitiba. Não será possível convencer a opinião pública de que tal mudança, se ocorrer, nada tenha a ver com uma proteção ao ex-presidente.

Lula deve ser acusado pelos procuradores por ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro nos processos sobre o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia, além de favores recebidos da Odebrecht pelo armazenamento, em todo o período desde o fim de seu mandato, de suas coisas pessoais trazidas de Brasília.

Caso seja condenado pelo juiz Sérgio Moro, poderá perder a condição de ficha limpa, se a condenação for confirmada em 2ª instância. Por esses crimes, dificilmente Lula irá para a cadeia, pois as penas são pequenas e devem ser transformadas em serviços comunitários.

Mas há outros processos, especialmente o principal deles, que trata do petrolão. Ontem, foi revelado pelo site “Congresso em Foco” pedido de inquérito do procurador-geral, Rodrigo Janot, ao STF em que ele diz que Lula “é investigado inter alia [entre outras coisas] pela suspeita de que, no exercício do mandato presidencial, tenha atuado em posição dominante na organização criminosa que se estruturou para obter, mediante nomeações de dirigentes de estatais do setor energético, em especial Petrobras, BR Distribuidora e Transpetro, vantagens indevidas de empresas prestadoras de serviços, em especial construção civil”.

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