domingo, 15 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

O ‘poder moderador’ e o imoderado

O Estado de S. Paulo

O que Jair Bolsonaro supunha ser demonstração de poder serviu para escancarar os limites de sua autoridade imaginária

Diante dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e de oficiais-generais recém-promovidos, numa solenidade na quinta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu às Forças Armadas a função de “poder moderador”.

Não foi a primeira vez que o presidente distorceu o papel institucional dos militares, mas a reiteração de tal deturpação neste momento tenso reforça a disposição de Bolsonaro de confrontar os que, no Judiciário, pretendem fazê-lo responder por atos que afrontam a democracia. E, como já está claro, o presidente se esforça com denodo para envolver as Forças Armadas em seus propósitos liberticidas.

Sendo um “poder moderador”, na visão de Bolsonaro, as Forças Armadas estariam acima dos Poderes constitucionais e, nessa condição, seriam irresponsáveis. Obviamente, não há nada disso na Constituição, como já declararam os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, quando tiveram que se posicionar acerca da excêntrica hermenêutica constitucional de Bolsonaro.

Desta vez, ao contrário do que sempre faz, o presidente não citou o artigo 142 da Constituição, segundo o qual as Forças Armadas são instituições nacionais “que se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” – o que, na leitura bolsonarista, significa que a manutenção da democracia depende dos militares.

Em seu discurso, contudo, Bolsonaro deixou claro que não considera as Forças Armadas um “poder moderador” no estilo do estabelecido pela Constituição de 1824, que dava ao imperador o “poder neutro” de velar pela “manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes políticos” (artigo 98). Não. O “poder moderador” que Bolsonaro quer ver exercido pelas Forças Armadas nada tem de neutro, pois o presidente disse esperar que o comando militar dê “apoio total às decisões do presidente para o bem de sua nação”.

Ou seja, o “poder moderador” das Forças Armadas, segundo Bolsonaro, deve ser exercido no estrito cumprimento das ordens presidenciais – porque, afinal, como ele vive a dizer e repetir, o presidente é o “comandante supremo das Forças Armadas”. E isso significa que, para Bolsonaro, cabe aos militares, sob seu comando, “moderar” os Poderes que, no exercício de suas funções institucionais, impõem limites ao presidente.

Não se pode condenar quem veja nesse discurso a enésima ameaça de ruptura da ordem democrática por parte de Bolsonaro, e jamais esteve tão claro que o presidente imagina contar com os militares para sua aventura autoritária.

No entanto, malgrado haja apoio de parte dos militares a Bolsonaro, por afinidade de ideias e laços de camaradagem, está cada vez mais claro que esse apoio é insuficiente para que as Forças Armadas afinal se prestem a ser guarda pretoriana do presidente. O fato de que Bolsonaro já teve que trocar os comandantes militares e seu ministro da Defesa porque estes haviam se recusado a fazer das Forças Armadas linha auxiliar do bolsonarismo mostra que há uma distância razoável entre os devaneios do presidente e a realidade nos quartéis.

Isso fica evidente com a insistência de Bolsonaro em reafirmar seu poder sobre as Forças Armadas, submetendo-as publicamente a seus desígnios. No episódio mais recente, Bolsonaro inventou uma parada militar em Brasília com veículos blindados da Marinha para intimidar parlamentares que estavam para votar a PEC do Voto Impresso e para inquietar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, de onde brotam problemas para o presidente.

Nem a PEC do Voto Impresso foi aprovada nem as Cortes superiores se deixaram amedrontar – e, de quebra, o desfile de blindados, que gerou reações de indignação e de chacota, aborreceu parte considerável dos generais. Ou seja, o que Bolsonaro supunha ser uma demonstração de poder serviu, na verdade, para escancarar os limites de sua autoridade imaginária. Resta-lhe repetir que as Forças Armadas – e, por extensão, as demais instituições republicanas – devem se dobrar a seus desejos, como se a reiteração dessa bravata cesarista fosse suficiente para transformá-la em realidade.

O debate de boa-fé

O Estado de S. Paulo

TSE demonstrou não haver tema que não possa ser debatido com civilidade pela sociedade

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na pessoa de seu presidente, o ministro Luís Roberto Barroso, demonstrou na sessão de quinta-feira passada que não há tema, por mais controvertido ou descabido que seja, que não possa ser debatido livremente pela sociedade em termos civilizados e com o devido respeito aos interlocutores e à verdade factual. 

Dirigindo-se às “pessoas que, de boa-fé, defendem a ideia do voto impresso e acreditam que isto possa ser um mecanismo a mais de segurança” do sistema eleitoral brasileiro, o ministro Barroso anunciou uma série de medidas que o TSE adotará a fim de ampliar a participação da sociedade nas ações de aferição da segurança das urnas eletrônicas, dando ainda mais transparência ao processo.

Uma das principais medidas anunciadas pela Corte Eleitoral é a criação de uma Comissão Externa de Transparência, integrada por acadêmicos, organizações da sociedade civil e representantes do Tribunal de Contas da União (TCU), da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), do Congresso, da Polícia Federal (PF) e das Forças Armadas, para “auxiliar o tribunal a planejar medidas de transparência e acompanhar cada etapa do processo eleitoral”.

O TSE também decidiu ampliar de seis meses para um ano o prazo de fiscalização do código-fonte das urnas eletrônicas. Neste período, as eventuais falhas de programação dos equipamentos poderão ser apontadas pelos especialistas, tanto os da Corte como os indicados por partidos políticos.

O ministro Barroso anunciou ainda a realização de um estudo para aumentar o número de urnas eletrônicas que são submetidas ao chamado “teste de integridade”, uma espécie de eleição simulada que é realizada por uma empresa privada no mesmo dia do pleito oficial. Desde 2002, este teste tem sido realizado com cerca de cem aparelhos, aleatoriamente selecionados. Estima-se que o número aumente para cerca de 400 aparelhos.

Por fim, o presidente do TSE afirmou que reforçará “expressamente” o convite para que fiscais dos partidos políticos participem de toda a fase de preparação das urnas eletrônicas, desde a inseminação do código-fonte até a lacração dos equipamentos para distribuição às seções eleitorais País afora. Isto não é uma inovação. Já é dado às legendas participar de todo o processo, mas muitas não enviam seus representantes porque simplesmente confiam no trabalho realizado pelo TSE. E, de fato, jamais houve razão para desconfianças.

A rigor, o TSE não precisava ter feito o que fez. Em primeiro lugar, porque, dois dias antes, a Câmara dos Deputados havia rejeitado a PEC do Voto Impresso e o assunto foi considerado “encerrado” pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Por sua vez, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que a matéria não voltaria a ser discutida na Câmara Alta. Portanto, do ponto de vista institucional, as discussões sobre o voto impresso – absolutamente inoportunas, estimuladas pelo presidente Jair Bolsonaro apenas para atender a seus interesses mais mesquinhos – estavam, de fato, encerradas.

Em segundo lugar, não havia qualquer razão de ordem prática para que o TSE adotasse mais mecanismos de garantia da segurança das urnas eletrônicas além dos que já são adotados pela Corte Eleitoral e, desde 1996, dão legitimidade às escolhas dos eleitores, sem qualquer contestação relevante em todo este tempo. Assim como jamais os brasileiros se ocuparam de conhecer os laboratórios que fabricam as vacinas que os protegem de um sem-número de doenças, jamais a segurança das urnas eletrônicas foi uma questão que preocupou a Nação. Até as levianas suspeições propaladas pelo pior presidente que já governou este país.

Espera-se que, com as medidas adicionais anunciadas pelo TSE, os brasileiros de boa-fé se sintam mais seguros em relação ao processo eleitoral. Decerto, muitos ainda seguirão céticos, seja por desinformação, seja por adesão inconteste à tese estapafúrdia de Bolsonaro. Mas, como bem salientou o ministro Barroso, “para a má-fé nós não temos solução”.

Derrapando no retorno

O Estado de S. Paulo

BC mostra na prévia do PIB reação lenta e insegura no primeiro semestre

Para crescer em torno de 5,5% neste ano, como se prevê no mercado, o Brasil ainda precisará de um bom impulso para compensar o medíocre desempenho no primeiro semestre. A economia reagiu depois do desastre causado em 2020 pela pandemia, mas a recuperação em 2021 tem sido insegura e insuficiente para reduzir o enorme desemprego. Depois de um tropeço em maio, os negócios avançaram 1,14% em junho, mas fecharam o segundo trimestre com ganho de apenas 0,12% sobre o primeiro, de acordo com o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Esse indicador, publicado mensalmente, é usado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). Serve de baliza para o mercado e para as decisões de política monetária do BC.

Depois de um tombo de 4,1% no ano passado, a economia brasileira deve crescer 5,3% em 2021, retornando ao patamar de 2019, segundo o último boletim Focus. Esse boletim contém as medianas das projeções do mercado, coletadas em consultas semanais pelo BC. Estimativas de grandes bancos têm ficado na faixa de 5,1% a 5,7%.

Qualquer semelhança com as taxas de crescimento de outros emergentes, ou mesmo de alguns países desenvolvidos, é apenas aparente. Se o desempenho previsto para 2021 for confirmado, o Brasil apenas sairá do buraco, talvez com pequeno ganho, e voltará ao padrão normal dos últimos oito ou nove anos. Para 2022 as contas do mercado apontam, como mediana, uma expansão econômica de 2,05%. Pelo menos um grande banco já reduziu a estimativa de 2% para 1,5%.

Não há por que apostar em taxas muito maiores. O ritmo sustentável dificilmente deve superar a faixa de 2% a 2,5%, no médio e no longo prazos. Para isso será necessário reforçar o sistema produtivo, com investimentos muito maiores na modernização de empresas, na expansão e na melhoria da infraestrutura, no desenvolvimento tecnológico e na formação de capital humano. Será preciso revalorizar o Ministério da Tecnologia e reabilitar o Ministério da Educação, devastado por ministros à altura do presidente Jair Bolsonaro.

Se os dados do IBC-Br forem corretos ou bem aproximados, a economia pouco terá crescido no primeiro semestre, a partir do degrau atingido no fim de 2020. O ganho acumulado nesse período poderá ter batido em 1,75%, mas há, no mercado, quem estime resultado mais próximo de 1,40%. Qualquer balanço parece mostrar um avanço insignificante entre o primeiro e o segundo trimestres.

Os números ficam mais vistosos quando as comparações envolvem períodos de um ano, mas isso resulta, obviamente, de cálculos a partir de bases muito baixas. O indicador de junho foi 9,07% superior ao de um ano antes. O confronto entre o segundo trimestre de 2021 e o segundo de 2020 indica um avanço de 13,17%. Nos primeiros seis meses a atividade foi 7,01% mais alta que na primeira metade do ano passado. O efeito é menos sensível quando se mede o avanço acumulado nos 12 meses até junho sobre os 12 meses imediatamente anteriores. O crescimento, nesse caso, ficou em 2,33%.

Esse último número proporciona uma visão mais clara do avanço desde o início da retomada. Esse movimento foi irregular e essa característica é visível nos dados mensais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo esses dados, as vendas no varejo diminuíram 1,7% em junho, depois de um aumento de 2,7% no mês anterior. A produção industrial cresceu 1,4% em maio, depois de três meses consecutivos de redução, e teve expansão nula em junho. Nesse mês, os serviços avançaram 1,7% e superaram por 2,4% o patamar pré-pandemia, mas de forma muito desigual, com o turismo ainda abaixo daquele nível.

A recuperação descontínua e desigual entre segmentos e regiões é visível também no desempenho regional da indústria. Em junho, apenas cinco dos 15 locais cobertos pela pesquisa mensal exibiam produção superior àquela registrada em fevereiro de 2020, último mês anterior ao choque da pandemia. A desigualdade reflete-se também, e de modo mais doloroso, no desemprego muito superior ao observado na maior parte dos emergentes.

Bolsonaro será alvo na Cúpula pela Democracia

O Globo

É bem-vinda a iniciativa do presidente americano, Joe Biden, de organizar o que batizou de Cúpula pela Democracia, um encontro de chefes de Estado, representantes da sociedade civil e do setor privado. A ideia era uma promessa de campanha que agora tem data marcada. Ao todo serão duas reuniões. A primeira será virtual, nos dias 9 e 10 de dezembro. A segunda deverá ser ao vivo, cerca de um ano depois da primeira. Em ambas, a agenda terá três temas principais: 1) a defesa contra o autoritarismo; 2) a luta contra a corrupção; e 3) o respeito aos direitos humanos.

Embora o governo americano ainda não tenha divulgado oficialmente quem convidará, representantes do governo brasileiro confirmaram ao GLOBO que o presidente Jair Bolsonaro pretende participar. É verdade que uma das motivações de Biden para promover a cúpula é fortalecer uma aliança contra o crescente poder chinês na cena internacional, e o Brasil é um palco importante na América Latina para a disputa por influência das duas potências. Mas que o governo brasileiro não se iluda. Bolsonaro, cuja imagem como um clone mal-acabado de Donald Trump já está sedimentada na opinião pública mundial, será um dos alvos de Biden na cúpula.

Recentemente, O GLOBO noticiou que o enviado da Casa Branca ficou espantado em Brasília ao ouvir do presidente brasileiro declarações em apoio à fantasia de que a eleição de Biden foi roubada, como sustenta a propaganda trumpista.

Declarações de amor e respeito eterno à democracia cairão no vazio diante de Bolsonaro. Ele é hoje alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acusado de disseminar desinformação da mesma natureza sobre a lisura das eleições brasileiras. É evidente que pretende semear dúvidas em relação às urnas eletrônicas para poder contestar eventuais resultados desfavoráveis no ano que vem, exatamente como Trump fez nos Estados Unidos.

Não há, como deixou claríssimo o enviado de Biden ao reconhecer a qualidade e a confiabilidade do sistema brasileiro de apuração dos votos, chance alguma de o governo americano compactuar com tentativas de ruptura institucional. É isso que, mais uma vez, a cúpula tentará deixar claro a Bolsonaro.

No material divulgado pelo Departamento de Estado, um dos trechos descreve os ataques em curso à democracia, sem citar país algum: “O descrédito da população e a incapacidade dos governos de promover progresso político e econômico de forma equitativa e sustentável serviu de combustível para a polarização e a ascensão de líderes que estão enfraquecendo as normas e as instituições democráticas”.

Confirmados o convite e a participação de Bolsonaro, o governo americano precisa tomar cuidado para não criar a oportunidade de que ele possa explorá-la entre seus apoiadores no Brasil. Depois das perseguições a críticos, dos inúmeros ataques contra o STF e o TSE, dos elogios à ditadura militar, da campanha de descrédito das urnas eletrônicas, das ameaças contra as eleições e, por fim, do desfile militar de agosto, seria risível, mas também trágico, ouvir Bolsonaro dizer na campanha eleitoral de 2022 que até Biden reconheceu suas credenciais democráticas ao recebê-lo como um igual na cúpula.

Encolhimento, inconsistência e defecções desafiam futuro do PSDB

O Globo

Com Fernando Henrique Cardoso, o PSDB governou o Brasil por dois mandatos, modernizou o Estado, resgatou o equilíbrio monetário, instaurou a responsabilidade fiscal, privatizou estatais, introduziu políticas sociais e abriu o caminho aos anos de crescimento nos governos petistas. Foi por mais de uma década o principal partido da oposição no Congresso, governa há mais de 25 anos o estado mais rico da Federação, além de comandar dezenas de outros estados e prefeituras. Não há, por tudo isso, como negar a importância do partido.

Fica a cada dia mais nítido, contudo, que os tucanos se tornaram no plano político as principais vítimas da ascensão do bolsonarismo. Os sinais de encolhimento são visíveis. Lideranças que disputaram o legado de FH estão retraídas ou buscam novos rumos. Geraldo Alckmin, duas vezes candidato à Presidência, anunciou que, para voltar a concorrer ao governo paulista, sairá do partido onde seu espaço foi ocupado por João Doria, o outrora pupilo tornado desafeto. José Serra, também candidato duas vezes, licenciou-se do Senado para tratamento de saúde.

Aécio Neves, principal nome da nova geração, herdeiro aparente da coroa partidária depois da derrota para Dilma Rousseff, foi incapaz de fazer jus ao papel. Enroscou-se na Operação Lava Jato, trocou o Senado pela Câmara para garantir foro privilegiado, e seu último sinal de vida foi a abstenção patética na emenda do voto impresso. Votação em que 14 dos 32 deputados tucanos ficaram do lado do bolsonarismo, contra a orientação partidária (além de cinco abstenções). Não há sinal mais eloquente de um partido dividido.

O paradoxo do PSDB sempre foi conciliar suas raízes entre intelectuais da esquerda social-democrata com o eleitorado de direita que se aproximou do partido, atraído pelo programa econômico liberal ou apenas por ele ter durante anos encarnado a oposição ao petismo. À medida que o bolsonarismo e assemelhados ocuparam essa raia, o espaço dos tucanos se estreitou. Encontrar saída para o paradoxo depende da competência dos líderes partidários.

O principal, pelo poder que concentra e pelo Orçamento que comanda, é Doria. Mas ele ainda tem diante de si o desafio de construir uma candidatura presidencial que não é consenso nem no próprio PSDB. O governador gaúcho, Eduardo Leite, também mira no Planalto e enfrentará Doria nas prévias. Jovem, Leite se tornou o símbolo da direita capaz de conciliar o liberalismo na economia (promove privatizações e um hercúleo ajuste fiscal nas contas do estado) e nos costumes (recentemente assumiu a homossexualidade).

A história e a experiência administrativa do PSDB em tese o credenciariam como principal tributário dos eleitores insatisfeitos com petismo e bolsonarismo. A própria pecha de ficar “em cima do muro” faria dos tucanos a alternativa natural à polarização. Transformar esse possibilidade em realidade exige, contudo, mais do que eles têm conseguido demonstrar nos últimos tempos. Quem olha para as votações no Parlamento hoje não vê diferença entre o PSDB e os partidos do Centrão.

Bolsa rebatizada

Folha de S. Paulo

Auxílio Brasil só será eficaz com desenho criterioso e respeito ao Orçamento

Ainda que com claro objetivo eleitoreiro, a proposta do governo para reformular e ampliar o Bolsa Família, que passaria a ser chamado de Auxílio Brasil, abre uma oportunidade para aperfeiçoamento da mais impactante política de transferência de renda do país.

O novo programa mantém as três modalidades básicas do Bolsa Família e cria seis benefícios adicionais. Mantém-se a lógica de auxílio a famílias em situação de extrema pobreza e pobreza, com foco na primeira infância e nos jovens; amplia-se o corte de idade de 17 para 21 anos, em tentativa de incentivar a conclusão do ensino médio.

Os componentes acessórios propostos incluem incentivos para a entrada de jovens no mercado de trabalho e premiação para desempenho escolar e esportivo.

O benefício criança-cidadã, ademais, prevê pagamento para que pais que precisam trabalhar possam matricular crianças de até 4 anos em creches particulares, se não houver vaga em instituição pública ou privada conveniada.

A medida provisória enviada ao Congresso não estipula valores para os benefícios, cuja média está atualmente em R$ 189, mas as manifestações de membros do governo indicam um aumento de pelo menos 50%, além da ampliação da cobertura para 18 milhões de famílias (ante 14,8 milhões hoje).

O custo, assim, poderia se aproximar de R$ 25 bilhões anuais, que se somaria aos R$ 34,9 bilhões já alocados para o Bolsa Família.

Especialistas reconhecem méritos nas intenções, mas apontam falhas no desenho, falta de clareza sobre os estudos que lastreiam a proposta, riscos de perda de efetividade pelos vários objetivos postos, entre outros. O outro debate fundamental se dá em torno dos valores, das dimensões da despesa e das fontes de recursos.

O Bolsa Família se mostrou bem-sucedido justamente por manter foco claro nos mais pobres, obtendo expressivo impacto social com custo orçamentário relativamente baixo. Preservar esse princípio é crítico; o reajuste de benefícios e a ampliação da cobertura devem ser promovidos de forma criteriosa.

Cabe agora ao Congresso aperfeiçoar o formato e os incentivos para maximizar a eficácia. A começar pelo presidente em busca frenética de popularidade, não se deve cair numa competição política por cifras sem compromisso com resultados e justiça distributiva.

A fim de consolidar ganhos de renda para os mais pobres, é imprescindível manter a disciplina fiscal, com respeito ao teto de gastos. Infelizmente, não é essa a mensagem do governo que, ao contrário, flerta com o descontrole das contas, aparentemente alheio ao fato de que mais inflação e desemprego na verdade subtraem votos.

A imagem da polícia

Folha de S. Paulo

Espera-se que as câmeras no uniforme de PMs de SP levem à redução da letalidade

Com meros dois meses em uso experimental, é cedo para um balanço da afixação de câmeras “grava-tudo” no uniforme de policiais militares paulistas. Ainda assim, a redução na letalidade do patrulhamento suscita justificado otimismo.

Em comparação a julho de 2020, o mês passado registrou 40% menos mortes resultantes de intervenções da PM de São Paulo. Houve 25 óbitos, ante 42 no período anterior, marca atrás somente de junho de 2021, com 22 vítimas.

O período de retração nas ocorrências fatais coincidiu com o início do experimento de gravação de imagens durante o serviço dos PMs. Mesmo não sendo possível afirmar com certeza que o recuo se deveu à contenção induzida pelo aparelho, tal hipótese ganha força.

Policiais militares matam demais no Brasil. Em 2020 foram 6.416 suspeitos abatidos, 78% deles negros. É o triplo da letalidade policial registrada em 2013 e seis vezes o número de vítimas nos EUA (com população 60% maior e violência policial bem acima da observada em nações europeias).

Medidas para minimizar a carnificina são bem-vindas. A PM paulista vai no bom caminho ao aliar treinamento com equipamentos para aumentar a eficiência policial.

Assim ocorre com a disseminação de armamento não letal, como as armas de incapacitação neuromuscular (choque); um total de 3.750 delas já foram adquiridas e outras 3.125 estariam em vista. Das 270 ocorrências em que foram empregadas neste ano, até julho, 7 resultaram em mortes e 4 em ferimentos de agentes.

Para defensores usuais da truculência policial, o emprego de câmeras poderá inibir o policiamento ostensivo e reduzir sua capacidade de evitar crimes. Não é o que revelam estatísticas: em junho, com a menor quantidade de mortes, observou-se aumento de 12% nas prisões em flagrante.

A diminuição da letalidade soa ainda mais auspiciosa quando se toma em conta que o experimento com as primeiras 3.000 câmeras ocorre em apenas 18 batalhões paulistanos. Há planos de contratar mais 7.000 e estender o programa para toda a capital e Grande São Paulo em 2022.

Avaliação mais sólida da medida, por certo, só poderá ser traçada com dados acumulados ao longo de um período maior. Até lá, há que elogiar a iniciativa —protetora da reputação profissional dos policiais— e esperar que se sustente a colheita de frutos civilizatórios.

 

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