quarta-feira, 19 de março de 2025

Neutralidade é teste para relação com o Congresso - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Propostas de compensação para aumento da isenção devem ser alvo de alterações

“É importante colocar a palavra neutralidade”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dirigindo-se à imprensa. A palavra foi a mais repetida nos discursos feitos durante a solenidade, no Palácio do Planalto, em que foi apresentado o projeto de lei que elevará o limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 5 mil e, em contrapartida, taxará os super-ricos.

A insistência nela indica a preocupação do governo com o risco de a proposta sair do Congresso Nacional desequilibrada, com modificações que tragam perda de receita e criem um novo problema para as contas públicas. Existe o risco, por exemplo, de haver emendas propondo elevar o limite para valores maiores do que R$ 5 mil.

Que deputados e senadores alterarão o texto, não há dúvida. “O senhor terá de nós lealdade na tramitação dessa matéria, mas sempre buscando trazer a verdade”, disse a Lula o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB). “O Congresso Nacional fará alterações que com certeza visarão a melhorar a proposta.”

Após lembrar que o Congresso não deixou de apreciar as propostas da pauta econômica apresentadas nos últimos dois anos, Motta endossou a posição do governo ao afirmar que “não haverá justiça social sem responsabilidade fiscal”.

Em seguida, afirmou que os parlamentares buscarão “a melhor forma de equilibrar a proposta”, numa indicação de que a ideia de taxar os super-ricos não empolgou. Comentou sobre os gastos tributários (políticas em que o governo abre mão de arrecadar determinados impostos para beneficiar setores da economia) e aventou a hipótese de ser feita uma discussão envolvendo esse tema e o Imposto de Renda.

Após a cerimônia, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), um dos mais atuantes em temas econômicos, avaliou ser baixo o risco de o Congresso aprovar um limite de isenção maior do que

R$ 5 mil. A proposta do governo, observou, já atende na prática as pessoas que ganham até

R$ 7 mil por mês, pois há isenção até R$ 5 mil e uma tributação gradual para quem tem renda entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.

As compensações, porém, deverão ser alvo de mudanças, na sua visão. Ele é defensor da redução de gastos tributários e avalia que há chances de as discussões avançarem.

Essa é, porém, o tipo de proposta que enfrenta grupos organizados de pressão no Congresso Nacional. Não são temas de negociação simples.

“Foi dito aos congressistas que a redução do déficit primário que conseguimos até agora tem de ser mantida”, disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em entrevista após a solenidade. “É uma premissa do debate.” Ele afirmou que o Congresso é soberano para decidir, “respeitada a premissa”.

Questionado sobre como isso seria feito, o secretário afirmou que há “garantias jurídicas e políticas”. No campo jurídico, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impediu o Congresso de prorrogar a desoneração da folha salarial e o Perse sem a devida compensação é um precedente, comentou.

No campo político, ele citou a afirmação de Motta em defesa da responsabilidade fiscal e informou que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ausente à solenidade, enviara mensagem parabenizando o governo pela neutralidade da proposta.

Nada disso significa que o processo de negociação será fácil. As simulações de impacto fiscal da proposta mostram que, em 2026, a nova faixa de isenção trará perda de arrecadação de R$ 25,84 bilhões, ao passo que a taxação dos ricos produzirá receitas novas de R$ 34,14 bilhões. Há, assim, uma “sobra” de R$ 8,3 bilhões. Esse possível excesso, disse Durigan, pode ser usado para eventualmente acomodar o impacto de negociações que sejam feitas no Congresso Nacional. Não é intenção do governo ter ganho de arrecadação com as mudanças, frisou.

A apresentação do projeto de lei deu-se num cenário de cuidado na relação com o Congresso. Num espaço físico restrito, havia líderes e parlamentares com atuação marcante no tema econômico. A primeira a falar no evento foi a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que começou saudando a importante representação do Congresso no evento.

Lula, por sua vez, disse aos congressistas que a aprovação de uma proposta como aquela, que busca justiça social e beneficia pessoas de menor renda, é capaz de fazer as pessoas voltarem a acreditar nas pessoas que elegeram. Foi uma tentativa de criar um novo ambiente para um debate que promete ser difícil politicamente e arriscado do ponto de vista fiscal.

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