O Globo
A crise na economia é parte importante do
quadro refletido nas pesquisas eleitorais. A inflação está alta, corroendo a
renda. Isso afeta dramaticamente os pobres e espalha desconforto na classe
média. Nos próximos dias, o presidente Jair Bolsonaro terá um número para
comemorar, o do PIB do primeiro trimestre, que pode ter alta de1,5% sobre o
período anterior. Isso é bom, mas é um olhar pelo espelho retrovisor que não
traz alívio neste momento. O governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira,
executam um golpe econômico através de medidas para reduzir rapidamente a
inflação de maneira artificial. A grande pergunta é: isso terá efeito
eleitoral? Pode, sim, diminuir o índice em até dois pontos percentuais, mas a
carestia continuará.
O Datafolha trouxe um quadro extremamente negativo para Bolsonaro, abrindo a possibilidade de a eleição se decidir no primeiro turno em favor do ex-presidente Lula da Silva. Nos números detalhados da pesquisa, tudo é desfavorável a Bolsonaro. Lula está disparado em vários segmentos da população, inclusive entre beneficiários do Auxílio Brasil. A medida populista e enganadora de trocar o nome do Bolsa Família, piorando muito a estrutura do programa de assistência aos mais pobres, não está funcionando. Bolsonaro e Lula estão tecnicamente empatados (39% x 36%) entre evangélicos. O uso abusivo do nome de Deus tem sido em vão.
A economia sempre jogou papel importante na
formação do humor do eleitorado. E ela está em terreno altamente negativo. A
inflação tira renda, os juros altos cortam o crédito, o desemprego aflige, o
baixo crescimento desanima. É importante entender que Bolsonaro não é uma
vítima das circunstâncias. Houve a pandemia, e o presidente agravou seus
efeitos na economia pela maneira como liderou o país. Ele decretou guerra
contra os outros Poderes, os estados, a vacina, as medidas de proteção. Desta
forma, encareceu a luta contra a pandemia. Os efeitos da guerra da Rússia
contra a Ucrânia chegaram quando a inflação já estava em dois dígitos no país.
Bolsonaro piorou o que era ruim por razões internacionais.
A economia não é um ambiente isolado. É um
ser vivo afetado por tudo em volta. Um presidente estressado, que governa
levando diariamente o país ao limite da tensão, piora o clima econômico. A estratégia
eleitoral de Bolsonaro é a crise institucional. Ele acusa o sistema eleitoral
de fraude, diz que se ele for derrotado pode não respeitar o resultado,
alimenta o fantasma da intervenção militar num país que tem esse trauma, ataca
os que vão presidir o processo eleitoral. Isso é lido nos conselhos das
empresas como imprevisibilidade. A dúvida sobre os eventos futuros desestimula
investimentos, reduz atividades econômicas, incentiva atitudes defensivas,
eleva preços. O modo de Bolsonaro governar é inflacionário e recessivo.
Bolsonaro deu a ordem para reduzir a
inflação custe o que custar. O golpe está sendo executado com a ajuda dos
ministros da Economia e de Minas e Energia e o presidente da Câmara dos
Deputados, o trio Guedes-Sachsida-Lira. Bolsonaro tirou o presidente da
Petrobras, Guedes defendeu o espaçamento dos reajustes, Sachsida soltou nota
dizendo que tudo é para manter “cenário equilibrado na área energética”.
Conversa fiada. O presidente mandou, e os dois asseclas realizam a intervenção grosseira
numa empresa de capital aberto para congelar os preços até as eleições de
outubro. Na Câmara, age o deputado Arthur Lira. Ele colocou em votação o
projeto que corta o ICMS dos combustíveis, tira receita dos estados, e os
compensa por seis meses. Guedes sabe que isso provocará distorções. Mas eles
querem a entrega imediata de uma redução da inflação.
É estelionato eleitoral. Mas vai funcionar?
Todos os economistas que ouvimos dizem que a inflação vai cair com esses
truques. Mas os analistas políticos duvidam que produza ganho eleitoral. A
inflação sairá dos atuais 12% para 10% ou um pouco menos, o que melhora, mas
não resolve a crise. O veneno de Bolsonaro voltou-se contra ele mesmo ao
contaminar a economia. A corrida no governo é para tentar neutralizar em quatro
meses a adversidade econômica que atinge o eleitorado. A economia estará sob
ataque nos próximos meses com todo o tipo de medida que possa enganar o
eleitor.
Um comentário:
Míriam Leitão é um fenômeno,escreve sobre economia com uma clareza impressionante.
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