O Globo
Orientados por marqueteiros, prefeitos criam
fatos e factoides para se mostrar engajados na luta contra a criminalidade
Ricardo Nunes convocou a imprensa para
inaugurar um “prisômetro”. O prefeito mandou instalar um painel digital no
centro de São Paulo. Nele promete contabilizar, “minuto a minuto”, as prisões
feitas pela Guarda Civil Metropolitana com o auxílio de câmeras de segurança.
O painel de lâmpadas de LED tem três metros
de altura e um metro de largura. A pretexto de divulgar informações de
interesse público, faz propaganda de uma vitrine do prefeito: o programa Smart
Sampa, que espalhou 23 mil olhos eletrônicos pela cidade.
O projeto enfrenta críticas e questionamentos desde o lançamento. Seu primeiro edital foi suspenso pela Justiça por usar termos racistas e citar a cor da pele entre os critérios para identificar “suspeitos”. O documento também citava a “vadiagem” como motivo para prisões.
O “prisômetro” de Nunes ilustra um fenômeno
em curso na política brasileira. Orientados por marqueteiros, prefeitos criam
fatos e factoides para se mostrarem ativos no combate ao crime. A Constituição
estabelece que a segurança pública é atribuição dos estados, mas o tema passou
a ser decisivo nas eleições municipais. No caso paulistano, pode servir de
trampolim para uma futura candidatura ao Palácio dos Bandeirantes.
O Rio segue o mesmo caminho. Na estreia do
quarto mandato, o prefeito Eduardo Paes anunciou a criação de uma força
municipal de segurança armada. O discurso de posse foi marcado por críticas ao
desgoverno de Cláudio Castro. Paes nega, mas deve renunciar à prefeitura para
concorrer ao Palácio Guanabara. A criação da nova polícia parece ser o ponto de
partida para a campanha de 2026.
O bloco dos prefeitos-xerifes não inclui
apenas os que se dizem de direita, como Nunes, ou de centro, como Paes. Em
Maricá, o petista Washington Quaquá copia o estilo do ex-deputado Sivuca,
responsável por popularizar o bordão “bandido bom é bandido morto”. Já declarou
que em sua cidade “vagabundo vai para a vala”.
Há dez dias, o Supremo Tribunal Federal
fortaleceu os prefeitos ao decidir que as guardas municipais também podem atuar
na segurança ostensiva e fazer prisões em flagrante. Faltou dizer que elas não
têm preparo nem estrutura para enfrentar a criminalidade organizada.
No Rio, Paes já admitiu que a nova força
armada não combaterá o tráfico nem as milícias. Isso equivale a dizer que o
órgão só atuará no varejo do crime, tentando prender batedores de carteiras e
ladrões de bicicletas.
“Os políticos estão convencidos de que a
população quer ver medidas de endurecimento policial e penal. O problema é que
os pacotes anunciados pelos prefeitos parecem pouco eficazes”, avalia a
socióloga Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
Ela considera que iniciativas municipais são
“necessárias e bem-vindas”, mas avisa que as guardas não resolverão os grandes
desafios da segurança. “A ideia de ir atrás de cada ladrão significa enxugar
gelo. Assim que um ladrão é preso, aparece outro no mesmo lugar. Para reduzir
os roubos, é preciso identificar e desarticular os esquemas de receptação e
venda. Isso requer inteligência”, adverte.
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