Valor Econômico
Existe grande curiosidade em relação à linha de defesa de Bolsonaro no julgamento que está prestes a começar na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
De forma repentina, o carro da Presidência da
República parou e Jair Bolsonaro desembarcou em frente ao Quartel-General do
Exército. Parecia que seus apoiadores já o aguardavam, embora o compromisso não
constasse da agenda oficial daquele domingo de 2020.
Alguns manifestantes carregavam faixas que
estampavam pedidos inconstitucionais, como o fechamento do Congresso Nacional e
do Supremo Tribunal Federal (STF) e a edição de um novo AI-5, ato institucional
que deu início ao período mais violento da ditadura militar. Uma delas não
podia ser mais direta: “Intervenção militar com Bolsonaro”, dizia, em letras
garrafais.
“A nossa bandeira jamais será vermelha”, gritava repetidamente a multidão, que talvez sequer tenha notado a ironia no fato de Bolsonaro estar vestido com uma camisa polo dessa cor.
Após caminhar alguns metros acenando, o então
presidente cumprimentou um sorridente policial militar do Distrito Federal e
subiu na caçamba de uma caminhonete branca para discursar. A Polícia do
Exército, pega de surpresa, foi acionada com urgência para reforçar a segurança
do local.
A fala foi radical e populista. “Nós não
queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil”, bradou. “O que tinha
de velho ficou para trás, nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem
exceção no Brasil, têm que ser patriotas, acreditar e fazer a sua parte para
que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a
época da patifaria. É agora o povo no poder.”
Ao fundo, Bolsonaro tinha o Obelisco Militar
como paisagem. O conjunto de linhas desenhadas por Oscar Niemeyer é composto
por um palanque, cuja cobertura é uma casca de concreto com singular efeito
acústico, e o obelisco em homenagem a Duque de Caxias. Juntos, concha acústica
e o alto monumento vertical ganham a forma da espada do patrono da Força.
O dia também não foi ao acaso. Na visão de
oficiais, foi escolhido com o objetivo de pressionar o Alto Comando.
Era 19 de abril de 2020, Dia do Exército -
data que muito bem poderia ser o ponto de partida da trama golpista descrita
pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na denúncia enviada recentemente ao
STF.
A detalhada peça, contudo, narra fatos
ocorridos somente a partir de 2021, quando começaram os ataques sistemáticos de
Bolsonaro e aliados ao sistema eletrônico de votação. Sempre sem provas.
Na linha do tempo descrita pela PGR, há ainda
a reunião do ex-presidente com embaixadores em julho de 2022 e o uso da Polícia
Rodoviária Federal (PRF) durante o segundo turno para impedir o fluxo de
eleitores em regiões onde o PT era mais popular. Com a vitória do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, prossegue a PGR, veio então a mobilização dos
acampamentos golpistas em frente ao Quartel-General e, por fim, os ataques às
sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.
Mas, para oficiais das Forças Armadas, não há
dúvidas de que a manifestação comandada por Bolsonaro em frente ao QG do
Exército em abril de 2020 foi o primeiro ato público do ex-presidente em defesa
do golpe.
Nada que seja capaz de gerar alguma fricção
institucional com o Ministério Público. Foi muito bem recebido, aliás, o
parágrafo da denúncia que coloca o Exército como vítima de Bolsonaro.
“É de ser observado que o próprio Exército
foi vítima da conspirata”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo
Gonet. Para ele, a participação do Exército no golpe foi objeto de constante
demanda por parte dos denunciados. Os generais que resistiram à pressão
sofreram sistemáticos ataques pessoais, acrescenta. “As contínuas agressões
morais se davam sempre no propósito de impeli-los ao movimento rebelde,
servindo ainda de efeito indutor a que outros militares”, iludidos pelo
“degenerado sentimento de patriotismo de que a organização criminosa se
servia”, aderissem ao movimento dos insurretos. Ainda de acordo com Gonet, a
postura desses generais de se manterem no seu papel constitucional foi
determinante para que o golpe, mesmo tentado e posto em curso, não prosperasse.
Na avaliação de integrantes da cúpula
militar, esse “degenerado sentimento de patriotismo” não foi movido por
questões ideológicas. Era, isso sim, a bandeira utilizada por quem na verdade
estava interessado em promoções na carreira ou cargos de confiança na máquina
pública.
Além disso, as mensagens reveladas pelas
investigações da Polícia Federal mostram como os militares envolvidos armaram a
estratégia para pressionar seus superiores em público e os detratar também nos
bastidores. Internamente, eles não serão vitimizados. São considerados
traidores.
Por outro lado, é grande a curiosidade em
relação à linha de defesa que Bolsonaro vai adotar no julgamento que está
prestes a começar na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Se ele
abandonar os outros citados à própria sorte, eximindo-se de qualquer
responsabilidade e a terceirizando para os outros denunciados, acredita-se que
é grande a tendência de que ele perca o apoio daqueles que ainda se prestam a
defendê-lo. Inclusive na reserva.
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