domingo, 11 de setembro de 2022

Cristovam Buarque* - Chile ensinou

Blog do Noblat / Metrópoles, (10/9/22)

Recusaram a utopia sonhada na nova constituição, por perceberem que ela era inviável

Ao recusar uma nova constituição, elaborada com propostas progressistas nos direitos humanos, conquistas sociais, proteção ambiental, o eleitor chileno mostrou que a utopia deve estar subordinada à responsabilidade. Fazer uma utopia de sonhos sem base na realidade política e fiscal leva à instabilidades que propiciam inflação monetária, interrupção da democracia, retrocessos civilizatórios. No domingo passado, o povo chileno passou uma lição ao mundo, especialmente aqueles que sonham com um mundo melhor e possível. Recusaram a utopia sonhada na nova constituição, por perceberem que ela era inviável; e que não têm sustentabilidade as leis e constituições desvinculadas da realidade.

Apesar de ser uma surpresa para muitos, este resultado era esperado para quem acompanha a política de um lado e outro dos Andes: na Argentina e no Chile. De um lado, o senso de responsabilidade fiscal na direita e na esquerda, entre empresários e trabalhadores, com uma política não populista, onde as reivindicações corporativas estão subordinadas aos interesses, limites e possibilidades nacionais; de outro, uma irresponsabilidade que tende a submeter o país às reivindicações de grupos, mesmo quando a soma delas ultrapassam os limites fiscais e a coesão política. As constituições devem ser elementos de unificação, não de dissensão social. Por isto, devem ser curtas, apenas com o que é consenso e permanente.

Apesar do descontentamento manifestado nas ruas de Santiago há dois anos, em nenhum momento o Chile passou a ideia de cair nas ilusões do populismo. Neste ano, elegeu um presidente de esquerda, que, desde o primeiro momento, demonstrou firme compromisso com a estabilidade fiscal e com as regras democráticas.

O Chile está longe de ser uma sociedade que satisfaça sua população. Há descontentamentos que levaram às fortes mobilizações, convocação de constituinte e um documento com grandes mudanças. Mas este Chile inquieto tem mais condições de encontrar um rumo do que vizinhos cujo Estado está esgotado, endividado por irresponsabilidades e tentativas de avançar no social com velocidade maior do que a base fiscal permita. O Chile inquieto vai se encontrar mais rapidamente seu rumo de eficiência e justiça do que a Argentina, Brasil, Venezuela e Peru, que escolheram justiça sem eficiência, sinônimo de ilusão.

O voto do domingo não acalma, mas demonstra o senso se maturidade e de responsabilidade do Chile.

Colaborou para este resultado a engenharia eleitoral de colocar o eleitor para votar uma única vez para todo o texto do documento. Faz algumas décadas que o espectro eleitoral já não tem a nitidez: de um lado esquerda se outro direita, em relação a todos problemas sociais. O esgotamento ideológico dividiu o espectro: há radicais na economia, conservadores em costumes; conservadores fiscais, radicais na ecologia; defensores dos direitos humanos, libertários politicamente. O plebiscito uniu os opositores de cada artigo, formando a maioria que recusou o projeto de constituição.

O mundo fracionado não facilita a vida de constituintes. No Chile, a maioria que recusou a nova constituição uniu as minorias que se opunham a cada artigo.

O eleitor do Chile ensinou que cada constituição precisa ter base na realidade e uma concisão que unifique, não mais no esquema antigo esquerda e direita, mas cada ideia, interesse e artigo com seu próprio apoio.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pensei que a Constituição não tivesse sido aprovada por ser inteiramente de esquerda.