quarta-feira, 15 de julho de 2020

Ricardo Noblat - O dilema de Pazuello e dos militares da ativa que servem ao governo

- Blog do Noblat | Veja

Ou voltam aos quartéis ou passam para a reserva

Hoje faz dois meses que o país está sem ministro da Saúde. Escolhido para ministro interino depois da queda de dois médicos que o antecederam no cargo, o general de brigada Eduardo Pazuello, especialista em logística, enfrenta dificuldades até mesmo para distribuir 46 milhões de testes do Covid-19.

Mais de 20 militares, todos da ativa, ocupam funções chaves no ministério. Mas nem eles, nem o general produziram até agora algo capaz de fazer diferença, a não ser para pior. Por ordem superior, tentaram esconder os números reais da pandemia que matou até ontem mais de 74 mil pessoas e infectou 1,9 milhão.

À falta de meios para enviar aos Estados remédios a tempo e a hora, o secretário-geral do ministério, um coronel, orientou governadores e secretários de Saúde a comprar o que lhes falta mesmo a preços superfaturados. Para não se encrencarem com a Justiça, aconselhou-os a denunciar os que lucraram com isso.

Genocídio parece uma palavra forte usada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para denunciar um governo relapso que assiste, inerte, o que se dá quando um vírus tem passe livre para matar parte da população. Mas quando a inércia é deliberada, é de genocídio ou morticínio que se trata.

O presidente Jair Bolsonaro não expediu ordem alguma por escrito para que deixassem o vírus agir em paz. Mas Hitler também não expediu ordem alguma por escrito para que dessem início à chamada “Solução Final” – o extermínio em massa de judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias na Alemanha nazista.

O que pretendeu Bolsonaro ao vetar trechos do projeto de lei aprovado pelo Congresso que garantia aos índios e quilombolas água potável, material de higiene, leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, além de alimentação e auxílio emergencial durante a pandemia?

Pretendeu ajudá-los, negando-se a lhes garantir as mínimas condições de sobrevivência? Ou economizar a custa de sua extinção? Nem todos os judeus da Alemanha que se desejava ariana morreram nas câmaras de gás. Milhares morreram de fome e de doenças em guetos e campos de concentração.

É o risco que correm, hoje, os povos tradicionais do Brasil, ou o que resta deles. Mais de 500 índios já morreram vítimas do coronavírus e dos seus cúmplices. Em ato falho, o general Hamilton Mourão, vice-presidente, já admitiu: “Se nosso governo falhar, errar demais, essa conta irá para as Forças Armadas”.

Por que irá se as Forças Armadas são uma instituição de Estado e não de governo? Porque elas cometeram o erro irreparável de se confundirem com o governo de um ex-capitão afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética. Um governo destinado a passar à História como perverso, belicoso e inoperante.

O general Pazuello está diante de um dilema que lhe foi proposto por seus companheiros de farda: passar à reserva e ser efetivado como ministro da Saúde, ou deixar o cargo e retornar à tropa. Com isso, os militares imaginam fortalecer a narrativa de que não são responsáveis pelos desacertos do governo Bolsonaro.

Ingênua pretensão. Entre os quase 3 mil militares empregados no governo, quantos ainda estão na ativa? Poderão permanecer na ativa? Por que os comandantes das Forças Armadas não os põem diante do mesmo dilema que atormenta Pazuello? Só assim terão condições de sustentar narrativa tão perecível e enganosa.

Uma narrativa, por favor, para tirar o governo das cordas

Sugestões para www.gov.br

Os militares são bons de narrativas, mas não somente eles, claro. Em meados dos anos 30 do século passado, um coronel de nome Olímpio Mourão Filho, integralista de carteirinha, escreveu uma peça de ficção sobre um complô comunista e judaico para tomar o poder no Brasil.

A peça tornou-se conhecida como O Plano Cohen. E serviu de pretexto para a instalação no país da ditadura militar do Estado Novo sob o comando do então presidente Getúlio Vargas que governava desde 1930. Governou até 1945, quando os militares o derrubaram.

O imaginativo Mourão Filho, já na condição de general, foi quem em 31 de março de 1964 comandou as tropas que desceram de Juiz de Fora sobre o Rio, deflagrando o golpe militar que deu ensejo a uma ditadura de 21 anos. Outra vez, para salvar a democracia ameaçada pelo comunismo.

À frente o general Hamilton Mourão(sem nenhum grau de parentesco com o Mourão que o antecedeu), os militares estão agora em busca de outra narrativa – essa, que possa salvá-los, e ao governo Bolsonaro, da culpa pelo crescimento acelerado da devastação da Amazônia, bem tão caro aos fardados.

Mourão, o vice, foi designado por Bolsonaro para descascar o abacaxi que poderá afugentar do país grandes investimentos internacionais. “O Brasil foi jogado nas cordas na questão ambiental”, admite Mourão. Só sairá das cordas, segundo ele, se apresentar resultados.

Por ora, Mourão ainda insiste em dizer que o Brasil “tem os melhores números” do planeta em matéria de preservação do meio ambiente (não cola, mas ele insiste). A culpa é governos passados pelo estágio atual da degradação da Amazônia (não cola também, mas ele insiste).

Quanto a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que perdeu a interlocução com os governos europeus, esse acabará sacrificado por falta de serventia. Salles não tem a mínima importância, nunca teve. Faz o que lhe mandam fazer. Deverá ser empregado em outro lugar.

Em breve, o governo terá de se preocupar com outra narrativa. O que dizer sobre seu fracasso no combate à pandemia? Atribuir o fracasso a governadores e prefeitos, não convence. À gripezinha, tampouco. Ao vírus chinês? A China é o maior parceiro comercial do Brasil. À esquerda? Ela está fora do poder.

Sugestões para o endereço acima.

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