EDITORIAIS
O ‘poder moderador’ e o imoderado
O Estado de S. Paulo
O que Jair Bolsonaro supunha ser demonstração de poder serviu para escancarar os limites de sua autoridade imaginária
Diante dos comandantes do Exército, da
Marinha e da Aeronáutica e de oficiais-generais recém-promovidos, numa
solenidade na quinta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu às
Forças Armadas a função de “poder moderador”.
Não foi a primeira vez que o presidente
distorceu o papel institucional dos militares, mas a reiteração de tal
deturpação neste momento tenso reforça a disposição de Bolsonaro de confrontar
os que, no Judiciário, pretendem fazê-lo responder por atos que afrontam a
democracia. E, como já está claro, o presidente se esforça com denodo para
envolver as Forças Armadas em seus propósitos liberticidas.
Sendo um “poder moderador”, na visão de
Bolsonaro, as Forças Armadas estariam acima dos Poderes constitucionais e,
nessa condição, seriam irresponsáveis. Obviamente, não há nada disso na
Constituição, como já declararam os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, do
Supremo Tribunal Federal, quando tiveram que se posicionar acerca da excêntrica
hermenêutica constitucional de Bolsonaro.
Desta vez, ao contrário do que sempre faz,
o presidente não citou o artigo 142 da Constituição, segundo o qual as Forças
Armadas são instituições nacionais “que se destinam à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem” – o que, na leitura bolsonarista, significa que a manutenção da
democracia depende dos militares.
Em seu discurso, contudo, Bolsonaro deixou claro que não considera as Forças Armadas um “poder moderador” no estilo do estabelecido pela Constituição de 1824, que dava ao imperador o “poder neutro” de velar pela “manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes políticos” (artigo 98). Não. O “poder moderador” que Bolsonaro quer ver exercido pelas Forças Armadas nada tem de neutro, pois o presidente disse esperar que o comando militar dê “apoio total às decisões do presidente para o bem de sua nação”.
Ou seja, o “poder moderador” das Forças
Armadas, segundo Bolsonaro, deve ser exercido no estrito cumprimento das ordens
presidenciais – porque, afinal, como ele vive a dizer e repetir, o presidente é
o “comandante supremo das Forças Armadas”. E isso significa que, para
Bolsonaro, cabe aos militares, sob seu comando, “moderar” os Poderes que, no
exercício de suas funções institucionais, impõem limites ao presidente.
Não se pode condenar quem veja nesse
discurso a enésima ameaça de ruptura da ordem democrática por parte de
Bolsonaro, e jamais esteve tão claro que o presidente imagina contar com os
militares para sua aventura autoritária.
No entanto, malgrado haja apoio de parte
dos militares a Bolsonaro, por afinidade de ideias e laços de camaradagem, está
cada vez mais claro que esse apoio é insuficiente para que as Forças Armadas
afinal se prestem a ser guarda pretoriana do presidente. O fato de que
Bolsonaro já teve que trocar os comandantes militares e seu ministro da Defesa
porque estes haviam se recusado a fazer das Forças Armadas linha auxiliar do
bolsonarismo mostra que há uma distância razoável entre os devaneios do
presidente e a realidade nos quartéis.
Isso fica evidente com a insistência de
Bolsonaro em reafirmar seu poder sobre as Forças Armadas, submetendo-as
publicamente a seus desígnios. No episódio mais recente, Bolsonaro inventou uma
parada militar em Brasília com veículos blindados da Marinha para intimidar
parlamentares que estavam para votar a PEC do Voto Impresso e para inquietar o
Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, de onde brotam
problemas para o presidente.
Nem a PEC do Voto Impresso foi aprovada nem
as Cortes superiores se deixaram amedrontar – e, de quebra, o desfile de
blindados, que gerou reações de indignação e de chacota, aborreceu parte
considerável dos generais. Ou seja, o que Bolsonaro supunha ser uma
demonstração de poder serviu, na verdade, para escancarar os limites de sua
autoridade imaginária. Resta-lhe repetir que as Forças Armadas – e, por
extensão, as demais instituições republicanas – devem se dobrar a seus desejos,
como se a reiteração dessa bravata cesarista fosse suficiente para
transformá-la em realidade.
O debate de boa-fé
O Estado de S. Paulo
TSE demonstrou não haver tema que não possa ser debatido com civilidade pela sociedade
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na
pessoa de seu presidente, o ministro Luís Roberto Barroso, demonstrou na sessão
de quinta-feira passada que não há tema, por mais controvertido ou descabido
que seja, que não possa ser debatido livremente pela sociedade em termos
civilizados e com o devido respeito aos interlocutores e à verdade
factual.
Dirigindo-se às “pessoas que, de boa-fé,
defendem a ideia do voto impresso e acreditam que isto possa ser um mecanismo a
mais de segurança” do sistema eleitoral brasileiro, o ministro Barroso anunciou
uma série de medidas que o TSE adotará a fim de ampliar a participação da
sociedade nas ações de aferição da segurança das urnas eletrônicas, dando ainda
mais transparência ao processo.
Uma das principais medidas anunciadas pela
Corte Eleitoral é a criação de uma Comissão Externa de Transparência, integrada
por acadêmicos, organizações da sociedade civil e representantes do Tribunal de
Contas da União (TCU), da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), do Congresso, da
Polícia Federal (PF) e das Forças Armadas, para “auxiliar o tribunal a planejar
medidas de transparência e acompanhar cada etapa do processo eleitoral”.
O TSE também decidiu ampliar de seis meses
para um ano o prazo de fiscalização do código-fonte das urnas eletrônicas.
Neste período, as eventuais falhas de programação dos equipamentos poderão ser
apontadas pelos especialistas, tanto os da Corte como os indicados por partidos
políticos.
O ministro Barroso anunciou ainda a
realização de um estudo para aumentar o número de urnas eletrônicas que são
submetidas ao chamado “teste de integridade”, uma espécie de eleição simulada
que é realizada por uma empresa privada no mesmo dia do pleito oficial. Desde
2002, este teste tem sido realizado com cerca de cem aparelhos, aleatoriamente
selecionados. Estima-se que o número aumente para cerca de 400 aparelhos.
Por fim, o presidente do TSE afirmou que
reforçará “expressamente” o convite para que fiscais dos partidos políticos
participem de toda a fase de preparação das urnas eletrônicas, desde a
inseminação do código-fonte até a lacração dos equipamentos para distribuição
às seções eleitorais País afora. Isto não é uma inovação. Já é dado às legendas
participar de todo o processo, mas muitas não enviam seus representantes porque
simplesmente confiam no trabalho realizado pelo TSE. E, de fato, jamais houve
razão para desconfianças.
A rigor, o TSE não precisava ter feito o
que fez. Em primeiro lugar, porque, dois dias antes, a Câmara dos Deputados
havia rejeitado a PEC do Voto Impresso e o assunto foi considerado “encerrado”
pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Por sua vez, o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que a matéria não voltaria a ser
discutida na Câmara Alta. Portanto, do ponto de vista institucional, as
discussões sobre o voto impresso – absolutamente inoportunas, estimuladas pelo
presidente Jair Bolsonaro apenas para atender a seus interesses mais mesquinhos
– estavam, de fato, encerradas.
Em segundo lugar, não havia qualquer razão
de ordem prática para que o TSE adotasse mais mecanismos de garantia da
segurança das urnas eletrônicas além dos que já são adotados pela Corte
Eleitoral e, desde 1996, dão legitimidade às escolhas dos eleitores, sem
qualquer contestação relevante em todo este tempo. Assim como jamais os
brasileiros se ocuparam de conhecer os laboratórios que fabricam as vacinas que
os protegem de um sem-número de doenças, jamais a segurança das urnas
eletrônicas foi uma questão que preocupou a Nação. Até as levianas suspeições
propaladas pelo pior presidente que já governou este país.
Espera-se que, com as medidas adicionais
anunciadas pelo TSE, os brasileiros de boa-fé se sintam mais seguros em relação
ao processo eleitoral. Decerto, muitos ainda seguirão céticos, seja por
desinformação, seja por adesão inconteste à tese estapafúrdia de Bolsonaro.
Mas, como bem salientou o ministro Barroso, “para a má-fé nós não temos
solução”.
Derrapando no retorno
O Estado de S. Paulo
BC mostra na prévia do PIB reação lenta e insegura no primeiro semestre
Para crescer em torno de 5,5% neste ano,
como se prevê no mercado, o Brasil ainda precisará de um bom impulso para
compensar o medíocre desempenho no primeiro semestre. A economia reagiu depois
do desastre causado em 2020 pela pandemia, mas a recuperação em 2021 tem sido
insegura e insuficiente para reduzir o enorme desemprego. Depois de um tropeço
em maio, os negócios avançaram 1,14% em junho, mas fecharam o segundo trimestre
com ganho de apenas 0,12% sobre o primeiro, de acordo com o Índice de Atividade
Econômica do Banco Central (IBC-Br). Esse indicador, publicado mensalmente, é
usado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). Serve de baliza para o
mercado e para as decisões de política monetária do BC.
Depois de um tombo de 4,1% no ano passado,
a economia brasileira deve crescer 5,3% em 2021, retornando ao patamar de 2019,
segundo o último boletim Focus. Esse boletim contém as medianas das projeções
do mercado, coletadas em consultas semanais pelo BC. Estimativas de grandes
bancos têm ficado na faixa de 5,1% a 5,7%.
Qualquer semelhança com as taxas de
crescimento de outros emergentes, ou mesmo de alguns países desenvolvidos, é
apenas aparente. Se o desempenho previsto para 2021 for confirmado, o Brasil
apenas sairá do buraco, talvez com pequeno ganho, e voltará ao padrão normal
dos últimos oito ou nove anos. Para 2022 as contas do mercado apontam, como
mediana, uma expansão econômica de 2,05%. Pelo menos um grande banco já reduziu
a estimativa de 2% para 1,5%.
Não há por que apostar em taxas muito
maiores. O ritmo sustentável dificilmente deve superar a faixa de 2% a 2,5%, no
médio e no longo prazos. Para isso será necessário reforçar o sistema produtivo,
com investimentos muito maiores na modernização de empresas, na expansão e na
melhoria da infraestrutura, no desenvolvimento tecnológico e na formação de
capital humano. Será preciso revalorizar o Ministério da Tecnologia e
reabilitar o Ministério da Educação, devastado por ministros à altura do
presidente Jair Bolsonaro.
Se os dados do IBC-Br forem corretos ou bem
aproximados, a economia pouco terá crescido no primeiro semestre, a partir do
degrau atingido no fim de 2020. O ganho acumulado nesse período poderá ter
batido em 1,75%, mas há, no mercado, quem estime resultado mais próximo de
1,40%. Qualquer balanço parece mostrar um avanço insignificante entre o
primeiro e o segundo trimestres.
Os números ficam mais vistosos quando as
comparações envolvem períodos de um ano, mas isso resulta, obviamente, de
cálculos a partir de bases muito baixas. O indicador de junho foi 9,07%
superior ao de um ano antes. O confronto entre o segundo trimestre de 2021 e o
segundo de 2020 indica um avanço de 13,17%. Nos primeiros seis meses a
atividade foi 7,01% mais alta que na primeira metade do ano passado. O efeito é
menos sensível quando se mede o avanço acumulado nos 12 meses até junho sobre
os 12 meses imediatamente anteriores. O crescimento, nesse caso, ficou em 2,33%.
Esse último número proporciona uma visão
mais clara do avanço desde o início da retomada. Esse movimento foi irregular e
essa característica é visível nos dados mensais do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo esses dados, as vendas no varejo
diminuíram 1,7% em junho, depois de um aumento de 2,7% no mês anterior. A
produção industrial cresceu 1,4% em maio, depois de três meses consecutivos de
redução, e teve expansão nula em junho. Nesse mês, os serviços avançaram 1,7% e
superaram por 2,4% o patamar pré-pandemia, mas de forma muito desigual, com o
turismo ainda abaixo daquele nível.
A recuperação descontínua e desigual entre
segmentos e regiões é visível também no desempenho regional da indústria. Em
junho, apenas cinco dos 15 locais cobertos pela pesquisa mensal exibiam
produção superior àquela registrada em fevereiro de 2020, último mês anterior
ao choque da pandemia. A desigualdade reflete-se também, e de modo mais
doloroso, no desemprego muito superior ao observado na maior parte dos
emergentes.
Bolsonaro será alvo na Cúpula pela
Democracia
O Globo
É bem-vinda a iniciativa do presidente
americano, Joe Biden, de organizar o que batizou de Cúpula pela Democracia, um
encontro de chefes de Estado, representantes da sociedade civil e do setor
privado. A ideia era uma promessa de campanha que agora tem data marcada. Ao
todo serão duas reuniões. A primeira será virtual, nos dias 9 e 10 de dezembro.
A segunda deverá ser ao vivo, cerca de um ano depois da primeira. Em ambas, a
agenda terá três temas principais: 1) a defesa contra o autoritarismo; 2) a
luta contra a corrupção; e 3) o respeito aos direitos humanos.
Embora o governo americano ainda não tenha
divulgado oficialmente quem convidará, representantes do governo brasileiro
confirmaram ao GLOBO que o presidente Jair Bolsonaro pretende participar. É
verdade que uma das motivações de Biden para promover a cúpula é fortalecer uma
aliança contra o crescente poder chinês na cena internacional, e o Brasil é um
palco importante na América Latina para a disputa por influência das duas
potências. Mas que o governo brasileiro não se iluda. Bolsonaro, cuja imagem
como um clone mal-acabado de Donald Trump já está sedimentada na opinião
pública mundial, será um dos alvos de Biden na cúpula.
Recentemente, O GLOBO noticiou que o
enviado da Casa Branca ficou espantado em Brasília ao ouvir do presidente
brasileiro declarações em apoio à fantasia de que a eleição de Biden foi
roubada, como sustenta a propaganda trumpista.
Declarações de amor e respeito eterno à
democracia cairão no vazio diante de Bolsonaro. Ele é hoje alvo de inquéritos
no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
acusado de disseminar desinformação da mesma natureza sobre a lisura das
eleições brasileiras. É evidente que pretende semear dúvidas em relação às
urnas eletrônicas para poder contestar eventuais resultados desfavoráveis no
ano que vem, exatamente como Trump fez nos Estados Unidos.
Não há, como deixou claríssimo o enviado de
Biden ao reconhecer a qualidade e a confiabilidade do sistema brasileiro de
apuração dos votos, chance alguma de o governo americano compactuar com
tentativas de ruptura institucional. É isso que, mais uma vez, a cúpula tentará
deixar claro a Bolsonaro.
No material divulgado pelo Departamento de
Estado, um dos trechos descreve os ataques em curso à democracia, sem citar
país algum: “O descrédito da população e a incapacidade dos governos de
promover progresso político e econômico de forma equitativa e sustentável
serviu de combustível para a polarização e a ascensão de líderes que estão
enfraquecendo as normas e as instituições democráticas”.
Confirmados o convite e a participação de
Bolsonaro, o governo americano precisa tomar cuidado para não criar a
oportunidade de que ele possa explorá-la entre seus apoiadores no Brasil.
Depois das perseguições a críticos, dos inúmeros ataques contra o STF e o TSE,
dos elogios à ditadura militar, da campanha de descrédito das urnas
eletrônicas, das ameaças contra as eleições e, por fim, do desfile militar de
agosto, seria risível, mas também trágico, ouvir Bolsonaro dizer na campanha
eleitoral de 2022 que até Biden reconheceu suas credenciais democráticas ao
recebê-lo como um igual na cúpula.
Encolhimento, inconsistência e defecções
desafiam futuro do PSDB
O Globo
Com Fernando Henrique Cardoso, o PSDB
governou o Brasil por dois mandatos, modernizou o Estado, resgatou o equilíbrio
monetário, instaurou a responsabilidade fiscal, privatizou estatais, introduziu
políticas sociais e abriu o caminho aos anos de crescimento nos governos
petistas. Foi por mais de uma década o principal partido da oposição no
Congresso, governa há mais de 25 anos o estado mais rico da Federação, além de
comandar dezenas de outros estados e prefeituras. Não há, por tudo isso, como
negar a importância do partido.
Fica a cada dia mais nítido, contudo, que
os tucanos se tornaram no plano político as principais vítimas da ascensão do
bolsonarismo. Os sinais de encolhimento são visíveis. Lideranças que disputaram
o legado de FH estão retraídas ou buscam novos rumos. Geraldo Alckmin, duas
vezes candidato à Presidência, anunciou que, para voltar a concorrer ao governo
paulista, sairá do partido onde seu espaço foi ocupado por João Doria, o
outrora pupilo tornado desafeto. José Serra, também candidato duas vezes,
licenciou-se do Senado para tratamento de saúde.
Aécio Neves, principal nome da nova
geração, herdeiro aparente da coroa partidária depois da derrota para Dilma Rousseff,
foi incapaz de fazer jus ao papel. Enroscou-se na Operação Lava Jato, trocou o
Senado pela Câmara para garantir foro privilegiado, e seu último sinal de vida
foi a abstenção patética na emenda do voto impresso. Votação em que 14 dos 32
deputados tucanos ficaram do lado do bolsonarismo, contra a orientação
partidária (além de cinco abstenções). Não há sinal mais eloquente de um
partido dividido.
O paradoxo do PSDB sempre foi conciliar
suas raízes entre intelectuais da esquerda social-democrata com o eleitorado de
direita que se aproximou do partido, atraído pelo programa econômico liberal ou
apenas por ele ter durante anos encarnado a oposição ao petismo. À medida que o
bolsonarismo e assemelhados ocuparam essa raia, o espaço dos tucanos se estreitou.
Encontrar saída para o paradoxo depende da competência dos líderes partidários.
O principal, pelo poder que concentra e
pelo Orçamento que comanda, é Doria. Mas ele ainda tem diante de si o desafio
de construir uma candidatura presidencial que não é consenso nem no próprio
PSDB. O governador gaúcho, Eduardo Leite, também mira no Planalto e enfrentará
Doria nas prévias. Jovem, Leite se tornou o símbolo da direita capaz de
conciliar o liberalismo na economia (promove privatizações e um hercúleo ajuste
fiscal nas contas do estado) e nos costumes (recentemente assumiu a
homossexualidade).
A história e a experiência administrativa
do PSDB em tese o credenciariam como principal tributário dos eleitores
insatisfeitos com petismo e bolsonarismo. A própria pecha de ficar “em cima do
muro” faria dos tucanos a alternativa natural à polarização. Transformar esse
possibilidade em realidade exige, contudo, mais do que eles têm conseguido
demonstrar nos últimos tempos. Quem olha para as votações no Parlamento hoje
não vê diferença entre o PSDB e os partidos do Centrão.
Bolsa rebatizada
Folha de S. Paulo
Auxílio Brasil só será eficaz com desenho
criterioso e respeito ao Orçamento
Ainda que com claro objetivo eleitoreiro, a
proposta do governo para reformular e
ampliar o Bolsa Família, que passaria a ser chamado de Auxílio
Brasil, abre uma oportunidade para aperfeiçoamento da mais impactante política
de transferência de renda do país.
O novo programa mantém as
três modalidades básicas do Bolsa Família e cria seis
benefícios adicionais. Mantém-se a lógica de auxílio a famílias em situação de
extrema pobreza e pobreza, com foco na primeira infância e nos jovens;
amplia-se o corte de idade de 17 para 21 anos, em tentativa de incentivar a
conclusão do ensino médio.
Os componentes acessórios propostos incluem
incentivos para a entrada de jovens no mercado de trabalho e premiação para
desempenho escolar e esportivo.
O benefício criança-cidadã, ademais, prevê
pagamento para que pais que precisam trabalhar possam matricular crianças de
até 4 anos em creches particulares, se não houver vaga em instituição pública
ou privada conveniada.
A medida provisória enviada ao Congresso
não estipula valores para os benefícios, cuja média está atualmente em R$ 189,
mas as manifestações de membros do governo indicam um aumento de pelo menos
50%, além da ampliação da cobertura para 18 milhões de famílias (ante 14,8
milhões hoje).
O custo, assim, poderia se aproximar de R$
25 bilhões anuais, que se somaria aos R$ 34,9 bilhões já alocados para o Bolsa
Família.
Especialistas
reconhecem méritos nas intenções, mas apontam falhas no desenho,
falta de clareza sobre os estudos que lastreiam a proposta, riscos de perda de
efetividade pelos vários objetivos postos, entre outros. O outro debate
fundamental se dá em torno dos valores, das dimensões da despesa e das fontes
de recursos.
O Bolsa Família se mostrou bem-sucedido
justamente por manter foco claro nos mais pobres, obtendo expressivo impacto
social com custo orçamentário relativamente baixo. Preservar esse princípio é
crítico; o reajuste de benefícios e a ampliação da cobertura devem ser
promovidos de forma criteriosa.
Cabe agora ao Congresso aperfeiçoar o
formato e os incentivos para maximizar a eficácia. A começar pelo presidente em
busca frenética de popularidade, não se deve cair numa competição política por
cifras sem compromisso com resultados e justiça distributiva.
A fim de consolidar ganhos de renda para os
mais pobres, é imprescindível manter a disciplina fiscal, com respeito ao teto
de gastos. Infelizmente, não é essa a mensagem do governo que, ao contrário,
flerta com o descontrole das contas, aparentemente alheio ao fato de que mais
inflação e desemprego na verdade subtraem votos.
A imagem da polícia
Folha de S. Paulo
Espera-se que as câmeras no uniforme de PMs
de SP levem à redução da letalidade
Com meros dois meses em uso experimental, é
cedo para um balanço da afixação de câmeras
“grava-tudo” no uniforme de policiais militares paulistas.
Ainda assim, a redução na letalidade do patrulhamento suscita justificado
otimismo.
Em comparação a julho de 2020, o mês
passado registrou 40% menos mortes resultantes de intervenções da PM de São
Paulo. Houve 25 óbitos, ante 42 no período anterior, marca atrás somente de
junho de 2021, com 22 vítimas.
O período de retração nas ocorrências
fatais coincidiu com o início do experimento de gravação de imagens durante o
serviço dos PMs. Mesmo não sendo possível afirmar com certeza que o recuo se
deveu à contenção induzida pelo aparelho, tal hipótese ganha força.
Policiais militares matam demais no Brasil.
Em 2020 foram 6.416 suspeitos abatidos, 78% deles negros. É o triplo da
letalidade policial registrada em 2013 e seis vezes o número de vítimas nos EUA
(com população 60% maior e violência policial bem acima da observada em nações
europeias).
Medidas para minimizar a carnificina são
bem-vindas. A PM paulista vai no bom caminho ao aliar treinamento com
equipamentos para aumentar a eficiência policial.
Assim ocorre com a disseminação de
armamento não letal, como as armas de incapacitação neuromuscular (choque); um
total de 3.750 delas já foram adquiridas e outras 3.125 estariam em vista. Das
270 ocorrências em que foram empregadas neste ano, até julho, 7 resultaram em
mortes e 4 em ferimentos de agentes.
Para defensores usuais da truculência
policial, o emprego de câmeras poderá inibir o policiamento ostensivo e reduzir
sua capacidade de evitar crimes. Não é o que revelam estatísticas: em junho,
com a menor quantidade de mortes, observou-se aumento de 12% nas prisões em
flagrante.
A diminuição da letalidade soa ainda mais
auspiciosa quando se toma em conta que o experimento com as primeiras 3.000
câmeras ocorre em apenas 18 batalhões paulistanos. Há planos de contratar mais
7.000 e estender o programa para toda a capital e Grande São Paulo em 2022.
Avaliação mais sólida da medida, por certo,
só poderá ser traçada com dados acumulados ao longo de um período maior. Até
lá, há que elogiar a iniciativa —protetora da reputação profissional dos
policiais— e esperar que se sustente a colheita de frutos civilizatórios.
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