O Globo
Show pirotécnico da família terá efeito
prático zero sobre o destino judicial do patriarca e dos demais
Não se pode negar à extrema direita, aqui e
alhures, o domínio da arte de plantar distrações no debate público e, com isso,
mobilizar as atenções e as conversas. O Brasil, de novo, foi laboratório para
esse tipo de experimento nesta terça-feira, quando um projeto complexo, que diz
respeito, direta ou indiretamente, a milhões de contribuintes, dividiu espaço
no noticiário, nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp com um factoide da
família Bolsonaro: o filho Zero Três de Jair está de partida para mais uma temporada
morando nos Estados Unidos, desta vez, aparentemente, não para fritar
hambúrguer.
Provavelmente, a coincidência dos anúncios do
projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que reuniu
Lula, ministros e os comandantes das Casas do Congresso, e de que Eduardo
Bolsonaro se licenciará indefinidamente do mandato de deputado federal para
ficar nos Estados Unidos e, de lá, ficar atirando no Judiciário brasileiro não
foi estrategicamente pensada.
Mas foi didática para ver quanto somos facilmente tragados para uma agenda que só interessa à família, cada vez mais pressionada pela iminência de que os atos golpistas praticados com comando e anuência do ex-presidente sejam julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
É como as diabruras diárias de Donald Trump.
Muitas dificilmente sairão do gogó ou do papel, sofrerão recuos
obrigatoriamente e não passam de provocação, mas geram reação de governos,
corporações, mercado financeiro, imprensa americana e do resto do mundo e por
aí afora, num efeito dominó perverso que desvia o foco daquilo que, no projeto
de desmonte que ele empreende, realmente tem impacto institucional, legal e
econômico.
Há muitas conjecturas a respeito da intenção
da família com a deserção de Eduardo, da preparação de terreno para uma fuga do
pai a um temor mais comezinho de ficar sem o passaporte, possibilidade que se
dissipou já na própria terça-feira, quando o procurador-geral da República,
Paulo Gonet, negou pedido do PT nesse sentido. O certo é o propósito do
bolsonarismo de vitimizar Jair e companhia. Como as investidas têm surtido
efeito decrescente, por vezes pífio, vide a manifestação esvaziada do último
domingo, resolveram apelar para um showzinho com locação internacional.
O mais provável é que Eduardo produza uma
série de vídeos em que, à distância, se sinta mais corajoso para adjetivar
Alexandre de Moraes, algo que aqui, no comando da Comissão de Relações
Exteriores, o deixaria sempre receoso de ser incluído nas investigações de que
escapou de raspão, até agora. Promoverá encontros com lideranças mais
estridentes da direita americana, usará bonés com dizeres para animar a torcida
e tentará agitar alguma moção contra ministros do STF.
Mas é preciso tirar a espuma da distração
estridente e perguntar: e daí? Para efeito de um eventual pedido de asilo de
Jair ou de uma fuga cinematográfica, o alarde prévio do filho só atrapalha e
deixa quem precisa ficar de olho mais alerta. Se a ideia é constranger ou
afetar diretamente Moraes ou os demais ministros da mais alta Corte do Brasil,
o deputado e seus aliados demonstram não conhecer nada de princípios
elementares de Direito Internacional, como a autodeterminação das nações
soberanas. Trocando em miúdos: a Constituição americana não tem validade em
solo brasileiro, nem o Congresso ou a Suprema Corte dos Estados Unidos têm
jurisdição sobre Brasília.
O julgamento de Bolsonaro e dos outros 33
denunciados por tentativa de golpe de Estado seguirá o cronograma bastante
acelerado que já vem sendo ditado — não por acaso, ontem mesmo foi marcada a
análise da denúncia de outro lote, numa demonstração de que o show pirotécnico
da família terá efeito prático zero sobre o destino judicial do patriarca e dos
demais. Muito barulho por nada.
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