Sociedade banca ações pouco transparentes de Itaipu
Folha de S. Paulo
Estatal gastou cerca de R$ 2 bilhões em
convênios opacos e geridos por pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores
A conta de luz tem sido um dos principais
fatores de pressão sobre a inflação neste
início de ano. Segundo a prévia de fevereiro medida pelo IPCA-15, a alta do
item alcançou impressionantes 16,3% —elevando
o índice geral a 1,23%, o maior para o mês desde 2016.
O preço da energia sofre as mesmas
consequências da alta carga tributária, como ocorre com combustíveis e
alimentos. Mais de 40% do valor da conta são impostos indiretos e encargos. O
restante corresponde a despesas com a geração e distribuição. Há, porém, custos
nada transparentes, mas que acabam bancados por toda a sociedade em benefício
de poucos.
Com desembolso de quase R$ 2 bilhões, a usina de Itaipu, por exemplo, firmou até julho passado mais de 120 convênios socioambientais desde a posse, há dois anos, do atual diretor-geral no Brasil da binacional, Enio Verri.
A expansão de gastos (paga pela conta de luz
dos moradores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste) é considerada exagerada
e sem critérios por críticos da atual gestão, que veem a possibilidade de
valores estarem sendo desviados para a prática de política partidária —o que a
empresa nega, defendendo os convênios.
Assim como o diretor-geral de Itaipu, um
ex-deputado petista indicado ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, alguns dos coordenadores dos programas são ligados ao Partido dos
Trabalhadores e recebem R$ 20 mil por mês pela função.
Em um dos convênios, voltado ao esporte em
favelas, reportagem da Folha constatou que foram adquiridas muitas
vezes mais
bolas do que o número total de crianças atendidas. A prestação de contas
para a aquisição do material esportivo também é opaca, o que levanta dúvidas de
especialistas da área sobre a lisura do processo de compra.
Outro convênio que chama a atenção é o
Programa de Capacitação AMP 4.0, firmado com a Associação de Municípios do
Paraná. Com orçamento de R$ 48 milhões até dezembro de 2025, tem como objetivo
capacitar gestores em políticas públicas. O escopo é diverso: treinamento para
atuar com autismo, alfabetização, lazer e esportes e licitações.
A AMP, porém, não tem estrutura para oferecer
o foco do programa, a capacitação, e terceiriza o trabalho para uma entidade de
ensino. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo,
entende que transferir integralmente o objeto de um convênio é um procedimento
irregular.
No entanto, por ser estatal binacional entre
Brasil e Paraguai,
Itaipu não está sob a alçada do TCU ou de nenhum órgão de controle externo. O
único ente que pode pedir explicações é o Congresso —de cada lado da fronteira,
pelo país que lhe cabe.
O caso de Itaipu é apenas mais um exemplo de
como o comando de empresas pelo Estado pode gerar suspeitas de beneficiamento a
partidários dos governos de turno, enquanto os contribuintes pagam a conta.
O erro do jornal Washington Post
Folha de S. Paulo
Jeff Bezos decidiu que só uma visão de mundo
terá espaço em textos de opinião, mas choque de ideias é base da democracia
Durante a primeira administração de Donald Trump,
o jornal Washington Post adotou uma célebre campanha publicitária centrada no
slogan "A democracia morre no escuro". A ideia era acentuar o papel
da imprensa profissional como instituição vocacionada para fiscalizar os
poderosos e assim dificultar os desvios autoritários.
Quatro anos se passaram, o republicano voltou
à Casa Branca, e alguns princípios editoriais agora
adotados pela publicação fundada em 1877 levariam um desavisado a se perguntar
se se trata do mesmo jornal e do mesmo proprietário. A resposta é afirmativa.
Jeff Bezos,
o fundador da Amazon que
comprou o Post em 2013, divulgou sua decisão de doravante publicar nas páginas
de opinião do jornal apenas artigos de convidados que defendam as liberdades
individuais e econômicas. Ele julga que a internet e
as redes sociais cumprem o papel de oferecer visões variadas, e seu veículo
pode se desincumbir disso.
Indagado por Bezos sobre se abraçaria a nova
orientação com convicção, o jornalista responsável pela curadoria dos
artigos preferiu
deixar o Washington Post.
Bezos, que neste
mandato de Trump se aproximou do presidente republicano, entende que cumpre
uma missão patriótica ao determinar a reserva de mercado de opiniões em seu
jornal. Se a sociedade norte-americana atingiu graus de desenvolvimento
excepcionais, foi por abraçar essas ideias, argumenta o empresário.
Ora, mas o regime das liberdades individuais
pressupõe a livre circulação de ideias e a máxima tolerância a opiniões
contrárias. Os veículos que, como esta Folha, encampam o ideário liberal
nos costumes e na economia adotam, como decorrência lógica disso, a promoção do
pluralismo em suas páginas de opinião.
Nada mais estranho à tradição que inspirou as
publicações de maior prestígio no mundo do que transformar uma praça pública de
debates abertos num condomínio fechado em que apenas se reafirmam as mesmas
ideias.
Ao contrário do que diz Bezos, a internet e
as redes sociais são os locais em que as bolhas de opinião se reforçam, em que
o ódio ao diferente se cultiva. Jornais de inclinação liberal deveriam operar
na lógica contrária, da abertura. Deveriam expor seus leitores a perspectivas
diferentes das com que estão habituados.
Já se disse com propriedade que um bom jornal
é onde a nação conversa consigo mesma. Expulsar uma parte relevante da opinião
pública dessa conversa, e ainda fazê-lo a pretexto de exercer o nacionalismo,
fará do Washington Post um jornal pior.
Educação avançou no Brasil, mas ainda deixa a
desejar
O Globo
País não se desenvolverá enquanto não
dispuser de profissionais formados para demanda da economia moderna
O caminho indicado para reduzir a
desigualdade e aumentar a renda dos brasileiros passa de forma inexorável por
um sistema educacional eficiente. Por isso é boa notícia que o Censo de
2022 tenha constatado melhoria no acesso à educação.
Infelizmente, não foi o suficiente para grandes comemorações. Apesar dos
avanços, o atraso no nível de instrução ainda é grande, a qualidade não é
uniforme, por isso persistem as amarras que impedem o país de galgar etapas no
desenvolvimento.
Há mais crianças na creche e formados no
ensino superior, porém as matrículas na educação formal continuam atrás da
realidade dos países mais desenvolvidos. Em 2000, apenas 6,9% da população com
mais de 25 anos tinha concluído pelo menos um curso superior. Hoje esse número
quase triplicou, para 18,4%. Mesmo assim, nos países ricos a parcela é de 30%.
A fração dos que terminaram o ensino médio,
mas abandonaram o estudo na universidade quase dobrou, de 16,5% para 32,3%. O
destino deles poderia ter sido o ensino técnico ou profissionalizante, se a
estrutura educacional estivesse preparada. A fatia dos que concluíram o ensino
fundamental, mas abandonaram a escola no médio foi de 12,9% para 14%. E, embora
tenha caído a quase metade, de 63,8% para 35,2%, a parcela que ainda não tem o
mínimo de instrução representa mais de um terço da população.
Em 2000, apenas 9,4% das crianças de até três
anos estavam na creche. Pouco mais de duas décadas depois, 33,9%. Houve um
grande salto, porém insuficiente para que fosse alcançada a meta de no mínimo
50%, estabelecida pelo Plano Nacional de Educação. Dos 5.570 municípios, apenas
646 (11,6%) atingiram o objetivo.
O conhecido desnível entre as regiões também
afeta os indicadores educacionais. No Sudeste, 30% da população pesquisada não
tinha instrução ou não completara o ciclo fundamental, menor índice do país. No
Nordeste a proporção era de 44,6%, a maior entre todas as regiões. O Piauí, com
49,1%, era o estado em pior situação, e o Distrito Federal aparecia no topo do
ranking, com 19,2%.
Continua um desafio ao poder público e à
sociedade elevar o nível do ensino. O problema também atinge o ensino superior,
agravado pela explosão dos cursos à distância, a partir de 2017. “O MEC não
consegue controlar a qualidade do ensino”, diz Wilson Mesquita de Almeida,
especialista em ensino superior da Universidade Federal do ABC, em São Paulo.
“Isso faz com que as empresas [universidades privadas] se dediquem a alguns
poucos cursos e saturem o mercado. O aluno paga, consegue o diploma, mas não
consegue atuar na área que estudou.”
A universidade brasileira forma relativamente
poucos profissionais nas áreas mais críticas para o desenvolvimento, conhecidas
pela sigla em inglês STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Não é
outro o motivo para faltarem engenheiros, matemáticos, cientistas da
computação, químicos, biotecnólogos e outras especialidades responsáveis pelas
inovações que mais geram riqueza no mundo contemporâneo. Enquanto isso, sobram
advogados. Não haverá como o Brasil se tornar um país desenvolvido enquanto não
dispuser da mão de obra qualificada necessária para atender às demandas de uma
economia avançada. Sem educação consistente e de qualidade, será impossível
evoluir.
Linchamento em Pernambuco expõe barbárie que
viceja Brasil afora
O Globo
Foram registrados no ano passado 214
episódios do tipo, ou mais de um crime a cada dois dias
O linchamento de um homem acusado de matar
uma criança no município de Tabira, sertão de Pernambuco, chamou
a atenção para um crime bárbaro — e mais comum do que se pensa. Segundo dados
da Rede de Observatórios da Segurança, no ano passado foram registrados 214
linchamentos no país, aumento de 56% em relação a 2023. É perturbador constatar
que mais de um caso semelhante acontece a cada dois dias, atropelando a lei e,
com frequência, tirando a vida de inocentes.
Não se discute a gravidade do crime que deu
origem ao linchamento em Pernambuco. Uma mãe deixou o filho de 2 anos com um
casal conhecido para ir ao trabalho. No mesmo dia, o menino morreu depois de
dar entrada no hospital com múltiplas lesões pelo corpo. Policiais prenderam o
casal suspeito na zona rural de Carnaíba (PE). Quando chegava à delegacia, a
dupla foi arrancada do carro da polícia por uma multidão. O homem foi espancado
e morreu depois no hospital. A mulher sobreviveu. A agressão foi filmada e postada
nas redes sociais. Os dois casos estão sob investigação.
Episódios assim são fermentados pelo aumento
da violência,
pelo descrédito nas instituições, pela disseminação de ódio nas redes sociais
ou pela omissão das autoridades em impedir a barbárie. Um dos que obtiveram
maior repercussão aconteceu em maio de 2014 no Guarujá, litoral de São Paulo. A
dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi amarrada, arrastada e
espancada até a morte por moradores que, influenciados por desinformação nas
redes, a acusavam de sequestrar crianças para rituais macabros. Investigações
mostraram que ela era inocente e nunca cometera crime algum. Cinco agressores
foram condenados.
A tentativa inaceitável de fazer o papel de
polícia e Justiça se apresenta de diferentes formas. Quando os índices de
violência crescem, e a população não recebe respostas satisfatórias do Estado,
não é incomum surgirem milícias particulares que se julgam no direito de
combater os criminosos. Na Zona Sul do Rio, já foram vários os grupos criados
por moradores atuando ao arrepio da lei. Nas favelas fluminenses, são
conhecidos os "tribunais do tráfico", que de tribunais não têm nada,
onde facínoras decidem de maneira perversa quem deve morrer, e como.
É verdade que a Justiça brasileira padece de omissões, falhas e demora a garantir punções justas aos criminosos. Mas não pode haver atalho. A nenhum cidadão é dado o direito de desempenhar o papel de policial, juiz e carrasco. Crimes, por mais repugnantes, precisam ser investigados e julgados com imparcialidade e transparência. Redes sociais não emitem sentenças, apenas veiculam opiniões. Mesmo quando a vítima não é inocente, é essencial seguir os ritos legais. A polícia deveria ficar atenta para impedir a barbárie. É fundamental identificar agressores para que possam ser julgados e punidos, por mais que seja difícil individualizar condutas no meio de multidões. Não se pode responder a um crime cometendo outro. A impunidade também contribui para que esse horror se perpetue.
Banzé no Salão Oval
O Estado de S. Paulo
Para espanto do mundo civilizado, Trump e seu
vice emboscam o presidente ucraniano na Casa Branca e mostram até onde estão
dispostos a ir para satisfazer o ditador Putin
O encontro infame entre o presidente
americano, Donald Trump, e o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, mostrou
por que negociações diplomáticas não deveriam ser televisionadas aos olhos do
mundo. Mostrou também que Trump não queria conduzir negociações diplomáticas,
mas avançar rumo a três objetivos: quer extorquir o máximo de recursos da
Ucrânia, e Zelenski é um empecilho; quer normalizar as relações com a Rússia, e
a guerra é um empecilho; e quer empregar o poderio militar e econômico dos EUA
para negociar acordos vantajosos ao redor do mundo, e a ordem multilateral é um
empecilho. O bate-boca armado pelo ex-apresentador de reality show foi
calculado para abalar esses três obstáculos numa só tacada.
Em sua visão, o sistema pós-Segunda Guerra
liderado por Washington só beneficiou parasitas e caroneiros que se
aproveitaram dos EUA. Seu objetivo é restabelecer uma era de negociações entre
grandes potências, um jogo em que o poderio militar e econômico dos EUA lhe dá,
a seu ver, mão forte, e aproveitar a vulnerabilidade de países menores e as
condições de dependência de seus aliados para extrair compensações. Ele vê esse
arranjo como mais eficiente para manter a paz e fazer bons negócios. Mas o
mundo está vendo em tempo real como essa estratégia está o tornando mais
perigoso, e também tornando os EUA mais fracos em favor de autocracias
antiocidentais.
Zelenski foi a Washington para salvar os
destroços de suas relações com Trump e negociar um acordo concedendo a
exploração das riquezas minerais ucranianas, em troca de mais armas e garantias
de segurança num cessar-fogo com a Rússia. Saiu desmoralizado após um ritual de
humilhação, sem acordo, nem garantias, sob o risco de ver o envio de armas dos
EUA totalmente bloqueado, e com seu cargo ameaçado.
Trump já havia adiantado concessões à Rússia,
negando a entrada da Ucrânia na Otan e admitindo a anexação dos territórios
ocupados pela Rússia. O presidente russo, Vladimir Putin, quer ainda a
desmilitarização da Ucrânia e um regime fantoche em Kiev. Em uma posição de
vantagem no campo de batalha, ele tem agora ainda menos incentivos para fazer
concessões, e está mais próximo do que nunca desses objetivos.
Trump não dá a mínima para a soberania da
Ucrânia – ela pode um dia “vir a ser russa”, disse recentemente – e entende que
a defesa da Europa é um problema da Europa. Quanto à Rússia, até onde é
possível visualizar uma estratégia, ele quer uma aproximação para enfraquecer
os laços entre Moscou e Pequim. Mas Putin tem poucos incentivos para isso – e
depois do entrevero no Salão Oval, ainda menos. A Rússia é profundamente
dependente da China, e vantagens que os EUA possam oferecer farão pouco para
mudar isso.
Recompensar a maior agressão territorial na
Europa desde o fim da Segunda Guerra será um golpe duro na ordem internacional
baseada em regras que assegurou uma paz frágil nas últimas oito décadas, e
abrirá um precedente para Teerã ou Pequim avançarem em suas ambições sobre
vizinhos mais fracos.
Os antecessores de Trump não promoveram a
ordem internacional baseada em regras por mero idealismo ou altruísmo.
Protegê-la impôs custos aos EUA e o livre comércio prejudicou algumas de suas
indústrias. Mas esses ônus foram amplamente compensados por benefícios aos
consumidores americanos e à indústria em geral, que pôde importar produtos mais
baratos e exportar com segurança. Um mundo sem regras é muito mais favorável ao
capitalismo de Estado chinês ou a oligarcas russos.
Zelenski estava certo ao questionar o
vice-presidente J. D. Vance: sem garantias militares, não há por que esperar
que a Rússia cumpra seus compromissos, como nunca cumpriu antes. Mas pior do
que perder uma discussão com seu benfeitor é ganhar uma discussão com seu
benfeitor – tanto pior se ele for um narcisista como Trump. O presidente
americano estava certo também: o que aconteceu foi profundamente desrespeitoso
à memória do Salão Oval e está em curso um jogo que põe o mundo em risco de uma
terceira guerra. Só que o maior responsável por isso tudo é o próprio Trump.
A senilidade petista
O Estado de S. Paulo
O partido de Lula da Silva já foi o retrato
da renovação política, mas chega aos 45 anos de existência com dificuldades
para atualizar suas lideranças e as ideias que tem para o País
O Partido dos Trabalhadores (PT) comemorou
seus 45 anos de existência num evento no último fim de semana (22/2) com a cara
do PT. Foi uma reafirmação da capacidade do partido de construir uma realidade
própria. O refúgio num universo onírico chegou ao paroxismo durante o discurso
do presidente Lula da Silva. Dele se ouviu, por exemplo, que “o PT não é apenas
um partido, é uma ideia”. Lula disse ainda que, como tal, “ninguém pode matar
uma ideia”, exibindo sua incurável síndrome persecutória, de quem acredita que
forças do mal estão diariamente dispostas a remover o partido do mapa. Também
descreveu uma inexistente “economia que cresce para todos”.
São 45 eloquentes anos de peso inquestionável
sobre nossa história política, mas tão eloquente quanto isso foi o esforço para
lustrar uma realidade há tempos sofrível. Embora não tenha faltado altivez
sobre o passado, o presente e o futuro da legenda nascida no verão de 1980, a
45.ª primavera do PT tem cara de inverno: o partido que já foi o retrato da
renovação política é hoje símbolo de uma legenda e de uma corrente ideológica
enfraquecidas, atônitas e, sobretudo, envelhecidas. Na idade e nas ideias.
Trata-se, portanto, de um envelhecimento
duplo. Com dificuldade para se renovar, o PT continua a depender da força
gravitacional de Lula. Se costuma ser a salvação nos momentos em que suas quase
infinitas correntes se digladiam na disputa pelo poder, Lula passou a ser
também o aprisionamento de uma legenda que não consegue encontrar um sucessor
politicamente forte e eleitoralmente viável. Não contar com o seu maior líder
nas urnas sempre pareceu um horizonte distante para o PT, mas agora isso parece
cada vez mais real: a idade do presidente, hoje com quase 80 anos, virou uma
espécie de zona de tensão entre os lulistas mais empedernidos. Apesar de emitir
recados contraditórios, nada sugere que ele abrirá mão de tentar uma nova
reeleição. Não há, porém, plano B à vista. Nem para 2026, nem para depois.
O peso da idade não está apenas sobre os
ombros de Lula. Há um grande abismo geracional entre as lideranças petistas, em
razão da distância que separa os cabeças brancas da geração de Lula e os nomes
mais jovens do partido. A média de idade de todos os deputados federais eleitos
em 2022 era de 49 anos; a média de idade dos deputados do PT era bem maior: 56.
Em 2002, essa média etária entre os petistas era de 47 anos. Em 1982, primeira
eleição do partido, a pequena bancada federal petista tinha apenas 38 anos de
idade em média.
A questão etária seria um problema menor, não
fosse o fato de que o PT demonstra não ter a menor ideia do que oferecer de
novo ao País. O partido nasceu da força do sindicalismo, do catolicismo rural e
da intelectualidade. Tais âncoras ficaram no passado. Depois, cresceu com o
discurso de destruição de reputações enquanto se autoproclamava o dono
exclusivo da virtude pública. Esses apelos se desmilinguiram com os anos em que
se lambuzou com a corrupção no poder. Por fim, a legenda renasceu com Lula redivivo
após os anos de calvário da Lava Jato.
A angústia nacional não é ver o principal
partido da esquerda tradicional envelhecer no tempo, e sim acompanhar Lula e
seus sabujos governarem em 2025 sob a mesma lógica do passado. Na festa de
aniversário, o presidente reconheceu a necessidade de estarem atentos às novas
formas de trabalho e comunicação. Mas, Lula sendo Lula, a solução apontada diz
muito: “Precisamos voltar a discutir política dentro das fábricas, nos locais
de trabalho”. Em suma, o mundo do trabalho, para Lula, continua a resumir-se às
fábricas e aos sindicatos, sem entender, de fato, que o Brasil e os
trabalhadores mudaram.
Com dificuldade de pautar novas agendas, Lula
e o PT recorrem mais uma vez às artimanhas da polarização. O bolsonarismo é
simultaneamente o fantasma e a tábua de salvação para a sobrevivência eleitoral
do lulopetismo. Com isso, tenta-se retomar a força propulsora que lhe garantiu
a vitória em 2022. Com um governo sem clareza de ideias e um presidente sem ter
o que dizer de novo ao País, a eles só resta convocar novamente uma falsa
ameaça à democracia. E ao Brasil não petista resta mostrar a inutilidade dessa
esperteza.
O fardo pesado da Petrobras
O Estado de S. Paulo
Câmbio foi a desculpa para queda no lucro;
mas pesaram também diesel e acordo com Fisco
E m 2024 o lucro da Petrobras, já deduzidos
impostos e custos, despencou mais de 70% em relação ao ano anterior, numa
relação que impressiona: R$ 124,6 bilhões em 2023; R$ 36,6 bilhões no ano
passado. A presidente da companhia, Magda Chambriard, passou o dia seguinte ao
anúncio do resultado num esforço de convencimento de que o desempenho foi
fortemente impactado pelo câmbio no fim do ano, num efeito contábil que não
afeta o caixa da empresa. Mas não conseguiu conter a desvalorização de quase R$
25 bilhões da empresa na Bolsa em apenas um dia.
O documento de apresentação de resultados,
divulgado na noite anterior, já dava o tom do que seriam os argumentos para a
performance decepcionante da companhia, que se acentuou no quarto trimestre,
com um prejuízo de R$ 17 bilhões. O relatório destacou “eventos exclusivos” de
2024, como a disparada do câmbio no fim do ano, que levou o dólar ao patamar de
R$ 6, a perda da margem de rentabilidade do diesel e os custos de um acordo
tributário com o governo federal. Além desses fatores, a preocupação do mercado
se concentrou na forte antecipação de investimentos – não por acaso uma das
premissas do lulopetismo para fazer a empresa ser indutora do desenvolvimento
–, que reduziu a remuneração dos acionistas.
Em que pese o fator cambial sobre a dívida,
parte dos tais eventos exclusivos deixam evidente o custo assumido pela empresa
na adequação aos interesses do governo Lula da Silva. No fim do primeiro
semestre, a Petrobras firmou acordo com o Fisco que encerrou um contencioso de
quase R$ 45 bilhões, que se arrastava desde 2008. Em junho, aderiu ao programa
do governo de recuperação de créditos para ajudar a fechar o ano dentro da meta
fiscal de déficit zero. Na época, a Petrobras divulgou em comunicado o desembolso
de R$ 19,8 bilhões.
A Petrobras destacou que a redução de 2% do
petróleo tipo Brent no mercado externo levou a uma queda de 39% na
rentabilidade do diesel (no jargão técnico chamado de crackspread, ou
diferença de preços entre o petróleo bruto e os produtos refinados). Vale
destacar que, apesar das variações dos preços externos, a Petrobras manteve o
preço do diesel inalterado durante todo o ano de 2024. Para elevar o preço
neste ano, quando já não havia mais como represar a alta, Magda Chambriard foi
a Brasília detalhar os dados a Lula da Silva e somente depois do aval houve
reajuste, em 1.º de fevereiro.
A carta assinada por Chambriard na
apresentação do resultado afirma que, “expurgando os eventos exclusivos”, o
lucro líquido do ano seria de R$ 103 bilhões (US$ 19,4 bilhões). E, embora
tenha destacado quase exclusivamente a variação cambial, obedecer a políticas
de governo mostrou seu custo.
Sendo estatal, a Petrobras obviamente deve estar alinhada à política do governo, mas, como empresa dependente do capital privado, presente em 64% de sua composição acionária, não deve satisfação só ao Palácio do Planalto – o que demanda equilíbrio entre a pressão política e os interesses de uma empresa que tem de dar lucro.
O prêmio maior de Ainda Estou Aqui
Correio Braziliense
Até a última cena, o filme nos lembra que o
sofrimento provocado por agentes criminosos no regime militar ainda aguarda a
devida reparação
Em pleno domingo de carnaval, milhões de
brasileiros acompanharão cada minuto de outra festa, que estará ocorrendo no
Hemisfério Norte. A partir das 21h, horário de Brasília, inicia-se a 97ª edição
do Oscar, com real possibilidade de o Brasil obter conquistas inéditas na
indústria cinematográfica. O filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles,
concorre à icônica estatueta em três categorias: melhor filme, melhor filme
internacional e melhor atriz, para Fernanda Torres.
Independentemente do resultado no Teatro
Dolby, em Los Angeles, na Califórnia, há eloquentes razões para reconhecer os
méritos de Ainda Estou Aqui. Entre os elogios mais frequentes à produção
brasileira, destacam-se, em primeiro lugar, a atuação antológica de Fernanda
Torres, que obteve um reconhecimento internacional poucas vezes visto em
relação a uma estrela de língua não inglesa; e, em segundo lugar, a história
profundamente tocante da família Paiva, destroçada pela ditadura militar, em um
drama que consegue sensibilizar plateias do mundo inteiro, mesmo aquelas não
familiarizadas com os tempos de exceção que vigoraram no Brasil durante 21
anos.
Existe uma miríade de explicações artísticas
e mercadológicas para justificar o sucesso de Ainda Estou Aqui. A
principal delas, por óbvio, é a qualidade excepcional do trabalho desenvolvido
por Walter Salles e pelo elenco do filme. Há ainda a extenuante maratona de
entrevistas e participação em festivais para divulgar a produção, em esforço
monumental do diretor e dos protagonistas. Por fim, cite-se a qualidade do
livro que inspirou a obra cinematográfica, escrito por Marcelo Rubens Paiva,
autor que já havia ganhado notoriedade com Feliz Ano Velho.
Mas um mérito inquestionável de Ainda
Estou Aqui é também a mensagem que ele transmite para o Brasil. Ao narrar
a trajetória de Eunice Paiva e família, a obra de Walter Salles retrata
igualmente o caminho trilhado por uma nação. Com extrema habilidade, o diretor
exibe as transformações de um país subjugado por um regime autoritário em
direção à democracia, não sem marcas profundas na alma. Até a última cena, o
filme nos lembra que o sofrimento provocado por agentes criminosos no regime
militar ainda aguarda a devida reparação. Trata-se de uma queixa, uma dor que
não foi contemplada pela Lei da Anistia.
Mais importante, Ainda Estou Aqui mostra-se
de uma atualidade perturbadora no momento em que a democracia encontra-se sob
ameaça crescente e constante. No Brasil, fatos repugnantes como a trama para
sabotar as eleições, o plano de assassinar altas autoridades, a destruição dos
símbolos da República em 8 de janeiro e os ataques contínuos a ministros do
Supremo Tribunal Federal constituem uma ameaça real, que nada tem de ficção. No
mundo, o avanço de autocratas e da extrema direita põe em xeque a democracia
liberal, regime construído a duras penas após os horrores de duas guerras
mundiais e décadas de Guerra Fria.
Como nunca se viu, há muitas chances de Ainda Estou Aqui ganhar a premiação máxima da indústria audiovisual. Mas, afora o reconhecimento de Hollywood, o filme já conquistou o coração dos brasileiros. É seguramente uma obra-prima do cinema nacional. E, como tal, reúne as credenciais para o país valorizar sua produção cultural e adquirir a coragem de debater temas incômodos da nossa sociedade.
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