Folha de S. Paulo
A decisão do presidente Lula (PT) de entregar a
articulação política do governo à presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, deixa o partido na gerência do cofre de emendas, estabelece
postura mais incisiva na relação com o Congresso e mira a construção de
palanques regionais para 2026.
O movimento é um balde de gelo para políticos
de centrão, mercado financeiro e integrantes da equipe econômica, ao deixar
claro que a reforma ministerial não terá a abrangência e direção por eles
desejadas.
As mudanças nos ministérios, na visão desses
atores, seriam a chance de um chacoalhão no governo, com a saída de Rui Costa da
Casa Civil e a "despetização" do Palácio do Planalto. A expectativa
cresceu quando Lula despencou nas pesquisas de popularidade. Mas o presidente
resolveu ir no sentido contrário.
O novo momento das emendas parlamentares, com mais transparência sobre os autores, dificultará a gestão de maiorias pelos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
No modelo anterior, da emenda de relator e
depois de comissão, Arthur Lira (PP-AL), pela Câmara, e Alcolumbre, no Senado,
distribuíam recursos bilionários para aliados. Quanto mais fiéis, maior o
volume de verbas. Até a oposição entrava no bolo para pegar mais leve num
projeto ou outro, sempre na surdina.
Como o plenário não tinha certeza de quem
recebia e quanto, Lira e Alcolumbre manejavam habilmente a construção de
maiorias. Com
a transparência, a divisão tende a ser mais equânime. O controle de quem
vai se beneficiar mais ou menos terá que ocorrer "na boca do caixa"
–a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) negocia pelo governo.
Motta tentava
emplacar na função o aliado Isnaldo Bulhões (AL), líder do MDB na
Câmara. Faria uma dobradinha como a que foi firmada entre Lira e Alcolumbre com
o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira no governo Jair
Bolsonaro (PL).
O que os dois combinavam no Congresso ele
viabilizava no Executivo. Aprovaram até PECs (Propostas de Emenda à
Constituição) sem grande debate.
Agora, Lula deixa com o governo, nas mãos da
petista Gleisi, o controle de quem sairá beneficiado na liberação das emendas
não impositivas. A fidelidade terá de ser ao Executivo. Ainda falta saber se
dará certo com um governo hoje impopular e dependente de um Congresso com
maioria de centro-direita.
A pauta legislativa mais importante para o
governo Lula, com vistas a 2026, é cumprir a promessa de ampliar a faixa de
isenção do Imposto de Renda. Aí entra outra missão de Gleisi: fazer o embate
público com o Congresso para pressionar pela aprovação dos projetos, algo que
Alexandre Padilha evitava, mesmo quando era atacado por Lira.
O Congresso ainda não diz claramente, mas já
torce o bico para a compensação sugerida pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad: taxar quem ganha mais de R$ 50 mil por mês com uma alíquota mínima
de 10% sobre a renda. A cobrança afetará profissionais liberais que fogem da
carga tributária mais alta ao receberem como pessoas jurídicas, a exemplo de
médicos, advogados e alguns artistas.
Poderia-se pensar em pressão popular, mas o
problema é que o PT e Lula há muito não reúnem multidões nas ruas e, exceto
no caso
da escala 6x1, a direita atropela a esquerda nas redes sociais —arena
que o centrão toma por base para avaliar o custo de suas ações hoje em dia.
Gleisi também chega ao governo para conciliar
a agenda legislativa com a negociação sobre os palanques da próxima eleição. O
presidente nem sequer tem candidato ao governo em São Paulo e faltam nomes
fortes para o Senado nos maiores estados.
A atual presidente do PT está em atrito com o
favorito de Lula para substitui-la no partido, Edinho Silva. Trabalha para
colocar alguém de sua confiança no cargo, e ambos agora precisarão se entender
para evitar novos embates –que, na área econômica, já estão contratados com
Haddad.
Ao alocar Gleisi na articulação política e
não na Secretaria-Geral da Presidência, Lula lhe concede um protagonismo que
reacende disputas internas em torno de sua sucessão, seja para 2026 ou 2030.
Ela disputará diariamente com Haddad e Rui Costa quem mais influenciará o
presidente.
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