domingo, 2 de março de 2025

Gleisi comandará negociação das verbas com o Congresso - Raphael Di Cunto

Folha de S. Paulo

A decisão do presidente Lula (PT) de entregar a articulação política do governo à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, deixa o partido na gerência do cofre de emendas, estabelece postura mais incisiva na relação com o Congresso e mira a construção de palanques regionais para 2026.

O movimento é um balde de gelo para políticos de centrão, mercado financeiro e integrantes da equipe econômica, ao deixar claro que a reforma ministerial não terá a abrangência e direção por eles desejadas.

As mudanças nos ministérios, na visão desses atores, seriam a chance de um chacoalhão no governo, com a saída de Rui Costa da Casa Civil e a "despetização" do Palácio do Planalto. A expectativa cresceu quando Lula despencou nas pesquisas de popularidade. Mas o presidente resolveu ir no sentido contrário.

O novo momento das emendas parlamentares, com mais transparência sobre os autores, dificultará a gestão de maiorias pelos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP).

No modelo anterior, da emenda de relator e depois de comissão, Arthur Lira (PP-AL), pela Câmara, e Alcolumbre, no Senado, distribuíam recursos bilionários para aliados. Quanto mais fiéis, maior o volume de verbas. Até a oposição entrava no bolo para pegar mais leve num projeto ou outro, sempre na surdina.

Como o plenário não tinha certeza de quem recebia e quanto, Lira e Alcolumbre manejavam habilmente a construção de maiorias. Com a transparência, a divisão tende a ser mais equânime. O controle de quem vai se beneficiar mais ou menos terá que ocorrer "na boca do caixa" –a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) negocia pelo governo.

Motta tentava emplacar na função o aliado Isnaldo Bulhões (AL), líder do MDB na Câmara. Faria uma dobradinha como a que foi firmada entre Lira e Alcolumbre com o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira no governo Jair Bolsonaro (PL).

O que os dois combinavam no Congresso ele viabilizava no Executivo. Aprovaram até PECs (Propostas de Emenda à Constituição) sem grande debate.

Agora, Lula deixa com o governo, nas mãos da petista Gleisi, o controle de quem sairá beneficiado na liberação das emendas não impositivas. A fidelidade terá de ser ao Executivo. Ainda falta saber se dará certo com um governo hoje impopular e dependente de um Congresso com maioria de centro-direita.

A pauta legislativa mais importante para o governo Lula, com vistas a 2026, é cumprir a promessa de ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda. Aí entra outra missão de Gleisi: fazer o embate público com o Congresso para pressionar pela aprovação dos projetos, algo que Alexandre Padilha evitava, mesmo quando era atacado por Lira.

O Congresso ainda não diz claramente, mas já torce o bico para a compensação sugerida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: taxar quem ganha mais de R$ 50 mil por mês com uma alíquota mínima de 10% sobre a renda. A cobrança afetará profissionais liberais que fogem da carga tributária mais alta ao receberem como pessoas jurídicas, a exemplo de médicos, advogados e alguns artistas.

Poderia-se pensar em pressão popular, mas o problema é que o PT e Lula há muito não reúnem multidões nas ruas e, exceto no caso da escala 6x1, a direita atropela a esquerda nas redes sociais —arena que o centrão toma por base para avaliar o custo de suas ações hoje em dia.

Gleisi também chega ao governo para conciliar a agenda legislativa com a negociação sobre os palanques da próxima eleição. O presidente nem sequer tem candidato ao governo em São Paulo e faltam nomes fortes para o Senado nos maiores estados.

A atual presidente do PT está em atrito com o favorito de Lula para substitui-la no partido, Edinho Silva. Trabalha para colocar alguém de sua confiança no cargo, e ambos agora precisarão se entender para evitar novos embates –que, na área econômica, já estão contratados com Haddad.

Ao alocar Gleisi na articulação política e não na Secretaria-Geral da Presidência, Lula lhe concede um protagonismo que reacende disputas internas em torno de sua sucessão, seja para 2026 ou 2030. Ela disputará diariamente com Haddad e Rui Costa quem mais influenciará o presidente.

 

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