domingo, 2 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Sociedade banca ações pouco transparentes de Itaipu

Folha de S. Paulo

Estatal gastou cerca de R$ 2 bilhões em convênios opacos e geridos por pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores

A conta de luz tem sido um dos principais fatores de pressão sobre a inflação neste início de ano. Segundo a prévia de fevereiro medida pelo IPCA-15, a alta do item alcançou impressionantes 16,3% —elevando o índice geral a 1,23%, o maior para o mês desde 2016.

O preço da energia sofre as mesmas consequências da alta carga tributária, como ocorre com combustíveis e alimentos. Mais de 40% do valor da conta são impostos indiretos e encargos. O restante corresponde a despesas com a geração e distribuição. Há, porém, custos nada transparentes, mas que acabam bancados por toda a sociedade em benefício de poucos.

Com desembolso de quase R$ 2 bilhões, a usina de Itaipu, por exemplo, firmou até julho passado mais de 120 convênios socioambientais desde a posse, há dois anos, do atual diretor-geral no Brasil da binacional, Enio Verri.

A expansão de gastos (paga pela conta de luz dos moradores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste) é considerada exagerada e sem critérios por críticos da atual gestão, que veem a possibilidade de valores estarem sendo desviados para a prática de política partidária —o que a empresa nega, defendendo os convênios.

Assim como o diretor-geral de Itaipu, um ex-deputado petista indicado ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alguns dos coordenadores dos programas são ligados ao Partido dos Trabalhadores e recebem R$ 20 mil por mês pela função.

Em um dos convênios, voltado ao esporte em favelas, reportagem da Folha constatou que foram adquiridas muitas vezes mais bolas do que o número total de crianças atendidas. A prestação de contas para a aquisição do material esportivo também é opaca, o que levanta dúvidas de especialistas da área sobre a lisura do processo de compra.

Outro convênio que chama a atenção é o Programa de Capacitação AMP 4.0, firmado com a Associação de Municípios do Paraná. Com orçamento de R$ 48 milhões até dezembro de 2025, tem como objetivo capacitar gestores em políticas públicas. O escopo é diverso: treinamento para atuar com autismo, alfabetização, lazer e esportes e licitações.

A AMP, porém, não tem estrutura para oferecer o foco do programa, a capacitação, e terceiriza o trabalho para uma entidade de ensino. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, entende que transferir integralmente o objeto de um convênio é um procedimento irregular.

No entanto, por ser estatal binacional entre Brasil e Paraguai, Itaipu não está sob a alçada do TCU ou de nenhum órgão de controle externo. O único ente que pode pedir explicações é o Congresso —de cada lado da fronteira, pelo país que lhe cabe.

O caso de Itaipu é apenas mais um exemplo de como o comando de empresas pelo Estado pode gerar suspeitas de beneficiamento a partidários dos governos de turno, enquanto os contribuintes pagam a conta.

O erro do jornal Washington Post

Folha de S. Paulo

Jeff Bezos decidiu que só uma visão de mundo terá espaço em textos de opinião, mas choque de ideias é base da democracia

Durante a primeira administração de Donald Trump, o jornal Washington Post adotou uma célebre campanha publicitária centrada no slogan "A democracia morre no escuro". A ideia era acentuar o papel da imprensa profissional como instituição vocacionada para fiscalizar os poderosos e assim dificultar os desvios autoritários.

Quatro anos se passaram, o republicano voltou à Casa Branca, e alguns princípios editoriais agora adotados pela publicação fundada em 1877 levariam um desavisado a se perguntar se se trata do mesmo jornal e do mesmo proprietário. A resposta é afirmativa.

Jeff Bezos, o fundador da Amazon que comprou o Post em 2013, divulgou sua decisão de doravante publicar nas páginas de opinião do jornal apenas artigos de convidados que defendam as liberdades individuais e econômicas. Ele julga que a internet e as redes sociais cumprem o papel de oferecer visões variadas, e seu veículo pode se desincumbir disso.

Indagado por Bezos sobre se abraçaria a nova orientação com convicção, o jornalista responsável pela curadoria dos artigos preferiu deixar o Washington Post.

Bezos, que neste mandato de Trump se aproximou do presidente republicano, entende que cumpre uma missão patriótica ao determinar a reserva de mercado de opiniões em seu jornal. Se a sociedade norte-americana atingiu graus de desenvolvimento excepcionais, foi por abraçar essas ideias, argumenta o empresário.

Ora, mas o regime das liberdades individuais pressupõe a livre circulação de ideias e a máxima tolerância a opiniões contrárias. Os veículos que, como esta Folha, encampam o ideário liberal nos costumes e na economia adotam, como decorrência lógica disso, a promoção do pluralismo em suas páginas de opinião.

Nada mais estranho à tradição que inspirou as publicações de maior prestígio no mundo do que transformar uma praça pública de debates abertos num condomínio fechado em que apenas se reafirmam as mesmas ideias.

Ao contrário do que diz Bezos, a internet e as redes sociais são os locais em que as bolhas de opinião se reforçam, em que o ódio ao diferente se cultiva. Jornais de inclinação liberal deveriam operar na lógica contrária, da abertura. Deveriam expor seus leitores a perspectivas diferentes das com que estão habituados.

Já se disse com propriedade que um bom jornal é onde a nação conversa consigo mesma. Expulsar uma parte relevante da opinião pública dessa conversa, e ainda fazê-lo a pretexto de exercer o nacionalismo, fará do Washington Post um jornal pior.

Educação avançou no Brasil, mas ainda deixa a desejar

O Globo

País não se desenvolverá enquanto não dispuser de profissionais formados para demanda da economia moderna

O caminho indicado para reduzir a desigualdade e aumentar a renda dos brasileiros passa de forma inexorável por um sistema educacional eficiente. Por isso é boa notícia que o Censo de 2022 tenha constatado melhoria no acesso à educação. Infelizmente, não foi o suficiente para grandes comemorações. Apesar dos avanços, o atraso no nível de instrução ainda é grande, a qualidade não é uniforme, por isso persistem as amarras que impedem o país de galgar etapas no desenvolvimento.

Há mais crianças na creche e formados no ensino superior, porém as matrículas na educação formal continuam atrás da realidade dos países mais desenvolvidos. Em 2000, apenas 6,9% da população com mais de 25 anos tinha concluído pelo menos um curso superior. Hoje esse número quase triplicou, para 18,4%. Mesmo assim, nos países ricos a parcela é de 30%.

A fração dos que terminaram o ensino médio, mas abandonaram o estudo na universidade quase dobrou, de 16,5% para 32,3%. O destino deles poderia ter sido o ensino técnico ou profissionalizante, se a estrutura educacional estivesse preparada. A fatia dos que concluíram o ensino fundamental, mas abandonaram a escola no médio foi de 12,9% para 14%. E, embora tenha caído a quase metade, de 63,8% para 35,2%, a parcela que ainda não tem o mínimo de instrução representa mais de um terço da população.

Em 2000, apenas 9,4% das crianças de até três anos estavam na creche. Pouco mais de duas décadas depois, 33,9%. Houve um grande salto, porém insuficiente para que fosse alcançada a meta de no mínimo 50%, estabelecida pelo Plano Nacional de Educação. Dos 5.570 municípios, apenas 646 (11,6%) atingiram o objetivo.

O conhecido desnível entre as regiões também afeta os indicadores educacionais. No Sudeste, 30% da população pesquisada não tinha instrução ou não completara o ciclo fundamental, menor índice do país. No Nordeste a proporção era de 44,6%, a maior entre todas as regiões. O Piauí, com 49,1%, era o estado em pior situação, e o Distrito Federal aparecia no topo do ranking, com 19,2%.

Continua um desafio ao poder público e à sociedade elevar o nível do ensino. O problema também atinge o ensino superior, agravado pela explosão dos cursos à distância, a partir de 2017. “O MEC não consegue controlar a qualidade do ensino”, diz Wilson Mesquita de Almeida, especialista em ensino superior da Universidade Federal do ABC, em São Paulo. “Isso faz com que as empresas [universidades privadas] se dediquem a alguns poucos cursos e saturem o mercado. O aluno paga, consegue o diploma, mas não consegue atuar na área que estudou.”

A universidade brasileira forma relativamente poucos profissionais nas áreas mais críticas para o desenvolvimento, conhecidas pela sigla em inglês STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Não é outro o motivo para faltarem engenheiros, matemáticos, cientistas da computação, químicos, biotecnólogos e outras especialidades responsáveis pelas inovações que mais geram riqueza no mundo contemporâneo. Enquanto isso, sobram advogados. Não haverá como o Brasil se tornar um país desenvolvido enquanto não dispuser da mão de obra qualificada necessária para atender às demandas de uma economia avançada. Sem educação consistente e de qualidade, será impossível evoluir.

Linchamento em Pernambuco expõe barbárie que viceja Brasil afora

O Globo

Foram registrados no ano passado 214 episódios do tipo, ou mais de um crime a cada dois dias

O linchamento de um homem acusado de matar uma criança no município de Tabira, sertão de Pernambuco, chamou a atenção para um crime bárbaro — e mais comum do que se pensa. Segundo dados da Rede de Observatórios da Segurança, no ano passado foram registrados 214 linchamentos no país, aumento de 56% em relação a 2023. É perturbador constatar que mais de um caso semelhante acontece a cada dois dias, atropelando a lei e, com frequência, tirando a vida de inocentes.

Não se discute a gravidade do crime que deu origem ao linchamento em Pernambuco. Uma mãe deixou o filho de 2 anos com um casal conhecido para ir ao trabalho. No mesmo dia, o menino morreu depois de dar entrada no hospital com múltiplas lesões pelo corpo. Policiais prenderam o casal suspeito na zona rural de Carnaíba (PE). Quando chegava à delegacia, a dupla foi arrancada do carro da polícia por uma multidão. O homem foi espancado e morreu depois no hospital. A mulher sobreviveu. A agressão foi filmada e postada nas redes sociais. Os dois casos estão sob investigação.

Episódios assim são fermentados pelo aumento da violência, pelo descrédito nas instituições, pela disseminação de ódio nas redes sociais ou pela omissão das autoridades em impedir a barbárie. Um dos que obtiveram maior repercussão aconteceu em maio de 2014 no Guarujá, litoral de São Paulo. A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi amarrada, arrastada e espancada até a morte por moradores que, influenciados por desinformação nas redes, a acusavam de sequestrar crianças para rituais macabros. Investigações mostraram que ela era inocente e nunca cometera crime algum. Cinco agressores foram condenados.

A tentativa inaceitável de fazer o papel de polícia e Justiça se apresenta de diferentes formas. Quando os índices de violência crescem, e a população não recebe respostas satisfatórias do Estado, não é incomum surgirem milícias particulares que se julgam no direito de combater os criminosos. Na Zona Sul do Rio, já foram vários os grupos criados por moradores atuando ao arrepio da lei. Nas favelas fluminenses, são conhecidos os "tribunais do tráfico", que de tribunais não têm nada, onde facínoras decidem de maneira perversa quem deve morrer, e como.

É verdade que a Justiça brasileira padece de omissões, falhas e demora a garantir punções justas aos criminosos. Mas não pode haver atalho. A nenhum cidadão é dado o direito de desempenhar o papel de policial, juiz e carrasco. Crimes, por mais repugnantes, precisam ser investigados e julgados com imparcialidade e transparência. Redes sociais não emitem sentenças, apenas veiculam opiniões. Mesmo quando a vítima não é inocente, é essencial seguir os ritos legais. A polícia deveria ficar atenta para impedir a barbárie. É fundamental identificar agressores para que possam ser julgados e punidos, por mais que seja difícil individualizar condutas no meio de multidões. Não se pode responder a um crime cometendo outro. A impunidade também contribui para que esse horror se perpetue.

Banzé no Salão Oval

O Estado de S. Paulo

Para espanto do mundo civilizado, Trump e seu vice emboscam o presidente ucraniano na Casa Branca e mostram até onde estão dispostos a ir para satisfazer o ditador Putin

O encontro infame entre o presidente americano, Donald Trump, e o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, mostrou por que negociações diplomáticas não deveriam ser televisionadas aos olhos do mundo. Mostrou também que Trump não queria conduzir negociações diplomáticas, mas avançar rumo a três objetivos: quer extorquir o máximo de recursos da Ucrânia, e Zelenski é um empecilho; quer normalizar as relações com a Rússia, e a guerra é um empecilho; e quer empregar o poderio militar e econômico dos EUA para negociar acordos vantajosos ao redor do mundo, e a ordem multilateral é um empecilho. O bate-boca armado pelo ex-apresentador de reality show foi calculado para abalar esses três obstáculos numa só tacada.

Em sua visão, o sistema pós-Segunda Guerra liderado por Washington só beneficiou parasitas e caroneiros que se aproveitaram dos EUA. Seu objetivo é restabelecer uma era de negociações entre grandes potências, um jogo em que o poderio militar e econômico dos EUA lhe dá, a seu ver, mão forte, e aproveitar a vulnerabilidade de países menores e as condições de dependência de seus aliados para extrair compensações. Ele vê esse arranjo como mais eficiente para manter a paz e fazer bons negócios. Mas o mundo está vendo em tempo real como essa estratégia está o tornando mais perigoso, e também tornando os EUA mais fracos em favor de autocracias antiocidentais.

Zelenski foi a Washington para salvar os destroços de suas relações com Trump e negociar um acordo concedendo a exploração das riquezas minerais ucranianas, em troca de mais armas e garantias de segurança num cessar-fogo com a Rússia. Saiu desmoralizado após um ritual de humilhação, sem acordo, nem garantias, sob o risco de ver o envio de armas dos EUA totalmente bloqueado, e com seu cargo ameaçado.

Trump já havia adiantado concessões à Rússia, negando a entrada da Ucrânia na Otan e admitindo a anexação dos territórios ocupados pela Rússia. O presidente russo, Vladimir Putin, quer ainda a desmilitarização da Ucrânia e um regime fantoche em Kiev. Em uma posição de vantagem no campo de batalha, ele tem agora ainda menos incentivos para fazer concessões, e está mais próximo do que nunca desses objetivos.

Trump não dá a mínima para a soberania da Ucrânia – ela pode um dia “vir a ser russa”, disse recentemente – e entende que a defesa da Europa é um problema da Europa. Quanto à Rússia, até onde é possível visualizar uma estratégia, ele quer uma aproximação para enfraquecer os laços entre Moscou e Pequim. Mas Putin tem poucos incentivos para isso – e depois do entrevero no Salão Oval, ainda menos. A Rússia é profundamente dependente da China, e vantagens que os EUA possam oferecer farão pouco para mudar isso.

Recompensar a maior agressão territorial na Europa desde o fim da Segunda Guerra será um golpe duro na ordem internacional baseada em regras que assegurou uma paz frágil nas últimas oito décadas, e abrirá um precedente para Teerã ou Pequim avançarem em suas ambições sobre vizinhos mais fracos.

Os antecessores de Trump não promoveram a ordem internacional baseada em regras por mero idealismo ou altruísmo. Protegê-la impôs custos aos EUA e o livre comércio prejudicou algumas de suas indústrias. Mas esses ônus foram amplamente compensados por benefícios aos consumidores americanos e à indústria em geral, que pôde importar produtos mais baratos e exportar com segurança. Um mundo sem regras é muito mais favorável ao capitalismo de Estado chinês ou a oligarcas russos.

Zelenski estava certo ao questionar o vice-presidente J. D. Vance: sem garantias militares, não há por que esperar que a Rússia cumpra seus compromissos, como nunca cumpriu antes. Mas pior do que perder uma discussão com seu benfeitor é ganhar uma discussão com seu benfeitor – tanto pior se ele for um narcisista como Trump. O presidente americano estava certo também: o que aconteceu foi profundamente desrespeitoso à memória do Salão Oval e está em curso um jogo que põe o mundo em risco de uma terceira guerra. Só que o maior responsável por isso tudo é o próprio Trump.

A senilidade petista

O Estado de S. Paulo

O partido de Lula da Silva já foi o retrato da renovação política, mas chega aos 45 anos de existência com dificuldades para atualizar suas lideranças e as ideias que tem para o País

O Partido dos Trabalhadores (PT) comemorou seus 45 anos de existência num evento no último fim de semana (22/2) com a cara do PT. Foi uma reafirmação da capacidade do partido de construir uma realidade própria. O refúgio num universo onírico chegou ao paroxismo durante o discurso do presidente Lula da Silva. Dele se ouviu, por exemplo, que “o PT não é apenas um partido, é uma ideia”. Lula disse ainda que, como tal, “ninguém pode matar uma ideia”, exibindo sua incurável síndrome persecutória, de quem acredita que forças do mal estão diariamente dispostas a remover o partido do mapa. Também descreveu uma inexistente “economia que cresce para todos”.

São 45 eloquentes anos de peso inquestionável sobre nossa história política, mas tão eloquente quanto isso foi o esforço para lustrar uma realidade há tempos sofrível. Embora não tenha faltado altivez sobre o passado, o presente e o futuro da legenda nascida no verão de 1980, a 45.ª primavera do PT tem cara de inverno: o partido que já foi o retrato da renovação política é hoje símbolo de uma legenda e de uma corrente ideológica enfraquecidas, atônitas e, sobretudo, envelhecidas. Na idade e nas ideias.

Trata-se, portanto, de um envelhecimento duplo. Com dificuldade para se renovar, o PT continua a depender da força gravitacional de Lula. Se costuma ser a salvação nos momentos em que suas quase infinitas correntes se digladiam na disputa pelo poder, Lula passou a ser também o aprisionamento de uma legenda que não consegue encontrar um sucessor politicamente forte e eleitoralmente viável. Não contar com o seu maior líder nas urnas sempre pareceu um horizonte distante para o PT, mas agora isso parece cada vez mais real: a idade do presidente, hoje com quase 80 anos, virou uma espécie de zona de tensão entre os lulistas mais empedernidos. Apesar de emitir recados contraditórios, nada sugere que ele abrirá mão de tentar uma nova reeleição. Não há, porém, plano B à vista. Nem para 2026, nem para depois.

O peso da idade não está apenas sobre os ombros de Lula. Há um grande abismo geracional entre as lideranças petistas, em razão da distância que separa os cabeças brancas da geração de Lula e os nomes mais jovens do partido. A média de idade de todos os deputados federais eleitos em 2022 era de 49 anos; a média de idade dos deputados do PT era bem maior: 56. Em 2002, essa média etária entre os petistas era de 47 anos. Em 1982, primeira eleição do partido, a pequena bancada federal petista tinha apenas 38 anos de idade em média.

A questão etária seria um problema menor, não fosse o fato de que o PT demonstra não ter a menor ideia do que oferecer de novo ao País. O partido nasceu da força do sindicalismo, do catolicismo rural e da intelectualidade. Tais âncoras ficaram no passado. Depois, cresceu com o discurso de destruição de reputações enquanto se autoproclamava o dono exclusivo da virtude pública. Esses apelos se desmilinguiram com os anos em que se lambuzou com a corrupção no poder. Por fim, a legenda renasceu com Lula redivivo após os anos de calvário da Lava Jato.

A angústia nacional não é ver o principal partido da esquerda tradicional envelhecer no tempo, e sim acompanhar Lula e seus sabujos governarem em 2025 sob a mesma lógica do passado. Na festa de aniversário, o presidente reconheceu a necessidade de estarem atentos às novas formas de trabalho e comunicação. Mas, Lula sendo Lula, a solução apontada diz muito: “Precisamos voltar a discutir política dentro das fábricas, nos locais de trabalho”. Em suma, o mundo do trabalho, para Lula, continua a resumir-se às fábricas e aos sindicatos, sem entender, de fato, que o Brasil e os trabalhadores mudaram.

Com dificuldade de pautar novas agendas, Lula e o PT recorrem mais uma vez às artimanhas da polarização. O bolsonarismo é simultaneamente o fantasma e a tábua de salvação para a sobrevivência eleitoral do lulopetismo. Com isso, tenta-se retomar a força propulsora que lhe garantiu a vitória em 2022. Com um governo sem clareza de ideias e um presidente sem ter o que dizer de novo ao País, a eles só resta convocar novamente uma falsa ameaça à democracia. E ao Brasil não petista resta mostrar a inutilidade dessa esperteza.

O fardo pesado da Petrobras

O Estado de S. Paulo

Câmbio foi a desculpa para queda no lucro; mas pesaram também diesel e acordo com Fisco

E m 2024 o lucro da Petrobras, já deduzidos impostos e custos, despencou mais de 70% em relação ao ano anterior, numa relação que impressiona: R$ 124,6 bilhões em 2023; R$ 36,6 bilhões no ano passado. A presidente da companhia, Magda Chambriard, passou o dia seguinte ao anúncio do resultado num esforço de convencimento de que o desempenho foi fortemente impactado pelo câmbio no fim do ano, num efeito contábil que não afeta o caixa da empresa. Mas não conseguiu conter a desvalorização de quase R$ 25 bilhões da empresa na Bolsa em apenas um dia.

O documento de apresentação de resultados, divulgado na noite anterior, já dava o tom do que seriam os argumentos para a performance decepcionante da companhia, que se acentuou no quarto trimestre, com um prejuízo de R$ 17 bilhões. O relatório destacou “eventos exclusivos” de 2024, como a disparada do câmbio no fim do ano, que levou o dólar ao patamar de R$ 6, a perda da margem de rentabilidade do diesel e os custos de um acordo tributário com o governo federal. Além desses fatores, a preocupação do mercado se concentrou na forte antecipação de investimentos – não por acaso uma das premissas do lulopetismo para fazer a empresa ser indutora do desenvolvimento –, que reduziu a remuneração dos acionistas.

Em que pese o fator cambial sobre a dívida, parte dos tais eventos exclusivos deixam evidente o custo assumido pela empresa na adequação aos interesses do governo Lula da Silva. No fim do primeiro semestre, a Petrobras firmou acordo com o Fisco que encerrou um contencioso de quase R$ 45 bilhões, que se arrastava desde 2008. Em junho, aderiu ao programa do governo de recuperação de créditos para ajudar a fechar o ano dentro da meta fiscal de déficit zero. Na época, a Petrobras divulgou em comunicado o desembolso de R$ 19,8 bilhões.

A Petrobras destacou que a redução de 2% do petróleo tipo Brent no mercado externo levou a uma queda de 39% na rentabilidade do diesel (no jargão técnico chamado de crackspread, ou diferença de preços entre o petróleo bruto e os produtos refinados). Vale destacar que, apesar das variações dos preços externos, a Petrobras manteve o preço do diesel inalterado durante todo o ano de 2024. Para elevar o preço neste ano, quando já não havia mais como represar a alta, Magda Chambriard foi a Brasília detalhar os dados a Lula da Silva e somente depois do aval houve reajuste, em 1.º de fevereiro.

A carta assinada por Chambriard na apresentação do resultado afirma que, “expurgando os eventos exclusivos”, o lucro líquido do ano seria de R$ 103 bilhões (US$ 19,4 bilhões). E, embora tenha destacado quase exclusivamente a variação cambial, obedecer a políticas de governo mostrou seu custo.

Sendo estatal, a Petrobras obviamente deve estar alinhada à política do governo, mas, como empresa dependente do capital privado, presente em 64% de sua composição acionária, não deve satisfação só ao Palácio do Planalto – o que demanda equilíbrio entre a pressão política e os interesses de uma empresa que tem de dar lucro.

O prêmio maior de Ainda Estou Aqui

Correio Braziliense

Até a última cena, o filme nos lembra que o sofrimento provocado por agentes criminosos no regime militar ainda aguarda a devida reparação

Em pleno domingo de carnaval, milhões de brasileiros acompanharão cada minuto de outra festa, que estará ocorrendo no Hemisfério Norte. A partir das 21h, horário de Brasília, inicia-se a 97ª edição do Oscar, com real possibilidade de o Brasil obter conquistas inéditas na indústria cinematográfica. O filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, concorre à icônica estatueta em três categorias: melhor filme, melhor filme internacional e melhor atriz, para Fernanda Torres.

Independentemente do resultado no Teatro Dolby, em Los Angeles, na Califórnia, há eloquentes razões para reconhecer os méritos de Ainda Estou Aqui. Entre os elogios mais frequentes à produção brasileira, destacam-se, em primeiro lugar, a atuação antológica de Fernanda Torres, que obteve um reconhecimento internacional poucas vezes visto em relação a uma estrela de língua não inglesa; e, em segundo lugar, a história profundamente tocante da família Paiva, destroçada pela ditadura militar, em um drama que consegue sensibilizar plateias do mundo inteiro, mesmo aquelas não familiarizadas com os tempos de exceção que vigoraram no Brasil durante 21 anos.

Existe uma miríade de explicações artísticas e mercadológicas para justificar o sucesso de Ainda Estou Aqui. A principal delas, por óbvio, é a qualidade excepcional do trabalho desenvolvido por Walter Salles e pelo elenco do filme. Há ainda a extenuante maratona de entrevistas e participação em festivais para divulgar a produção, em esforço monumental do diretor e dos protagonistas. Por fim, cite-se a qualidade do livro que inspirou a obra cinematográfica, escrito por Marcelo Rubens Paiva, autor que já havia ganhado notoriedade com Feliz Ano Velho.

Mas um mérito inquestionável de Ainda Estou Aqui é também a mensagem que ele transmite para o Brasil. Ao narrar a trajetória de Eunice Paiva e família, a obra de Walter Salles retrata igualmente o caminho trilhado por uma nação. Com extrema habilidade, o diretor exibe as transformações de um país subjugado por um regime autoritário em direção à democracia, não sem marcas profundas na alma. Até a última cena, o filme nos lembra que o sofrimento provocado por agentes criminosos no regime militar ainda aguarda a devida reparação. Trata-se de uma queixa, uma dor que não foi contemplada pela Lei da Anistia.

Mais importante, Ainda Estou Aqui mostra-se de uma atualidade perturbadora no momento em que a democracia encontra-se sob ameaça crescente e constante. No Brasil, fatos repugnantes como a trama para sabotar as eleições, o plano de assassinar altas autoridades, a destruição dos símbolos da República em 8 de janeiro e os ataques contínuos a ministros do Supremo Tribunal Federal constituem uma ameaça real, que nada tem de ficção. No mundo, o avanço de autocratas e da extrema direita põe em xeque a democracia liberal, regime construído a duras penas após os horrores de duas guerras mundiais e décadas de Guerra Fria.

Como nunca se viu, há muitas chances de Ainda Estou Aqui ganhar a premiação máxima da indústria audiovisual. Mas, afora o reconhecimento de Hollywood, o filme já conquistou o coração dos brasileiros. É seguramente uma obra-prima do cinema nacional. E, como tal, reúne as credenciais para o país valorizar sua produção cultural e adquirir a coragem de debater temas incômodos da nossa sociedade. 

 

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