quarta-feira, 19 de março de 2025

Com os olhos de ontem e o coração no amanhã - Jorge Messias*

Correio Braziliense

Um caminho para o futuro dependerá do nosso olhar para um Brasil sustentável, ético, inovador e inclusivo, cientes de navegarmos sempre adiante

"A vida divide-se em três períodos: o que se foi, o que está sendo e o que há de vir. Desses, o que estamos atravessando é breve, o que havemos de atravessar é duvidoso, o que já atravessamos é certo".

Se o presente nos parece efêmero e o futuro é incerto, como ensina Sêneca, lembrar o 15 de março de 1985 é uma oportunidade para rever o caminho percorrido, com a alegria de comemorar conquistas com o olhar no futuro. O último sábado marcou os 40 anos da redemocratização do Brasil, momento histórico que simboliza a superação de mais de duas décadas de ditadura militar e a reconstrução das bases democráticas do país.

No dia de sua posse como presidente da República, José Sarney dá início a um ciclo político virtuoso para o Brasil quando disse: "Eu estou com os olhos de ontem. E ainda prisioneiro de uma emoção que não se esgota." Mais do que uma simples transição de poder, a redemocratização representou a retomada dos ideais de liberdade, justiça e participação popular. 

Foi um momento que nasceu sob as bênçãos de Tancredo Neves e foi construído a partir da mobilização popular pelas Diretas Já — com a participação de grandes brasileiros, como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros —, que, entre 1983 e 1984, tomou as ruas do país exigindo o direito ao voto direto para presidente. É momento de rememorar, para celebrar.

A convocação da Assembleia Nacional Constituinte resultou na Constituição de 1988, um dos maiores legados da redemocratização. Os avanços foram significativos, como o fortalecimento dos direitos individuais, a separação clara entre os poderes, a garantia de eleições diretas e o compromisso com um Estado Democrático de Direito.

O fim da censura possibilita reconstruir um ambiente de liberdade de expressão, fundamental para a pluralidade de ideias e o fortalecimento da imprensa como pilar da democracia. Os avanços na expansão dos direitos sociais, na ampliação da diversidade política e na estabilidade econômica fortalecem a democracia e reconciliam o Brasil com seu passado.

O voto jovem, facultativo aos 16 anos, rejuvenesceu a luta, surgindo novas lideranças políticas. Ao longo das últimas décadas, novas legislações entraram em vigor para garantir maior transparência e responsabilização dos agentes públicos, a exemplo da Lei da Ficha Limpa (2010), da Lei de Acesso à Informação (2011) e da Lei Anticorrupção (2013).

A Constituição de 1988 também foi responsável pela criação do Sistema Único de Saúde (SUS), essencial para o direito à saúde gratuita e universal para todos os brasileiros. O SUS tornou-se um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, com papel crucial na ampliação do acesso a serviços médicos e em resposta a crises sanitárias, como a pandemia de covid-19.

Políticas de inclusão social foram criadas para reduzir desigualdades históricas juntamente com programas de proteção de grupos vulneráveis e marginalizados, a exemplo das cotas raciais em universidades e concursos públicos, criação de políticas de combate ao racismo e a aprovação da Lei Maria da Penha (2006).

 A Advocacia-Geral da União (AGU), instituída pela Constituição de 1988 e formalmente estruturada em 1993, passou a ter papel fundamental na consolidação desses avanços, garantindo segurança jurídica e contribuindo de forma efetiva para a implementação das políticas públicas. 

Mas os desafios permanecem. A representatividade nos espaços de poder exige um olhar cuidadoso para a baixa participação de mulheres, negros e indígenas em cargos políticos e militares. Nosso amadurecimento enquanto nação passa pelo combate à desinformação e a necessidade de redução das desigualdades sociais e econômicas.

Resgatar o interesse pela política para uma participação cidadã plena é fundamental para evitar retrocessos democráticos. Um caminho para o futuro dependerá do nosso olhar para um Brasil sustentável, ético, inovador e inclusivo, cientes de navegarmos sempre adiante. Como ensina a Escritura: "Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como ribeiro perene." (Amós 5:24)

Que nunca deixemos de lutar por um Brasil em que  a justiça e a democracia fluam livremente, como um rio que nunca seca.

 *Advogado-geral da União

 

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