quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Zeina Latif - Elefante na loja de cristais

O Globo

Preocupação com os juros altos não se traduz em maior cautela do governo

Assim como médicos anseiam que o remédio prescrito seja bastante eficaz, curando a doença rapidamente, sem maiores dosagens e efeitos colaterais, os banqueiros centrais desejam que a política monetária restritiva combata tempestivamente a inflação com efeito moderado na atividade econômica.

Para tanto, adotam estratégias para o melhor resultado de suas ações. Médicos alertam, com rigor, os pacientes sobre a necessidade de seguirem corretamente as recomendações. Banqueiros centrais adotam discurso conservador até que o combate à inflação esteja seguro, visando conter remarcações de preços. Essa tem sido a estratégia do presidente do Fed, Jerome Powell, bem como de Roberto Campos Neto ao sinalizar que não pretende cortar a Selic tão cedo.

O discurso duro, pouco compreendido pelos críticos do BC, faz parte da estratégia para aumentar a eficácia da política monetária, algo particularmente importante no Brasil, dadas as evidências de ela não ser muito potente.

Algumas razões para isso são o mercado de crédito segmentado, em que 40% da concessão provém de linhas menos sensíveis ao ciclo dos juros básicos (crédito direcionado); a elevada participação, de 40%, de títulos pós-fixados no total da dívida pública interna, o que significa que quando os juros sobem, o rendimento dos papéis sobe também, aumentando a renda dos investidores; e a indexação ainda presente nos contratos.

Enquanto não tivermos um regime fiscal robusto, por período prolongado, de modo a promover um ambiente macroeconômico estável, é praticamente inviável remover essas proteções demandadas pela sociedade.

Assim, é necessário cuidado extra do governo para não afetar negativamente as expectativas dos agentes econômicos, a ponto de aumentar o mal-estar na economia. Não é, porém, ao que se assiste.

É compreensível a preocupação do governo com os juros altos. Seu impacto na economia já se faz sentir. Só não apareceu antes por conta, entre outros, do quadro internacional muito favorável (crescimento do comércio mundial e preços de commodities elevados), que camuflou seu efeito. Basta examinar a melhor performance relativa da atividade de estados exportadores de commodities — mesmo a indústria se beneficiou marginalmente, com aumento de volume e preços de exportação ao longo de 2022.

A preocupação, no entanto, não se traduz em maior cautela do governo, que tem sido uma fábrica de ruídos e incertezas em relação à condução da economia. Assim, se obstruem os próprios canais da política monetária sensíveis às expectativas.

O canal do câmbio é um deles. A alta dos juros deveria contribuir para o real mais valorizado no curto prazo, ajudando na luta contra a inflação. Não é o que ocorre por conta de tantos ventos contrários produzidos pelo governo. Considerando que o dólar tem se depreciado no mercado internacional, seria esperada uma taxa de câmbio em torno de R$4,70/US$, e não o R$ 5,20 atual. Assim, a tendência é de maior rigidez da inflação, sem necessariamente estimular o PIB pela eventual melhora da balança comercial, enquanto a elevada volatilidade do câmbio prejudica bastante o setor produtivo.

O canal das expectativas inflacionárias também passou a jogar contra. Mesmo as projeções de longo prazo (2025-27), antes ancoradas, estão agora acima da meta (3,6% ante meta de 3%) — e não se resolve o problema aumentando a meta.

A confiança de empresários também acende luz amarela. O índice de expectativas dos empresários já recuou 10 pontos desde outubro – está em 86 pontos em uma escala de 0 a 200, onde 100 significa neutralidade. As consequências do pessimismo podem ser a menor disposição para contratar mão de obra e investir.

Outra manifestação de mal-estar é o encolhimento do prazo médio da dívida pública interna, que ficou em 3,76 anos em dezembro ante 3,88 em outubro. Esse movimento de busca por segurança dificulta a gestão da dívida pública, bem como o financiamento de longo prazo de investimentos do setor privado. Os eventos de crédito, como o da Americanas, são agravantes. O resultado da deterioração das expectativas é que a atividade econômica será mais impactada, mas sem se traduzir em uma queda mais rápida da inflação, uma vez que os ruídos causados alimentam a percepção de menor compromisso com a inflação baixa.

E quando a fatura chegar, o BC ainda corre o risco de levar a culpa.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Lá vem a Zeina descendo a ladeira

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é...