Blog do Noblat / Metrópoles, (10/9/22)
Recusaram a utopia sonhada na nova constituição,
por perceberem que ela era inviável
Ao recusar uma nova constituição, elaborada com propostas progressistas nos direitos humanos, conquistas sociais, proteção ambiental, o eleitor chileno mostrou que a utopia deve estar subordinada à responsabilidade. Fazer uma utopia de sonhos sem base na realidade política e fiscal leva à instabilidades que propiciam inflação monetária, interrupção da democracia, retrocessos civilizatórios. No domingo passado, o povo chileno passou uma lição ao mundo, especialmente aqueles que sonham com um mundo melhor e possível. Recusaram a utopia sonhada na nova constituição, por perceberem que ela era inviável; e que não têm sustentabilidade as leis e constituições desvinculadas da realidade.
Apesar de ser uma surpresa para muitos,
este resultado era esperado para quem acompanha a política de um lado e outro
dos Andes: na Argentina e no Chile. De um lado, o senso de responsabilidade
fiscal na direita e na esquerda, entre empresários e trabalhadores, com uma
política não populista, onde as reivindicações corporativas estão subordinadas
aos interesses, limites e possibilidades nacionais; de outro, uma
irresponsabilidade que tende a submeter o país às reivindicações de grupos,
mesmo quando a soma delas ultrapassam os limites fiscais e a coesão política.
As constituições devem ser elementos de unificação, não de dissensão social.
Por isto, devem ser curtas, apenas com o que é consenso e permanente.
Apesar do descontentamento manifestado nas
ruas de Santiago há dois anos, em nenhum momento o Chile passou a ideia de cair
nas ilusões do populismo. Neste ano, elegeu um presidente de esquerda, que,
desde o primeiro momento, demonstrou firme compromisso com a estabilidade
fiscal e com as regras democráticas.
O Chile está longe de ser uma sociedade que
satisfaça sua população. Há descontentamentos que levaram às fortes
mobilizações, convocação de constituinte e um documento com grandes mudanças.
Mas este Chile inquieto tem mais condições de encontrar um rumo do que vizinhos
cujo Estado está esgotado, endividado por irresponsabilidades e tentativas de
avançar no social com velocidade maior do que a base fiscal permita. O Chile
inquieto vai se encontrar mais rapidamente seu rumo de eficiência e justiça do
que a Argentina, Brasil, Venezuela e Peru, que escolheram justiça sem
eficiência, sinônimo de ilusão.
O voto do domingo não acalma, mas demonstra
o senso se maturidade e de responsabilidade do Chile.
Colaborou para este resultado a engenharia
eleitoral de colocar o eleitor para votar uma única vez para todo o texto do
documento. Faz algumas décadas que o espectro eleitoral já não tem a nitidez:
de um lado esquerda se outro direita, em relação a todos problemas sociais. O
esgotamento ideológico dividiu o espectro: há radicais na economia,
conservadores em costumes; conservadores fiscais, radicais na ecologia;
defensores dos direitos humanos, libertários politicamente. O plebiscito uniu
os opositores de cada artigo, formando a maioria que recusou o projeto de
constituição.
O mundo fracionado não facilita a vida de
constituintes. No Chile, a maioria que recusou a nova constituição uniu as
minorias que se opunham a cada artigo.
O eleitor do Chile ensinou que cada
constituição precisa ter base na realidade e uma concisão que unifique, não
mais no esquema antigo esquerda e direita, mas cada ideia, interesse e artigo
com seu próprio apoio.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Um comentário:
Pensei que a Constituição não tivesse sido aprovada por ser inteiramente de esquerda.
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