- Folha de S. Paulo
Salvar o Ocidente não é prioridade no Fórum
Imbuído do mais profundo sentimento patriótico, ouso formular um guia de Davos para iniciantes. No caso, um guia do encontro anual-2019 do Fórum Econômico Mundial, ao qual se anuncia que o presidente Jair Bolsonaro irá. É sempre bom que presidentes brasileiros compareçam a esse grande convescote, mas aviso ao presidente que Davos é a maior concentração de “globalistas” por metro quadrado que o mundo reúne em um só lugar. Logo, Bolsonaro estará cercado de inimigos.
Por isso, o ideal é que instale seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes, no lugar de honra. A clientela de Davos ama de paixão o discurso liberal.
Anunciar privatizações, então, será como pingar sangue na água (no caso, no gelo). As piranhas virão assanhadíssimas para tentar beliscar a sua parte no futuro negócio.
Falar em reformas é igualmente uma iguaria. Nos 25 anos em que frequentei Davos, reformas era a palavra mágica, o mantra que os mais diferentes governantes recitavam para encantar a plateia.
Quando eram ministros (ou presidentes) de países em desenvolvimento, a plateia balançava a cabeça em sinal de aprovação, ao mesmo tempo em que fazia cara de ponto de interrogação. Aposto que pensavam: será que esses bugres vão fazer a lição de casa?
Mesmo líderes de países ricos eram convocados a repetir o mantra. Reforma passou a ser a muleta retórica para caminhar no mundo supostamente civilizado de que Davos é um microcosmo.
Fica claro, assim, que o nosso Posto Ipiranga será um sucesso, o que, a bem da verdade, não quer dizer nada. Guido Mantega, que, na comparação com Guedes, seria o Posto Petrobras de Lula e Dilma, foi também bem recebido em Davos, mas fracassou no Brasil.
A rigor, o único que fracassou em Davos foi Marcílio Marques Moreira, ministro de Fernando Collor. Coitado, compareceu em 1992, o ano em que seu chefe já caminhava para o cadafalso e o Plano Collor rolava para o ralo.
Deixar a ribalta para Paulo Guedes tem a vantagem de evitar que Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, tentem vender ao público de Davos sua cruzada para salvar a civilização ocidental e cristã.
Davos não tem o menor interesse em salvar o Ocidente. Seu foco é fazer bons negócios, com ocidentais, com orientais, com cristãos, com muçulmanos, com capitalistas e com comunistas igualmente.
A China, à qual Bolsonaro tem restrições, é presença frequente e volumosa. Ouso dizer que, nos últimos anos, têm ido a Davos mais funcionários chineses que americanos. Empresários, sim, são mais americanos, porque os empresários chineses acabam sendo, em boa medida, funcionários públicos.O capitalismo chinês de partido único tem dessas coisas.
Ou seja, Davos está recheada, nessa época do ano, dos “vermelhos” que o novo governo brasileiro pretende erradicar.
Ah, Luiz Inácio Lula da Silva, esse hiperdemônio vermelho, passou duas vezes por lá e foi aplaudido em ambas. Donald Trump, o ídolo dos Bolsonaros, também, assim como Bill Clinton, esse perigoso esquerdista.
O negócio de Davos são os negócios, exatamente como se diz dos Estados Unidos. Salvar o Ocidente não tem sido bom negócio ultimamente.
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