O Globo
O Brasil ainda pode contribuir para o
progresso da Humanidade. Pode ser uma ilusão, mas prefiro achar que sim
Como fazer um filme, uma peça de teatro ou
ficção literária precisa de algum dinheiro, quando a cultura é perseguida e não
pode se expressar livre e independentemente, o que melhor revela o que está se
passando é a canção popular. Ao longo dos anos, em diferentes casos e países, é
ela que tem nos contado o que acontece de verdade.
A ditadura militar no Brasil começava a perder seu poder quando ouvi, no primeiro Rock in Rio, a canção “Pro dia nascer feliz”, uma espécie de fundo musical para a eleição de Tancredo Neves. Algum tempo depois, no derradeiro show de Cazuza, no velho Canecão, a grande novidade pop da música brasileira era o fracasso do Brasil como projeto de nação. Um fiapo de magro, com ênfase e horror, Cazuza inventava gestos agressivos ao cantar o país propondo, até com certa indecência, o que era preciso fazer com ele e seus mitos. No século XX, a música popular nunca faltou ao encontro do país em seus momentos mais significativos.
Para mim, começava ali a conclusiva
decepção com o velho sonho de ver o Brasil ensinando o resto do mundo a viver.
Como ser feliz apesar de tudo. Porque, apesar de tudo, acreditávamos num certo
jeito de levar a vida que incluía uma ideia de solidariedade que não dependia
de regime político ou coisa parecida. Era a nossa própria alegria de viver,
nossa certeza de poder compartilhá-la com qualquer tipo de gente. O que
ilustraria nossa confiança num futuro que iria se impor pela própria
necessidade do ser humano. Nada disso acabou acontecendo.
No cinema, queríamos pouco. Apenas
construir um novo cinema que realizasse nosso singelo programa de apenas três
pontos: mudar a história da atividade, tirando-a das mãos da indústria que nos
sufocava; mudar a história do país, trazendo seu povo para o primeiro plano
narrativo dos filmes; e mudar a história do mundo, que só estava esperando que
uma gente cordial e otimista, como pensávamos ser, se manifestasse. E tudo isso
era perfeitamente viável, se quem o realizasse fosse mesmo capaz de acreditar e
agir dentro dessa crença, sem medo de ser feliz.
Como nasci em 1940, sob a ditadura do
Estado Novo, só já maduro descobri que, na primeira eleição depois de sua
queda, o Brasil havia eleito, como presidente da democratização, o ministro da
Guerra do ditador que flertara com Adolf Hitler. Na eleição seguinte, foi o
próprio ex-ditador, responsável por um regime de crimes hediondos, que voltou
ao poder por votação popular. A cultura política entre nós sempre eximiu o
eleitor de qualquer responsabilidade.
Agora, estamos diante de uma eleição
igualmente decisiva, como são todas elas. Acho que, se pensarmos um pouco,
veremos que o Brasil ainda pode contribuir para o progresso da Humanidade. Pode
ser uma ilusão, mas prefiro achar que sim. Não vai adiantar nosso velho
patriarcalismo nos fazer procurar um poderoso que seja o culpado de tudo o que
nos contraria. Evitaríamos assim o desamor do povo, a quem juramos amar.
Pois bem, que se danem as alienações
clássicas. Não vou apenas torcer, mas também lutar pelos nossos candidatos
populares!
___________________
O diálogo substituído pela vontade do mais
poderoso, no elogio do autogolpe, na suspensão de salários devidos, no desprezo
pela opinião da população, na subestimação de certas etnias, na agressividade
de palavras e gestos, na barbárie. E é contra a barbárie que devemos votar, com
toda certeza.
____________________
Todo mundo já falou dessa eleição
polarizada, dessa divisão sectária, quase inédita no país, entre “nós” e
“eles”. O que precisamos compreender e aceitar é que ninguém é inocente, o ódio
foi destilado por todos os envolvidos na vida pública brasileira, gente de
qualquer um dos lados. Sim, pelos eleitores de 2018. E os eleitores são o povo
que cortejamos tanto, a ponto de estarmos dispostos a isentá-lo da derrota que
nos infligir.
Um comentário:
E que o povo vote certo desta vez.
Postar um comentário