domingo, 2 de março de 2025

O bloco dos prefeitos-xerifes - Bernardo Mello Franco

O Globo

Orientados por marqueteiros, prefeitos criam fatos e factoides para se mostrar engajados na luta contra a criminalidade

Ricardo Nunes convocou a imprensa para inaugurar um “prisômetro”. O prefeito mandou instalar um painel digital no centro de São Paulo. Nele promete contabilizar, “minuto a minuto”, as prisões feitas pela Guarda Civil Metropolitana com o auxílio de câmeras de segurança.

O painel de lâmpadas de LED tem três metros de altura e um metro de largura. A pretexto de divulgar informações de interesse público, faz propaganda de uma vitrine do prefeito: o programa Smart Sampa, que espalhou 23 mil olhos eletrônicos pela cidade.

O projeto enfrenta críticas e questionamentos desde o lançamento. Seu primeiro edital foi suspenso pela Justiça por usar termos racistas e citar a cor da pele entre os critérios para identificar “suspeitos”. O documento também citava a “vadiagem” como motivo para prisões.

O “prisômetro” de Nunes ilustra um fenômeno em curso na política brasileira. Orientados por marqueteiros, prefeitos criam fatos e factoides para se mostrarem ativos no combate ao crime. A Constituição estabelece que a segurança pública é atribuição dos estados, mas o tema passou a ser decisivo nas eleições municipais. No caso paulistano, pode servir de trampolim para uma futura candidatura ao Palácio dos Bandeirantes.

O Rio segue o mesmo caminho. Na estreia do quarto mandato, o prefeito Eduardo Paes anunciou a criação de uma força municipal de segurança armada. O discurso de posse foi marcado por críticas ao desgoverno de Cláudio Castro. Paes nega, mas deve renunciar à prefeitura para concorrer ao Palácio Guanabara. A criação da nova polícia parece ser o ponto de partida para a campanha de 2026.

O bloco dos prefeitos-xerifes não inclui apenas os que se dizem de direita, como Nunes, ou de centro, como Paes. Em Maricá, o petista Washington Quaquá copia o estilo do ex-deputado Sivuca, responsável por popularizar o bordão “bandido bom é bandido morto”. Já declarou que em sua cidade “vagabundo vai para a vala”.

Há dez dias, o Supremo Tribunal Federal fortaleceu os prefeitos ao decidir que as guardas municipais também podem atuar na segurança ostensiva e fazer prisões em flagrante. Faltou dizer que elas não têm preparo nem estrutura para enfrentar a criminalidade organizada.

No Rio, Paes já admitiu que a nova força armada não combaterá o tráfico nem as milícias. Isso equivale a dizer que o órgão só atuará no varejo do crime, tentando prender batedores de carteiras e ladrões de bicicletas.

“Os políticos estão convencidos de que a população quer ver medidas de endurecimento policial e penal. O problema é que os pacotes anunciados pelos prefeitos parecem pouco eficazes”, avalia a socióloga Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

Ela considera que iniciativas municipais são “necessárias e bem-vindas”, mas avisa que as guardas não resolverão os grandes desafios da segurança. “A ideia de ir atrás de cada ladrão significa enxugar gelo. Assim que um ladrão é preso, aparece outro no mesmo lugar. Para reduzir os roubos, é preciso identificar e desarticular os esquemas de receptação e venda. Isso requer inteligência”, adverte.

 

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