quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Elio Gaspari - Jimmy Carter quer morrer em casa

O Globo

A democracia brasileira deve muito ao ex-presidente dos Estados Unidos

Aos 98 anos, o ex-presidente americano Jimmy Carter (1977-1981) resolveu morrer no rancho onde sua família plantava amendoim. Deixou o hospital e recebe apenas cuidados paliativos. Como George Bush I (1989-1993) e Donald Trump (2017-2021), Carter perdeu a reeleição, e esse fracasso marcou-o. Apesar disso, foi um presidente que recolocou os valores democráticos na agenda da política externa americana. A redemocratização brasileira deve-lhe muito.

Numa trapaça dos tempos, são muitas as cidades brasileiras com avenidas John Kennedy. Ele irradiava juventude, foi assassinado e tornou-se um ícone. Para o Brasil, foi um arquiteto subsidiário da deposição de João Goulart. Em março de 1964, quando o presidente Lyndon Johnson mobilizou uma força naval para eventual socorro aos militares revoltosos, ele apenas seguiu um roteiro deixado por Kennedy.

A ditadura brasileira teve nos presidentes Johnson (1963-1969) e Richard Nixon (1969-1974) dois aliados de fé. Em dezembro de 1971, quando o general Emílio Garrastazu Médici foi a Washington, Nixon foi profético: “Nós sabemos que, para onde for o Brasil, irá o continente latino-americano”. Em 1973 foram à breca os regimes democráticos do Uruguai e do Chile. Em 1976 foi a vez da Argentina.

Carter era um governador inexpressivo da Georgia. Elegeu-se defendendo os valores da democracia americana, abalada pelos escândalos de Nixon. Durante a campanha, com breve referência ao Brasil, ele anunciou que daria prioridade aos direitos humanos na sua diplomacia. Provocou algum nervosismo, mas parecia coisa de candidato. (Tomou uma carta desaforada do ex-adido militar americano em Brasília.)

Eleito, encrencou com o Acordo Nuclear que o Brasil havia assinado com a Alemanha. Na sua delegação nas Nações Unidas foi incluído um professor que havia sido expulso do Brasil. Pior: um general brasileiro que servia em Washington informava que o novo embaixador na ONU era Andrew Young, “negro”. Outro general temia “uma infiltração de elementos comunistas, ou pelo menos esquerdistas, nas altas esferas do governo”.

Estabeleceu-se um clima de cordial antipatia entre os governos de Carter e do general Ernesto Geisel. Um relatório sobre a violência política no Brasil abriu uma crise com os Estados Unidos, e Geisel rompeu o acordo de cooperação militar com Washington.

Em 1977, Carter mandou sua mulher, Rosalynn, ao Brasil. Ela manteve dois encontros com Geisel (incluindo um breve bate-boca). Além disso, entrevistou-se publicamente com dois missionários americanos que viviam entre os pobres do Recife e haviam sido maltratados pela polícia.

Carter nunca subiu o tom no clima de cordial antipatia. Veio ao Brasil como presidente, reuniu-se com Geisel e, no dia seguinte, encontrou-se no Rio com representantes da sociedade civil. Entre eles, o presidente da OAB, Raymundo Faoro, e o cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Malandramente, pediu a Dom Paulo que o acompanhasse no carro até o aeroporto.

(Geisel não perdoou Carter por ter mandado a mulher e, anos depois, quando ambos estavam fora do poder, recusou-se a recebê-lo e não atendeu o telefone quando ele ligou.)

 

2 comentários:

Anônimo disse...

EUA apoiando golpes de Estado e ditadores? Mas eles são tão democratas... EUA espionando governos? A Dilma é que inventou estar sendo espionada... EUA é bonzinho e só quer paz e liberdade para os povos!

ADEMAR AMANCIO disse...

Sim.