terça-feira, 22 de outubro de 2024

Hélio Schwartsman - Vote em Arnaldinho do PCC

Folha de S. Paulo

É preciso combater a infiltração do poder político pelo crime organizado, mas essa deveria ser tarefa de partidos, não da Justiça

Vote em Arnaldinho do PCC. Não sei se algum dos milhares de candidatos a prefeito ou vereador usou um slogan parecido na campanha deste ano, mas não me surpreenderia se tivesse. São crescentes os sinais de infiltração do crime organizado em estruturas do Estado brasileiro, notadamente em nível local.

Precisamos fazer algo a respeito, mas não penso que a resposta dada pela Justiça Eleitoral fluminense seja a solução. Este ano, contrariando entendimento do próprio TSE, desembargadores do Rio vetaram candidaturas de suspeitos de ligação com organizações criminosas, mesmo que não tenham sofrido condenação por isso.

A Justiça, isto é, o Estado, precisa operar com um nível maior de formalidade. Quem não foi condenado não pode ter o registro de candidatura negado. Controles prévios sem limites objetivamente definidos podem ser profundamente autoritários.

Irã é uma ditadura, mas faz eleições competitivas. Como? O TSE deles, o Conselho de Guardiães, um órgão composto por 12 clérigos e juristas nomeados pelo aiatolá, se encarrega de excluir candidatos que o chefe considere indesejáveis. Neste ano, 80 pessoas se apresentaram para o pleito presidencial. Só seis foram autorizadas a concorrer.

Quem poderia fazer uma filtragem de modo legítimo seriam os partidos políticos. Eles não precisam de justificativas legais para explicar a quem dão legenda. É uma decisão baseada em conveniências eleitorais e reputacionais. E é muito razoável que os partidos se valham de critérios éticos para definir quem os representará nas urnas. Pega mal dar legenda a bandidos.

Muito da atual crise da democracia pode ser descrito como uma crise de curadoria. Até algum tempo atrás, partidos selecionavam bem seus candidatos, veículos de comunicação tentavam garantir que notícias publicadas tivessem base factual e a academia procurava dar cientificidade às propostas e teses que lançava.

A internet e as redes sociais permitiram que o público dispensasse essa curadoria. Pode ser mais democrático, mas também é mais caótico e mais propenso a erro.

 

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