quarta-feira, 19 de março de 2025

Trama golpista começou antes que o indicado pela PGR - Fernando Exman

Valor Econômico

Existe grande curiosidade em relação à linha de defesa de Bolsonaro no julgamento que está prestes a começar na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal

De forma repentina, o carro da Presidência da República parou e Jair Bolsonaro desembarcou em frente ao Quartel-General do Exército. Parecia que seus apoiadores já o aguardavam, embora o compromisso não constasse da agenda oficial daquele domingo de 2020.

Alguns manifestantes carregavam faixas que estampavam pedidos inconstitucionais, como o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e a edição de um novo AI-5, ato institucional que deu início ao período mais violento da ditadura militar. Uma delas não podia ser mais direta: “Intervenção militar com Bolsonaro”, dizia, em letras garrafais.

“A nossa bandeira jamais será vermelha”, gritava repetidamente a multidão, que talvez sequer tenha notado a ironia no fato de Bolsonaro estar vestido com uma camisa polo dessa cor.

Após caminhar alguns metros acenando, o então presidente cumprimentou um sorridente policial militar do Distrito Federal e subiu na caçamba de uma caminhonete branca para discursar. A Polícia do Exército, pega de surpresa, foi acionada com urgência para reforçar a segurança do local.

A fala foi radical e populista. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil”, bradou. “O que tinha de velho ficou para trás, nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção no Brasil, têm que ser patriotas, acreditar e fazer a sua parte para que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder.”

Ao fundo, Bolsonaro tinha o Obelisco Militar como paisagem. O conjunto de linhas desenhadas por Oscar Niemeyer é composto por um palanque, cuja cobertura é uma casca de concreto com singular efeito acústico, e o obelisco em homenagem a Duque de Caxias. Juntos, concha acústica e o alto monumento vertical ganham a forma da espada do patrono da Força.

O dia também não foi ao acaso. Na visão de oficiais, foi escolhido com o objetivo de pressionar o Alto Comando.

Era 19 de abril de 2020, Dia do Exército - data que muito bem poderia ser o ponto de partida da trama golpista descrita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na denúncia enviada recentemente ao STF.

A detalhada peça, contudo, narra fatos ocorridos somente a partir de 2021, quando começaram os ataques sistemáticos de Bolsonaro e aliados ao sistema eletrônico de votação. Sempre sem provas.

Na linha do tempo descrita pela PGR, há ainda a reunião do ex-presidente com embaixadores em julho de 2022 e o uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o segundo turno para impedir o fluxo de eleitores em regiões onde o PT era mais popular. Com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prossegue a PGR, veio então a mobilização dos acampamentos golpistas em frente ao Quartel-General e, por fim, os ataques às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.

Mas, para oficiais das Forças Armadas, não há dúvidas de que a manifestação comandada por Bolsonaro em frente ao QG do Exército em abril de 2020 foi o primeiro ato público do ex-presidente em defesa do golpe.

Nada que seja capaz de gerar alguma fricção institucional com o Ministério Público. Foi muito bem recebido, aliás, o parágrafo da denúncia que coloca o Exército como vítima de Bolsonaro.

“É de ser observado que o próprio Exército foi vítima da conspirata”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet. Para ele, a participação do Exército no golpe foi objeto de constante demanda por parte dos denunciados. Os generais que resistiram à pressão sofreram sistemáticos ataques pessoais, acrescenta. “As contínuas agressões morais se davam sempre no propósito de impeli-los ao movimento rebelde, servindo ainda de efeito indutor a que outros militares”, iludidos pelo “degenerado sentimento de patriotismo de que a organização criminosa se servia”, aderissem ao movimento dos insurretos. Ainda de acordo com Gonet, a postura desses generais de se manterem no seu papel constitucional foi determinante para que o golpe, mesmo tentado e posto em curso, não prosperasse.

Na avaliação de integrantes da cúpula militar, esse “degenerado sentimento de patriotismo” não foi movido por questões ideológicas. Era, isso sim, a bandeira utilizada por quem na verdade estava interessado em promoções na carreira ou cargos de confiança na máquina pública.

Além disso, as mensagens reveladas pelas investigações da Polícia Federal mostram como os militares envolvidos armaram a estratégia para pressionar seus superiores em público e os detratar também nos bastidores. Internamente, eles não serão vitimizados. São considerados traidores.

Por outro lado, é grande a curiosidade em relação à linha de defesa que Bolsonaro vai adotar no julgamento que está prestes a começar na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Se ele abandonar os outros citados à própria sorte, eximindo-se de qualquer responsabilidade e a terceirizando para os outros denunciados, acredita-se que é grande a tendência de que ele perca o apoio daqueles que ainda se prestam a defendê-lo. Inclusive na reserva.

 

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