O Globo
País precisa responsabilizar quem tentou dar
golpe, afirmam autores de "O caminho da autocracia"
A derrota de Jair Bolsonaro não representou o
fim das ameaças à democracia no Brasil. O alerta é do Laut, o Centro de Análise
da Liberdade e do Autoritarismo. O grupo de pesquisa foi criado em 2020, no
início da pandemia. Este ano, lançou “O caminho da autocracia”, que debate as
novas técnicas da extrema direita para alcançar o poder.
“O fato de Bolsonaro não ter conseguido se reeleger não significa que possamos respirar aliviados”, advertiu ontem a pesquisadora Marina Slhessarenko Barreto, em debate promovido pela revista Quatro Cinco Um durante a Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty. “O primeiro passo para proteger a democracia é não reeleger líderes autoritários. O segundo é responsabilizá-los”, afirmou.
“Existe uma anistia em curso. Não é como a de
1979, mas é uma anistia disfarçada”, disse o professor Conrado Hübner Mendes.
Para ele, o país está demorando demais a identificar e punir os peixes grandes
que financiaram e comandaram a engrenagem golpista. “Até aqui, a Justiça só
tornou Bolsonaro inelegível. É muito pouco”, criticou.
Diretor do Laut e professor de Direito
Constitucional da USP, Mendes citou a tradição brasileira de evitar punições a
quem atenta contra as instituições. “A história do Brasil é cheia de pactos de
pacificação que não são pacificadores”, disse. “Desde o 8 de janeiro, já passou
tempo suficiente para ligarmos o sinal de alerta”, acrescentou.
O grupo de pesquisa criou uma metodologia
para monitorar os avanços do autoritarismo. A cartilha inclui a centralização
do poder nas mãos do Executivo, a violação da autonomia do Judiciário e o uso
de técnicas de discurso para construir e estigmatizar inimigos.
O Laut também acompanha a articulação da
extrema direita em redes transnacionais. Um exemplo recente foi a participação
da família Bolsonaro na campanha de Javier Milei na Argentina.
Nos dois países, ocorreu o mesmo fenômeno: o
conservadorismo moderado perdeu força, e seus eleitores passaram a apoiar
líderes radicais. “Há muita discussão sobre a reconstrução da esquerda, mas a
direita também precisa se reconstruir”, disse Mendes. “Há uma direita
sequestrada, de joelhos, que se rendeu a projetos autoritários”, completou.
“O Brasil participou e continua a participar
de uma onda global de erosão da democracia”, ressaltou o professor. Ele
defendeu que é preciso proteger as universidades e a imprensa de tentativas de
intimidação e censura. Mendes é um dos alvos dessa ofensiva. Responde a
processos por criticar o ex-procurador-geral Augusto Aras e o ministro do STF
Kassio Nunes Marques, ambos indicados por Bolsonaro.
“A eleição é feita num só dia. A democracia
acontece em todos os outros”, lembrou Barreto, que é doutoranda em ciência
política pela USP. “A democracia sempre será frágil. Se algum cientista
político lhe disser o contrário, desconfie”, arrematou Mendes.
Um comentário:
Concordo em todos os graus.
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