O Estado de S. Paulo
Reeleição é a forma de sobrevivência
política em democracias e, por ela, alguns pagam qualquer custo
A sociedade brasileira ficou chocada com os
acontecimentos políticos ocorridos ao longo da semana, produzidos tanto pelo
Executivo como pelo Legislativo.
O presidente Jair Bolsonaro radicalizou com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em sua defesa do voto impresso, inclusive com ofensas pessoais e ameaça de impeachment contra dois de seus ministros, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Mesmo tendo sido amplamente derrotado na Comissão Especial, forçou a votação no plenário da Câmara dos Deputados da proposta de reforma constitucional que tornaria o voto impresso obrigatório. Mobilizou inclusive um desfile de tanques das forças armadas, que mais se assemelhou a um “fumacê”.
Embora a PEC do voto impresso tenha sido
derrotada no plenário da Câmara, vários parlamentares de oposição, que não
fazem parte da base de apoio do presidente, votaram, surpreendentemente, a
favor do voto impresso. Para completar, deputados aprovaram em primeiro turno a
reforma do sistema eleitoral que referendou o retorno das
coligações partidárias nas eleições proporcionais, que tem
estimulado a proliferação de partidos.
O que explica esses acontecimentos até certo ponto inusitados?
Bolsonaro, por mais que almeje, sabe que
não tem condições políticas de implementar qualquer retrocesso institucional na
democracia brasileira. A sociedade, o Congresso e as organizações de controle
têm dado demonstrações de força e de capacidade de impor restrições e derrotas
sucessivas ao presidente. Diante dos fortíssimos desgastes com a gerência
da pandemia da
covid-19, inclusive entre parcela significativa de seus eleitores de
2018, tem ficado cada vez mais claro que Bolsonaro perdeu competitividade
eleitoral. Os institutos de pesquisa indicam que a sua reeleição em 2022 está
cada vez mais improvável.
Bolsonaro anda no “fio da navalha”. Se
moderar demasiadamente seu discurso e atitude, sinalizando que se rendeu ao
presidencialismo de coalizão, diminui as chances de ter seu mandato abreviado,
mas corre sérios riscos de ver sua base eleitoral perder coesão e desagregar.
Por outro lado, se passar do ponto na sua radicalização com as outras
instituições, pode se isolar ainda mais perdendo competitividade eleitoral e
viabilidade política de terminar seu mandato. Portanto, embora tenha de
calibrar, não pode prescindir de seu discurso belicoso e autoritário para
sobreviver.
Com relação aos deputados de oposição que
votaram a favor do voto impresso, é importante não esquecer que 2021 é ano
pré-eleitoral. Os deputados sabiam que o voto impresso não iria passar. Por que
se desgastar com um Executivo que tem discricionariedade para executar um orçamento
bilionário de emendas de relator?
Mesmo que a posição favorável ao voto
impresso venha a lhes gerar desgastes eleitorais, esses parlamentares
garantiram recursos orçamentários às suas bases eleitorais via execução de
emendas de relator, capitais para a sua reeleição. Só quem fazia oposição
sistemática a Bolsonaro e, portanto, não tinha esperança de ter acesso a tais
recursos, é que se sentiu motivado a votar contra o voto impresso.
Também pode ser atribuído à sobrevivência
eleitoral a decisão da grande maioria dos deputados dos mais variados partidos
de aprovar o retorno das coligações proporcionais. Quase 95% dos deputados
federais da atual legislatura não atingiram sozinhos o quociente eleitoral. Ou
seja, necessitaram das sobras de outros partidos coligados para se eleger. A
taxa de reeleição de deputados, que costumava ser de 68%, caiu para 53% nas
eleições de 2018.
Diante desta evidente falta de estabilidade
da carreira parlamentar, a racionalidade individual dos deputados levou-os a
priorizar a sua sobrevivência, mesmo diante dos custos de perpetuação da
hiperfragmentação partidária e em detrimento da qualidade de representação e da
governabilidade.
Mais uma vez, a sobrevivência eleitoral
falou mais alto.
*Professor Titular FGV/EBAPE, Rio de Janeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário