domingo, 20 de novembro de 2022

Elio Gaspari - A macumba da faixa

O Globo

Presidente tem até 1º de janeiro para decidir como pretende sair do governo e retomar sua vida política

Jair Bolsonaro tem até a manhã de 1º de janeiro para decidir como pretende sair do governo e como pretende retomar sua vida política. Poderá passar a faixa presidencial a Lula, indicando que ganhou, perdeu e seguirá seu caminho dentro das quatro linhas da Constituição.

Poderá ir para casa, recusando-se a participar da cerimônia de transferência do poder. Na República, que há dias fez 133 anos, só dois presidentes fizeram essa pirraça: João Figueiredo, em 1985, e Floriano Peixoto, em 1894.

Figueiredo passaria a faixa a Tancredo Neves com alguma satisfação. Como Tancredo estava no hospital, e naqueles dias detestava o vice-presidente José Sarney, foi-se embora, saindo por uma porta lateral do palácio.

O general que completou a abertura, deu a anistia e conduziu a redemocratização estragou sua biografia com a pirraça infantil. A fotografia dele passando a faixa a Sarney simbolizaria seu governo.

Se Bolsonaro passar a faixa a Lula, ninguém achará que passou a gostar dele. O gesto mostrará apenas que, como disse ao reconhecer o resultado da eleição, ficou dentro das quatro linhas da Constituição. É um ganha-ganha contra um perde-perde.

Se Bolsonaro pretende continuar na vida pública liderando uma direita que tirou do armário, nada ganha, tendo-se recusado a passar o cargo ao seu sucessor. Noves fora que, para quem for para a Esplanada dos Ministérios no dia 1º, ele será uma presença dispensável.

Pode-se conceber uma acrobacia burocrática, por meio da qual Bolsonaro vai embora, e pronto. Afinal, às tantas horas do dia 1º de janeiro seu mandato expira e começa o de Lula. Nesse caso, é possível que ele seja empossado pela ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal.

O BANCO CENTRAL EXISTE

O futuro governo enviou ao Congresso uma proposta de emenda constitucional que mexe com as contas nacionais aumentando as despesas em quase R$ 200 bilhões.

O presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, não foi ouvido. Seu mandato vai até dezembro de 2024, e ele anunciou que pretende cumpri-lo.

Pior: se ele quisesse ser ouvido, não saberia com quem falar.

Nesse caso a soberba não é apenas um erro político, é também falta de educação;

ideia de ignorar o Banco Central na condução do Estado é tóxica.

AVES RARAS

Nos dias em que a formação de um governo é puro encantamento, a carta de Pedro Malan, Arminio Fraga e Edmar Bacha pedindo a Lula que tenha juízo é uma iniciativa singular.

Nenhum dos três precisa de nada e nenhum dos três quer nada.

Faz tempo, quando um sujeito disse a um presidente eleito que ele teria dificuldade para formar o governo por causa das violações de direitos humanos, foi ouvido com atenção. Depois, o presidente comentou com um assessor que o sujeito parecia maluco.

LEI DO MINISTÉRIO

Está em curso a emocionante brincadeira das especulações ministeriais.

Nos últimos 30 anos vigorou uma lei. Dois meses antes da posse, o presidente eleito sabe no máximo um terço de seu ministério, com os nomes colocados no cargo de sua preferência. No segundo terço, sabe os nomes, mas não sabe os cargos. No terço restante, acaba nomeando pessoas que não haviam entrado nas listas de favoritos.

Já houve caso de presidente que seis meses antes da posse achava que a principal pasta do seu governo seria a da Agricultura. Semanas antes da posse, recebeu o escolhido e errou o seu nome.

PALPITE

Pelo andar da carruagem, Lula criará o Ministério dos Povos Originários e para ele irá Sonia Guajajara, nascida Sonia de Souza Silva Santos, no Maranhão, há 48 anos. Ela foi eleita deputada federal por São Paulo, com 157 mil votos.

Em 2018 ela foi candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos, do PSOL.

Se essa escolha se confirmar, a indicação matará três caçadores com uma só cajadada: é mulher, está no PSOL e milita na causa dos indígenas. Guajajara é o nome de seu povo.

A revista Time listou-a entre as cem pessoas mais influentes do mundo.

REALIDADE PRÓPRIA

O doutor Guido Mantega parece estar vivendo numa realidade paralela. Deixou a equipe de colaboradores de Geraldo Alckmin, dizendo que o fazia porque se viu atacado por "adversários, interessados em tumultuar a transição e criar dificuldades para o novo governo".

Falso. Até o momento em que ele deu uma entrevista revelando que escrevera à secretária do Tesouro americano torpedeando a candidatura do economista Ilan Goldfajn à presidência do BID, ninguém havia discutido sua posição.

Pela demora de seu pedido para sair, fica a impressão de que foi aconselhado a fazê-lo.

novo presidente do BID deverá ser escolhido neste domingo (20).

AVISO AMIGO

Empresários e magnatas que estão bancando manifestações golpistas no Brasil e no exterior devem tomar cuidado com o que fazem.

O ministro Alexandre de Moraes, que investiga essas malfeitorias, já bloqueou 43 contas de suspeitos. Ele tem a disposição de um jovem delegado e a paciência de um veterano policial.

VIVANDAGEM

As vivandeiras do golpismo cometeram um erro imperdoável para seus próprios objetivos:

Puseram fichas na divisão do Alto Comando do Exército.

Mesmo quando alguns generais divergem de outros, a ideia da divisão os une em quaisquer circunstâncias.

NOTÍCIA CENSURADA

A Arquidiocese de Olinda e Recife informou que o processo de beatificação do antigo ocupante daquela Sé atravessou mais uma etapa em Roma. A documentação enviada ao Vaticano foi aceita pelo Dicastério para a Causa dos Santos. O processo deverá cumprir mais uma etapa. Depois dela, o antigo arcebispo poderá ser considerado um beato pela igreja católica, como José de Anchieta.

Como há vivandeiras com saudades da ditadura, esta nota foi redigida respeitando o cinquentenário de uma ordem emitida em novembro de 1972:

"Nenhuma referência, contra ou a favor de D. Hélder Câmara".

 

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