Troca do interino, general Pazuello, começa a ser preparada em meio ao embate do Ministério da Defesa e as Forças Armadas com o ministro do Supremo Gilmar Mendes
Jussara Soares e Fausto Macedo| O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Diante da pressão sofrida após dois meses sem um titular no Ministério da Saúde durante uma pandemia que já matou mais de 70 mil brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro começará a avaliar candidatos para assumir o posto tão logo termine o seu período de quarentena por também ter sido contaminado pelo coronavírus. Auxiliares e interlocutores do Palácio do Planalto preveem que um novo ministro seja anunciado até meados de agosto.
A substituição do interino, general Eduardo Pazuello, começa a ser preparada em meio ao mais novo embate entre as Forças Armadas e um integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), que desencadeou uma nova crise entre os Poderes. No sábado, 11, o ministro do Supremo Gilmar Mendes disse que o Exército estava se associando a um “genocídio” ao se referir à crise sanitária instalada no País com a covid 19. A frase mirou os 20 militares que ocupam cargos estratégicos na Saúde, dos quais 14 na ativa.
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, reagiu e ingressou na terça-feira, 14, com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Mendes. Ao acionar a PGR, Azevedo usou parecer da consultoria jurídica que aponta crime contra a honra previsto no Código Penal e menciona o artigo 23 da Lei de Segurança Nacional. De acordo com este artigo, constitui crime incitar a animosidade entre as Forças Armadas. O documento também cita o Código Penal Militar, que, em determinados casos, pode incidir sobre civis. Se forem vistos indícios de crime ou conduta ilegal na posição de Gilmar, a PGR poderá decidir pelo prosseguimento da investigação. Caso contrário, a notícia de fato será arquivada.
Gilmar divulgou nota, na terça, na qual reafirmou o respeito às Forças Armadas e indicou que “nenhum analista atento da situação atual do Brasil teria como deixar de se preocupar com o rumo das políticas públicas de saúde” do País. “Em um contexto como esse, a substituição de técnicos por militares nos postos-chave do Ministério da Saúde deixa de ser um apelo à excepcionalidade e extrapola a missão institucional das Forças Armadas”, afirmou ele.
Mais tarde, em transmissão ao vivo, o magistrado disse que a declaração foi feita em um “contexto puramente acadêmico” e lembrou que o ex-chefe da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o médico Dráuzio Varella, que participaram do debate, também apontaram problemas na gestão administrativa da pandemia.
A manifestação do ministro do STF, no entanto, foi considerada insuficiente por militares. Coube ao vice-presidente Hamilton Mourão vocalizar mais uma vez o descontentamento, após dizer que Gilmar havia forçado “a barra”, ultrapassado o “limite da crítica” e cruzado “a linha da bola”. Em entrevista à CNN, Mourão afirmou que, se Gilmar “tiver grandeza moral”, precisará se desculpar com o Exército. Argumentou, porém, que esse não é o momento ideal para substituir o ministro da Saúde. “Espera a pandemia arrefecer e aí troca”, disse.
Na prática, a saída de Pazuello atende a pressão de integrantes do Exército, como revelou o Estadão. Se ele optar por continuar no Executivo, deverá pedir a transferência para a reserva. Recentemente, as Forças Armadas manifestaram o mesmo incômodo com a situação do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que se aposentou. Embora Bolsonaro já tenha sinalizado a troca de Pazuello – que na terça não tinha compromissos em sua agenda –, integrantes do governo acreditam que a pressão desencadeada pela declaração de Gilmar pode levá-lo até mesmo a atrasar a substituição na Saúde. Militares que chegaram à pasta junto com Pazuello, no entanto, trabalham com previsão de saída no máximo até setembro. Antes mesmo da eclosão da nova crise, o general já havia dito que o seu prazo à frente do ministério estava se esgotando.
Apesar das críticas, Gilmar não ficou isolado ao apontar as falhas na forma como o governo tem conduzido a crise do coronavírus. O grupo Prerrogativas, que reúne cerca de 400 juristas e entidades representativas do Direito, saiu em defesa do ministro do Supremo. Em nota, o grupo afirmou que Gilmar “botou o dedo na ferida do governo”, mas que as Forças Armadas decidiram “atacar os mensageiros”, “brigar com os fatos” e desviar o foco das mortes causadas pela “ausência de políticas públicas” e da delegação das funções do Ministério da Saúde a “militares sem expertise”, além da negação científica da própria pandemia. “A palavra genocídio é uma clara hipérbole para mostrar o tamanho da crise e do descaso do governo para com dezenas de milhares de mortes, que logo chegarão à casa de uma centena de milhar”, diz o texto.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o ministro do Tribunal de Contas das União (TCU) Bruno Dantas apoiaram os questionamentos feitos pelo magistrado. “Os números da covid no Brasil evidenciam o descontrole e a interinidade na pandemia sugere intervenção militar. O Exército, como todos, deve refletir sobre isso e quanto aos questionamentos procedentes do ministro Gilmar Mendes”, escreveu Renan no Twitter.
“Não julgo as palavras escolhidas por Gilmar Mendes para comentar a conjuntura nacional em uma palestra. O que julgo e apoio é a clareza do diagnóstico, o descortino da análise e a autoridade para chamar à razão lideranças que não podem se omitir diante de mais de 70 mil mortos”, opinou Dantas.
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