- O Estado de S.Paulo
Conversão de Bolsonaro não resistiu ao primeiro teste simples
O projeto de ensino domiciliar que o governo vai enviar ao Congresso prevê que, caso reprovado, o aluno terá de frequentar uma escola regular. Jair Bolsonaro, que insiste em se gabar de não entender de economia, teria de abdicar das aulas particulares de liberalismo de Paulo Guedes e ir estudar numa escola depois da lambança com que terminou a semana que marcou seus cem dias de governo.
A conversão de Bolsonaro no altar do liberalismo não resistiu ao primeiro teste simples. Aliás, só se surpreendeu quem quis ser ludibriado: aqui se enfatizou, desde a campanha, qual era a convicção real do “capitão”, que tem uma vida dedicada à defesa de privilégios aos militares, manutenção de empresas estatais e subsídios e contra privatizações, reformas e cortes de gastos.
Não por outra razão sempre foi uma aposta de risco que Guedes, um trader de sucesso, visse em alguém com esse histórico o veículo para a implementação do receituário liberal no Brasil. O ministro é plenamente ciente das diferenças de pensamento entre a ala que ele comanda e os demais estamentos do governo que integra. Para justificar a junção, formulou a teoria da aliança de conservadores e liberais e adora citar A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, obra mais conhecida do austríaco Karl Popper. É a “dinâmica de uma sociedade aberta”, segundo um dos trechos preferidos de Guedes, que valida a aliança entre conservadores e liberais e a disputa política para se atingir os princípios dos primeiros. Haja fé para que o ministro continue vendo este caminho depois de o presidente ter passado a mão no telefone na última quinta-feira, telefonado para o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, e mandado suspender o reajuste do diesel.
A Petrobrás vinha num processo de recuperação da pilhagem promovida pelo PT na empresa, em conluio com o PMDB, o PP e as empreiteiras, no petrolão. Também se reergue a duras penas do intervencionismo de Dilma Rousseff, que levou à fixação do regime de partilha no pré-sal, no lugar do de concessão; à política de conteúdo local e à mão grande do Executivo no preço dos combustíveis. A ação voluntarista de Bolsonaro compromete esse último pilar da adequação da empresa a boas práticas de mercado e mostra que há muito mais semelhanças entre o “Mito” e Dilma Rousseff do que gostariam de admitir os seguidores fanáticos de um e de outra.
Por mais que eleitores de centro-direita e o mercado tenham decidido, na reta final do primeiro turno, que Bolsonaro era o único capaz de derrotar o PT, fechando os olhos e o nariz para tudo que ele disse, votou ou defendeu ao longo da vida, sempre esteve claro que ele era o que demonstrou no episódio do diesel: autoritário, intervencionista e adepto do receituário populista.
Afinal, se os caminhoneiros ameaçam com outra greve para paralisar o País, o que fazer? Ceder graciosamente, claro. Ainda mais porque, neste caso, há um agravante adicional (e também conhecido, é sempre bom lembrar aos que agora se fazem de escandalizados): Bolsonaro insuflou a greve dos caminhoneiros, surfou sua onda como forma de desgastar o governo Temer e a classe política, e hoje é refém de seus métodos de arregimentação via WhatsApp e de sua pauta.
Diante da forma desabrida com que o presidente interveio na Petrobrás, humilhou seu presidente e desautorizou o “posto Ipiranga”, os caminhoneiros podem se recostar na boleia e comemorar: toda e qualquer ameaça que fizerem será seguida de uma capitulação de Brasília.
Para um governo eleito com o discurso da ordem e da mudança radical de tudo que o PT fez, é um investimento na desordem social, com uma categoria emparedando o governo, de um lado, e um elogio da mão grande estatal, bem à moda petista, de outro.
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