O Globo
O país volta ao Largo de São Francisco para
reafirmar o valor da democracia em momento de muitas e infames ameaças
O dia de hoje, 11 de agosto, já amanheceu histórico. Nas mesmas arcadas, no mesmo “território livre” do Largo de São Francisco, em São Paulo, será lida uma carta ao país em que os signatários defenderão a democracia. Em várias outras cidades, diversas pessoas lerão a mensagem. O que se quer afirmar, com o ato, pode ser resumido em alguns pontos. Que a luta democrática tem tradição noBrasil, pessoas que discordam em muita coisa estão juntas na defesa de valores e princípios comuns, há muitos problemas a enfrentar e nesta hora da festa cívica da eleição estamos passando por um momento de imenso perigo.
A inspiração é conhecida e será dita. Em
1977, o professor Goffredo da Silva Telles leu sua carta, no mesmo local,
defendendo o fim da ditadura. Quem viveu aquele ano sabe o ar sufocante que
pesava sobre nós. Em abril, o Congresso foi fechado pelo general Geisel. Em
outubro, o Brasil estava diante de uma situação inusitada, porque até
democratas se viam torcendo por Geisel, já que a luta intestina e cabulosa
dentro do regime nos ameaçava com algo muito pior. Se o general Sylvio Frota
vencesse a disputa, que travou com o então presidente, haveria uma
radicalização da ditadura. Frota representava o que havia de pior dentro do
regime. Em seu gabinete trabalhava um certo capitão Heleno, hoje ministro-chefe
do Gabinete de Segurança Institucional. Foi entre esses dois eventos — o
fechamento do Congresso e a demissão do Ministro do Exército que conspirava
para endurecer o regime — que o professor Goffredo leu sua carta defendendo o
Estado Democrático de Direito.
Hoje, com a lembrança daquele momento
histórico, o Brasil ouvirá a leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros
em defesa do Estado Democrático de Direito”. Nos últimos dias, quando o número
de signatários se aproximava dos 900 mil, a sensação que se vivia era de que a
sociedade reagia, afinal, aos muitos e infames ataques do presidente da
República ao pacto político de 1988.
Ontem, reuni dois dos milhares de
signatários no meu programa na Globonews, a atriz Malu Mader e o ex-ministro da
Fazenda Pedro Malan, e perguntei por que eles haviam assinado.
— Não há como imaginar motivo que impedisse
alguém de assinar. Não é contra nenhum grupo ideológico. É a favor da
democracia, da liberdade, de nós brasileiros, de cada um de nós. A carta afirma
o valor fundamental da vida, da liberdade, todos valores garantidos na
Constituição. Ela só quer reafirmar uma conquista a duras penas, a democracia.
E ela está sendo claramente ameaçada pelo presidente. A carta vai ser lida como
resistência prévia a essa ameaça — disse Malu Mader.
— Há 45 anos houve também uma carta que
insistia na necessidade de o país se redemocratizar. A carta não é partidária.
A razão é que só na democracia há a aceitação e o elogio da diversidade, há a
legitimidade para resolver conflitos. Só na democracia há o reconhecimento da
importância da liberdade de expressão, de opinião, de imprensa, como direitos
fundamentais da sociedade. O ponto fundamental é que um presidente eleito tem
freios, filtros e contrapesos, e ele precisa se sentir presidente de todos os
brasileiros e não apenas daqueles que o elegeram — disse Malan.
— Quando a população fala que está tudo
errado, que tem que mudar tudo, a democracia serve para isso, é a única forma
de dar voz ao nosso desejo de mudar — disse Malu.
Malan foi o primeiro presidente do
Instituto dos Economistas, criado em 1978. Na época, o presidente da OAB era o
lendário Raymundo Faoro. Malan ouviu do jurista algo do qual não se esqueceu.
“Essa frente não durará para sempre, porque é multipartidária. Não é um partido
político que está por trás. E as pessoas vão se dividir, mas no momento temos
que estar juntos em um objetivo comum, compartilhado.” O ex-ministro destacou
outro manifesto, o assinado por mais de 100 instituições empresariais. E lembrou
o motivo de toda essa mobilização:
— As ameaças estão sendo reiteradas há
muito tempo, contestando o nosso processo eleitoral, a lisura do processo. E
uma tentativa de associação indébita das Forças Armadas, que são instituições
de Estado e não de governo, com a tutela da contagem paralela, de fiscalização,
processo que elas não deveriam estar envolvidas.
Hoje é 11 de agosto. A sociedade falará. Serão centenas de milhares de vozes. A beleza da democracia é que ela é polifônica.
Um comentário:
Míriam Leitão e sua lucidez dos fatos.
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