quarta-feira, 19 de março de 2025

A extrema direita e a arte de distrair - Vera Magalhães

O Globo

Show pirotécnico da família terá efeito prático zero sobre o destino judicial do patriarca e dos demais

Não se pode negar à extrema direita, aqui e alhures, o domínio da arte de plantar distrações no debate público e, com isso, mobilizar as atenções e as conversas. O Brasil, de novo, foi laboratório para esse tipo de experimento nesta terça-feira, quando um projeto complexo, que diz respeito, direta ou indiretamente, a milhões de contribuintes, dividiu espaço no noticiário, nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp com um factoide da família Bolsonaro: o filho Zero Três de Jair está de partida para mais uma temporada morando nos Estados Unidos, desta vez, aparentemente, não para fritar hambúrguer.

Provavelmente, a coincidência dos anúncios do projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que reuniu Lula, ministros e os comandantes das Casas do Congresso, e de que Eduardo Bolsonaro se licenciará indefinidamente do mandato de deputado federal para ficar nos Estados Unidos e, de lá, ficar atirando no Judiciário brasileiro não foi estrategicamente pensada.

Mas foi didática para ver quanto somos facilmente tragados para uma agenda que só interessa à família, cada vez mais pressionada pela iminência de que os atos golpistas praticados com comando e anuência do ex-presidente sejam julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

É como as diabruras diárias de Donald Trump. Muitas dificilmente sairão do gogó ou do papel, sofrerão recuos obrigatoriamente e não passam de provocação, mas geram reação de governos, corporações, mercado financeiro, imprensa americana e do resto do mundo e por aí afora, num efeito dominó perverso que desvia o foco daquilo que, no projeto de desmonte que ele empreende, realmente tem impacto institucional, legal e econômico.

Há muitas conjecturas a respeito da intenção da família com a deserção de Eduardo, da preparação de terreno para uma fuga do pai a um temor mais comezinho de ficar sem o passaporte, possibilidade que se dissipou já na própria terça-feira, quando o procurador-geral da República, Paulo Gonet, negou pedido do PT nesse sentido. O certo é o propósito do bolsonarismo de vitimizar Jair e companhia. Como as investidas têm surtido efeito decrescente, por vezes pífio, vide a manifestação esvaziada do último domingo, resolveram apelar para um showzinho com locação internacional.

O mais provável é que Eduardo produza uma série de vídeos em que, à distância, se sinta mais corajoso para adjetivar Alexandre de Moraes, algo que aqui, no comando da Comissão de Relações Exteriores, o deixaria sempre receoso de ser incluído nas investigações de que escapou de raspão, até agora. Promoverá encontros com lideranças mais estridentes da direita americana, usará bonés com dizeres para animar a torcida e tentará agitar alguma moção contra ministros do STF.

Mas é preciso tirar a espuma da distração estridente e perguntar: e daí? Para efeito de um eventual pedido de asilo de Jair ou de uma fuga cinematográfica, o alarde prévio do filho só atrapalha e deixa quem precisa ficar de olho mais alerta. Se a ideia é constranger ou afetar diretamente Moraes ou os demais ministros da mais alta Corte do Brasil, o deputado e seus aliados demonstram não conhecer nada de princípios elementares de Direito Internacional, como a autodeterminação das nações soberanas. Trocando em miúdos: a Constituição americana não tem validade em solo brasileiro, nem o Congresso ou a Suprema Corte dos Estados Unidos têm jurisdição sobre Brasília.

O julgamento de Bolsonaro e dos outros 33 denunciados por tentativa de golpe de Estado seguirá o cronograma bastante acelerado que já vem sendo ditado — não por acaso, ontem mesmo foi marcada a análise da denúncia de outro lote, numa demonstração de que o show pirotécnico da família terá efeito prático zero sobre o destino judicial do patriarca e dos demais. Muito barulho por nada.

 

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