domingo, 2 de março de 2025

O rumo escolhido - Merval Pereira

O Globo

A escolha de Gleisi Hofmann mostra que a reforma ministerial anunciada por Lula não tem o objetivo de ampliar sua base

A escolha de Gleisi Hoffmann para o ministério das Relações Institucionais, que trata da relação política do governo com o Congresso, mostra claramente que a reforma ministerial anunciada por Lula não tem o objetivo de ampliar a base de apoio governista, nem de tornar realidade o governo de frente ampla prometido na campanha presidencial. Ao contrário, marca a confirmação de que o governo Lula 3 será mais do que nunca um governo de petistas, mesmo assim de uma parte dos petistas, não de todos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não está contemplado nessa turma, pois tem sido frequente alvo de críticas de Gleisi. A explicação do ministro da Casa Civil, Rui Costa, para justificar a escolha parece bizarra. Diz ele que colocar a ex-presidente do PT no ministério é uma maneira de “proteger” Haddad, pois Gleisi não terá mais liberdade para criticar o ministro da Fazenda.

Me parece mais provável que a manobra seja no sentido de enfraquecer Haddad para retirá-lo de cena, substituindo-o por um ministro mais adepto do desenvolvimentismo, como, por exemplo, Aloizio Mercadante, que dirige o BNDES. Mercadante, aliás, deveria ter sido o primeiro ministro da Fazenda de Lula, em 2003, mas foi eleito senador com uma votação expressiva, e disse a Lula, antecipando-se a uma decisão que parecia a todos, inclusive a ele, natural, que não poderia aceitar um eventual convite por sentir-se responsável diante dos eleitores pelos votos conseguidos, e gostaria de exercer o mandato.

As más línguas contam que Lula teria comentado ser um homem de sorte, pois pretendia colocar na Fazenda Antônio Palocci. Que, aliás, foi fundamental para o êxito do primeiro mandato. Essa segunda parte do governo Lula 3 parece destinada a repetir o ímpeto desenvolvimentista do segundo mandato, que acabou sendo aparentemente exitoso, com o presidente terminando seu mandato com cerca de 80% de aprovação, e a eleição de Dilma Rousseff para sucedê-lo.

O desequilíbrio fiscal provocado pelos gastos excessivos para eleger Dilma conseguiu um crescimento do PIB de 7,5%, o maior desde 1986. No entanto, o governo Dilma teve dificuldade de equilibrar as contas públicas enquanto tentava manter o crescimento, e terminou seu mandato com um PIB de 0,1%, em meio a uma crise econômica que a obrigou a tentar fazer um cavalo de pau na condução do governo, convidando o economista conservador Joaquim Levy para o ministério da Fazenda em lugar de Guido Mantega.

Este substituíra Palocci e aplicou o que se chamou de uma uma “nova matriz econômica”, com resultados desastrosos que levaram à crise do impeachment de Dilma. A insistência de Lula em uma política desenvolvimentista sem cuidar de suas bases estruturais pode indicar que ele continua pensando em candidatar-se à reeleição.

“Fritar” o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como aparenta fazer nos meses recentes, deixará mais claro ainda esse desejo, pois o partido não tem ninguém para substituí-lo no papel de candidato a Presidente. A reforma ministerial, por si só, será indicativo suficiente para definir a rota de Lula. Se for uma mexida para acomodar seus parceiros do PT é sinal de que o sonho da frente ampla não se conforma à sua realidade, e Lula terá escolhido se valer apenas do antagonismo ao bolsonarismo, seja em pele de quem ele se apresentar, para se eleger pela quarta vez.

Será, de certa maneira, o contrário daquele que se apresentou como defensor da democracia buscando um governo de coalizão nacional. Um candidato mais moderado dentro do bolsonarismo poderá ser mais difícil de derrotar do que o próprio Bolsonaro, que está inelegível. Lula terá sorte se Bolsonaro, obrigado a desistir pela Justiça, escolher ser representado por um membro de sua família.

 

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